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A ideia de uma “cidade dos 15 minutos” tem sido um dos conceitos urbanísticos mais discutidos. Propondo a adequação da infraestrutura das cidades à criação de centralidades, assegurando-se a existência de serviços e equipamentos capazes de satisfazer as mais variadas necessidades num raio de deslocações a pé ou de bicicleta de 15 minutos, o conceito não é consensual. Tem, aliás, sido também usado no combate político e gerado até teorias da conspiração a nível internacional. Em Lisboa, torna-se o mote para a segunda edição do Conselho de Cidadãos promovido pela Câmara Municipal de Lisboa, este sábado (dia 25).

O termo foi cunhado pelo urbanista franco-colombiano Carlos Moreno, por ocasião da COP 21 em Paris – a convenção das Nações Unidas sobre alterações climáticas. A promessa é a da revolução da proximidade e faz parte do grande plano da capital francesa para requalificar, descarbonizar, melhorar o espaço público e promover uma vida de fácil e rápido acesso na cidade, privilegiando a mobilidade ativa e procurando garantir a satisfação de todas as necessidades individuais num raio de deslocações, a pé e de bicicleta, de 15 minutos.

Ao nível do planeamento do território, o conceito é promovido através do redesenho do espaço público, privilegiando a circulação pedonal, ciclável e através da rede de transportes públicos, com o objetivo de criar centralidades nos vários bairros.

(em) Paris é sempre uma boa ideia?

Numa cidade grande, como é Paris, cabem várias cidades de 15 minutos e esse é um dos desafios que José Carlos Mota, urbanista e docente no Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Territoriais da Universidade de Aveiro, encontra na aplicação do conceito a cidades de todo o mundo. Se aplicado apenas ao centro das cidades, o conceito da cidade dos 15 minutos “tende a ‘hiperequipar’ e a dotar de qualidade urbana os territórios do centro das cidades”, correndo-se o risco de “penalizar as geografias e os territórios mais periféricos”.

Em Lisboa, também já mostrámos que cabem (potencialmente) várias cidades dos 15 minutos e que entre as 24 freguesias da cidade, é Alvalade a que mais se aproxima da concretização plena deste modelo urbanístico.

A partir do centro geográfico da freguesia de Alvalade, é possível alcançar vários serviços e infraestruturas essenciais num raio de 15 minutos a pé, tais como equipamentos escolares e desportivos, comércio local, supermercados, estações de metro ou espaços verdes.

Politicamente, e apesar de ter enfrentado duras críticas e ter sido “muito impopular”, a promoção do conceito em Paris fez parte do programa político levado a escrutínio eleitoral, em 2020, tendo colhido o maior número de votos e levado à reeleição da presidente da câmara, Anne Hidalgo.

A capital francesa tem apostado na construção de uma ampla e abrangente rede ciclável, no comércio local e relações de vizinhança, na requalificação do espaço público e na redução da presença do automóvel.

Em Paris, afirma José Carlos Mota, a cidade dos 15 minutos “não é só retórica”. O urbanista destaca as intervenções realizadas nas ruas de estabelecimentos escolares, com o encerramento ao trânsito motorizado de mais de duas centenas de ruas escolares e “a própria utilização dos espaços escolares como equipamentos sociais ao fim de semana”,

Mas as operações de reequilíbrio do espaço público associadas à sua implementação – como são o aumento do espaço pedonal e a diminuição do espaço dedicado à circulação do automóvel privado – têm gerado contestação, sobretudo em centros urbanos em que a dependência automóvel mais se faz sentir.

Como Lisboa tem falado do conceito

Em Lisboa, o conceito – que parece estar mais perto de ser conciliado com o desenho atual do bairro de Alvalade – também está presente na retórica política da cidade. Durante a campanha para as eleições autárquicas de 2021, Carlos Moedas mostrou-se várias vezes empenhado na aplicação da cidade de 15 minutos. E, agora, o conceito vai servir de base à 2ª edição do Conselho de Cidadãos de Lisboa, a realizar-se nos próximos sábados, 25 de março e 1 de abril.

Para além de ter a simpatia de Carlos Moedas, a cidade dos 15 minutos é também defendida pela rede internacional de cidades C40, de que Lisboa faz parte.

O conceito, apesar de cunhado recentemente, “não é nada de novo” no urbanismo. É José Carlos Mota quem faz questão de o sublinhar, lembrando o trabalho de Clarence Perry, sociólogo norte-americano, que há cerca de um século “criou a ideia das unidades de vizinhança”.

“No fundo, eram unidades territoriais organizadas em torno de um equipamento escolar. Estamos a falar de unidades com cinco, seis mil pessoas. A escola primária era o foco destas unidades residenciais, que tinham também uma função comercial. Eram também os sítios onde se faziam as compras quotidianas”, explica.

A noção de cidade-proximidade é agora recuperada e adequada ao papel atual das cidades por Carlos Moreno, considera o docente na Universidade de Aveiro. “Ao contrário de todos os outros modelos, é um conceito que é apropriado pelo cidadão comum, que compreende esta noção de uma unidade territorial que é a vida quotidiana regular que eu posso fazer a pé ou de bicicleta até 15 minutos.”

Apesar de se mostrar favorável à criação de cidades de 15 minutos dentro de Lisboa, o atual executivo camarário não decidiu, por agora, avançar com a implementação de quaisquer medidas de restrição à circulação rodoviária, tais como as previstas pelo anterior executivo para a nova Zona de Emissões Reduzidas (ZER).

Miradouro São Pedro de Alcântara Rua Largo Trindade Coelho Santa Casa Misericórdia Peões passeio pedonal ZER
A melhoria da acessibilidade pedonal e a criação de infraestruturas de proximidade são medidas chave na implementação do conceito em centros urbanos. Na Rua de São Pedro de Alcântara, em Lisboa, os peões espremem-se para conseguir passar nos exíguos passeios, em pleno centro da cidade. Foto: Inês Leote

Para Carlos Moreno, entrevistado pela Mensagem em 2021, o importante é falar de proximidade. Uma grande percentagem das deslocações nas cidades é forçada, com a necessidade de deslocações longas para estabelecimentos escolares e locais de trabalho. Através da aproximação de infraestruturas que propõe, a mobilidade passa a ser “uma escolha”, sendo possível escolher ir a pé, de transporte público ou de bicicleta, sem colocar em causa a acessibilidade a serviços e equipamentos.

Escolas, locais de trabalho, hospitais, bibliotecas, cinemas, teatros, locais adequados à prática desportiva, comércio local e espaços verdes – tudo isto deve ser acessível num raio de 15 minutos, apelando a uma reorganização das cidades em torno do tempo e não apenas do espaço, promovendo a qualidade de vida e a ecologia.

O antes e o depois da recente transformação de uma rua escolar, em Paris. De rua com tráfego automóvel a uma rua com espaço verde e exclusivamente pedonal.

Então, como chegamos até aqui, ao momento em que este conceito se tornou campo de batalha na Europa e na América?

As teorias da conspiração e a “necessidade de explicar” para ganhar apoio

Em Oxford, cidade do sul de Inglaterra, protestou-se em fevereiro a implementação de restrições ao trânsito automóvel no interior de bairros residenciais, com objetivo de reduzir atropelamentos e melhorar a qualidade do ar. Uma das motivações dos protestantes baseia-se numa acusação considerada sem fundamento: a de que a cidade dos 15 minutos tem como objetivo o controlo da liberdade de deslocação dos cidadãos.

Já no estado norte-americano do Ohio, quando o recente descarrilamento de um comboio de transporte de mercadorias resultou no derrame de químicos e num desastre ambiental, a ocorrência rapidamente motivou a formulação de teorias da conspiração sobre este conceito. Sugeriam, de acordo com a agência noticiosa AFP, a intencionalidade do derrame e que este teria como objetivo tornar inabitável a localidade afetada, levando à transferência da população local para a cidade de Cleveland, a cerca de 140 quilómetros de distância, onde se procura implementar o conceito de cidade de 15 minutos.

À semelhança do ocorrido em Oxford, as acusações conspiracionistas sugerem que a cidade de 15 minutos é um lugar em que as pessoas residentes são sujeitas a vigilância e controlo constantes.

Para Carlos Moreno, chegam a ser irónicas teorias como as que surgiram em Oxford, acusando a cidade dos 15 minutos de limitar direitos individuais. A motivação de teorias conspiracionistas em torno do conceito é, para o especialista, demonstrativo dos “níveis de insanidade que alcançámos neste mundo”, comparando a oposição ao conceito com a retórica de quem defende que a terra é plana.

“Há aqui claramente mecanismos de manipulação, mas que ocorrem por uma razão muito importante, que é a necessidade de explicar e de atenuar os impactos da mudança junto dos grupos sociais mais frágeis”, faz notar José Carlos Mota, que identifica as causas prováveis.

Por um lado, as teorias da conspiração que circulam são sugeridas “pelos mesmos grupos que se opuseram ao confinamento da Covid, ao Brexit, que dizem que a crise climática é uma conspiração”. “Há movimentos negacionistas e conspirativos que vendem esta tese”, diz.

O urbanista português descreve a situação como sendo “absurda”, mas apresenta uma razão: “o pouco cuidado que algumas autarquias estão a ter na explicação do por que é que [a cidade dos 15 minutos] faz sentido”.

“As pessoas sentem que há o risco de uma imposição de determinado modelo urbano”. Isso, explica, “pode gerar receios” e é por isso que apela, não só à inclusão das pessoas nos processos de construção e transformação das cidades, mas também à necessidade de “um processo de transição”.

As mudanças na cidade – como são aquelas que são feitas no campo da mobilidade – “não têm o mesmo impacto para quem tem uma situação económica favorável ou para quem tem uma vida muito mais dura e que não cabe nos 15 minutos”, avisa.

Na entrevista que concedeu à Mensagem há cerca de dois anos, Carlos Moreno confessa ter uma visão semelhante. “O ponto mais importante é mudar as mentalidades das pessoas para aceitarem que, para ir trabalhar, é melhor ir de bicicleta ou transporte público do que ir de carro”. Em Paris, diz, “isto, hoje, é uma realidade”.

Já em declarações recentes ao jornal Politico, este ano, Carlos Moreno afirmou que ao contrário daquilo que tem vindo a ser apontado pelas vozes que se opõem ao conceito urbanístico, a cidade dos 15 minutos é um modelo desenhado para dar mais liberdade às pessoas, libertando-as de deslocações longas e onerosas e aproximando-as do acesso a serviços básicos.

Na cidade dos 15 minutos, a proximidade de infraestruturas e serviços possibilita a satisfação de grande parte das necessidades sem a necessidade de recurso ao veículo automóvel, possibilitando a poupança de tempo e dinheiro em deslocações. Foto: Inês Leote

O urbanista, que trabalha com o município de Paris, afirmou ainda que o conceito não é propriedade da esquerda política, lembrando o caso do autarca de centro-direita de Buenos Aires, na Argentina que também está a trabalhar na sua implementação.

José Carlos Mota considera que é a partir do momento em que se partidariza uma determinada política que passa a existir “o risco de essa opção política cair numa eventual mudança futura de governo ou liderança governativa”.

Acredita, porém, que a ideia da cidade dos 15 minutos – ou cidade-proximidade, como sugere – faz sentido para as cidades, qualquer que seja a sua liderança política. Faz sentido “do ponto de vista dos desafios climáticos, sociais, económicos e de integração cultural”, afirma. Para além da necessária comunicação com a população, acredita ser necessária a existência de “um consenso político em torno da sua importância”.

Aplicar a cidade dos 15 minutos (ou “a cidade de proximidade”) a Lisboa

Um dos riscos na importação do conceito prende-se com o contexto – é este o alerta deixado por José Carlos Mota. Pode ser problemática a “utilização acrítica deste conceito em todas as geografias, como se fosse uma receita”, diz.

O urbanista português prefere utilizar o termo cidade de proximidade. “Não gosto muito da designação da cidade dos 15 minutos, porque encerra uma geografia temporal que se presta a muitos equívocos, porque já há quem diga que a cidade de 15 minutos é a cidade a que chego de automóvel até 15 minutos”.

A procura de implementação do conceito urbanístico em Lisboa terá, assim, de compreender a diminuição da utilização do automóvel, o aumento das deslocações ativas e o reforço da aposta no transporte coletivo. Para o professor universitário, o modelo da cidade de proximidade “é muito bem vindo, mas tem de estar ancorado numa política de ordenamento do território à escala regional, porque Lisboa não pode viver sozinha, [tem um] contexto metropolitano”.

É já no próximo sábado que a cidade dos 15 minutos entra na discussão entre munícipes. É, afinal, o grande tema da segunda edição do Conselho de Cidadãos.

Sobre a aplicabilidade do conceito à realidade de Lisboa, José Carlos Mota recomenda a experiência, antes de se avançar com qualquer mudança estrutural na vida da cidade.

Sugere que se procure quem, na cidade, está em condições de experimentar a transição para a cidade dos 15 minutos: “A mudança do trabalho, a mudança da escola dos filhos, a mudança do lugar de compras, a mudança da mobilidade. Quem é que está em condições de a poder experimentar? Quem é que já hoje faz os cinco ou dez minutos de carro? Se calhar são estas pessoas, que hoje tem um padrão de mobilidade quotidiano que com um pequeno estímulo podem passar para um modo mais descarbonizado”.

O conceito urbanístico tem por base a ecologia e a qualidade de vida. As deslocações a pé e de bicicleta são privilegiadas em detrimento do uso do automóvel e a cidade deve organizar o seu território, de modo a garantir que as distâncias a percorrer para chegar a equipamentos ou serviços são reduzidas. Foto: Inês Leote

Para facilitar a mudança de comportamentos, sugere a disponibilização de “mediadores de transição – pessoas que te ajudem porque já o fizeram, que ajudem a tirar dúvidas, a dar confiança para a mudança, até nas compras, no comércio”.

O portal Lisboa para Pessoas deu conta, esta terça-feira, da existência de um programa municipal cujo trabalho, desenvolvido pela Direção Municipal de Mobilidade, estará relacionado com a promoção do conceito de cidade dos 15 minutos. De nome Há Vida no Meu Bairro, estará a desenvolver 24 projetos piloto, um em cada freguesia, para intervir no espaço público procurando promover as deslocações pedonais em segurança e “garantindo que todas as funções urbanas essenciais estão à distância de uma caminhada”.

“Gerir expectativas” para o Conselho de Cidadãos

A expectativa gerada pela primeira edição, realizada há já dez meses, em maio de 2022, pode ter sido a causa da insatisfação demonstrada por vários dos participantes da primeira edição.

Recentemente, num texto publicado pelo jornal Público, participantes na primeira edição queixaram-se de falta de informação relativamente ao andamento das propostas apresentadas e da inconsequência das mesmas na agenda política da cidade.

Nesta anterior sessão do Conselho de Cidadãos de Lisboa inscreveram-se 2351 munícipes, tendo sido sorteada a participação de 50 participantes e 50 suplentes. Nos dois dias de trabalho, em maio de 2022, acabaram por participar apenas 47 munícipes.

E, dos Paços do Concelho saíram várias propostas para a ação política da cidade. Entre as propostas apresentadas, elencam-se algumas apresentadas abaixo.

HABITAÇÃO

  • “Proporcionar habitação com custos mais acessíveis
  • Recuperação do parque habitacional devoluto privado e municipal em Lisboa até 2025
  • Desenvolvimento do “conceito para uma Lisboa mais sustentável”, criando condições e infraestruturas para a criação de “núcleos da cidade dos 15 minutos”

MOBILIDADE

  • Redução da entrada de 80% dos automóveis em Lisboa até 2048
  • Reforço da rede de transportes públicos
  • Melhoria da acessibilidade pedonal
  • Implementar rede radial de elétricos até 2041
  • Implementação de superquarteirões até 2025

ESPAÇO PÚBLICO

  • Reduzir as ilhas de calor na cidade, aumentando os espaços de sombra
  • Promover a estadia das pessoas no espaço público, com a introdução de mobiliário urbano
  • Garantir “um jardim em cada esquina”

RELAÇÃO DA AUTARQUIA COM MUNÍCIPES

  • Criação da figura de provedor municipal.

Perante as críticas de inconsequência política das propostas apresentadas, a Câmara Municipal de Lisboa fez saber que três medidas encontram-se já em execução:

  • Uma campanha de corresponsabilização de cidadãos e empresas para o tema das alterações climáticas;
  • A iniciativa “Um Jardim Em Cada Esquina”, com o objetivo de arrefecer a cidade e agir contra as ilhas de calor urbano da cidade;
  • A criação de Superquarteirões, com o objetivo de fechar ao trânsito ruas em bairros residenciais ao fim de semana. No âmbito desta medida, foi já anunciada a intenção de fechar ao trânsito a envolvente da Praça da Alegria aos domingos.

Em antevisão do Conselho de Cidadãos deste sábado, José Carlos Mota não tem dúvidas: “o que Lisboa está a fazer vai ser útil para o resto do país”. Lembra que Lisboa tem sido pioneira na cultura participativa ao nível municipal e que essa característica da cidade não vem de agora. “Não foi com o Conselho de Cidadãos que se tornou pioneira – o BipZip, o Orçamento Participativo e outras figuras que já tinham dotado Lisboa do seu caráter inovador”, nota.

Para a nova iniciativa de participação cidadã, sugere que esta possa estender-se “a cada um dos bairros de Lisboa”.


Frederico Raposo

Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.

frederico.raposo@amensagem.pt


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