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Os primeiros elétricos articulados da Carris entraram ao serviço em 1995, há mais de 27 anos. O próximo ano, 2023, será simbólico: vai marcar a inversão de uma tendência estacionária no investimento na rede de elétricos da cidade.
Vai haver mais 15 novos elétricos articulados, cuja compra por 43,4 milhões de euros foi anunciada em abril do ano passado. O primeiro chega a Lisboa no segundo trimestre de 2023. Ao longo dos nove meses que se seguirão, o número de elétricos articulados da cidade vai mais do que duplicar, passando dos atuais 10 para 25.
Com este investimento, outros terão de associar-se. É a própria Carris que o diz. A estação de Santo Amaro, em Alcântara, onde se situa o parque e as oficinas da frota de 55 elétricos da cidade, “será sujeita a uma grande intervenção, de modo a assegurar o parqueamento e a melhoria das condições de manutenção dos novos elétricos”.


A chegada dos novos elétricos à carreira 15E, ribeirinha, a única a circular em Lisboa com elétricos articulados, deverá aumentar a frequência de circulação, mas servirá também para acompanhar a prevista expansão desta linha.
Atualmente a circular entre Algés e a Praça da Figueira, na baixa lisboeta, a extensão da linha do 15E deverá aumentar significativamente. Segundo a Carris, “prevê-se a expansão da linha de elétricos articulados a ocidente, ao Jamor, e a oriente, a Santa Apolónia – e posteriormente ao Parque das Nações”.
No primeiro semestre deste ano, só na carreira 15E a Carris transportou 2,18 milhões de passageiros.
A recente aposta na rede de elétricos por parte da Carris vem contrariar o desinvestimento verificado desde 1960. Atualmente a rede de Lisboa tem 31 quilómetros e seis carreiras ativas, mas chegou a ter cerca de 75 quilómetros de carril, 450 veículos e 30 carreiras.
Agora, Lisboa pode estar prestes a ganhar novas linhas de elétrico. “A Carris está a trabalhar com a Câmara Municipal de Lisboa, sua autoridade de transportes, no sentido de implementar novas linhas de metro ligeiro” – é a própria empresa municipal de transportes públicos a afirmar que está em cima da mesa a criação de novas linhas de elétrico pela cidade.
Uma linha entre Amadora e Lisboa?

Carlos Gaivoto trabalha na Carris há 45 anos. Chegou às oficinas de Santo Amaro quando estas atingiam o seu pico de atividade, chegando a juntar mais de dois mil trabalhadores da empresa. Formou-se em engenharia mecânica e exerce funções de técnico superior na Carris.
Mais do que expansões de metropolitano, que critica, ou a criação de novas carreiras de autocarro, Carlos Gaivoto acredita no potencial do elétrico moderno para promover uma cidade mais vivida e participada ao nível das ruas. Defende que os elétricos são um modo “muito mais económico e com outro retorno social”.
Em cidades que refere como exemplos de implementação de redes modernas de elétrico, como as francesas Paris e Bordéus, a readaptação de ruas a este meio de transporte opera mudanças profundas ao nível da paisagem urbana, com a redução do espaço alocado ao automóvel e o aumento de espaço de usufruto público. “A rede de elétricos permite olhar o espaço urbano de uma forma muito mais democrática e muito mais social. Tem a ver com o modelo de cidade que nós queremos”, afirma.
Para Lisboa, propõe uma rede de LRT, promovendo a redução de circulações excessivas de carreiras de autocarro e uma maior capacidade de transporte. LRT é Light Rail Transit, no acrónimo inglês, significando uma rede de elétricos modernos a operar em canal próprio, proporcionando uma maior velocidade comercial ao assegurar a não divisão do espaço com outros veículos, como acontece em alguns troços da carreira 15E.

Entre as suas propostas, destaca uma, que conta já com estudos elaborados pela própria Carris na década de 90: a linha Falagueira – Santa Apolónia. E garante que “pode fazer-se em três anos”.
Este é, diz, “um eixo muito interessante, até do ponto de vista da otimização da nossa rede de autocarros”, em locais como a Estrada de Benfica, que em tempos já recebeu o elétrico e que hoje conta com “500 e tal circulações de autocarros”. O elétrico permitiria “reconfigurar” esta estrada, diz. Seguiria a Avenida Columbano Bordalo Pinheiro, passando pela Praça de Espanha ou junto ao Hospital Curry Cabral, indo à Avenida Duque de Ávila, Praça do Chile, Morais Soares, Paiva Couceiro, Mouzinho de Albuquerque e Santa Apolónia.
O elétrico em Lisboa já chegou, de resto, a muitos destes pontos da cidade. Para além da Estrada de Benfica, sublinha o especialista em transportes da Carris, o elétrico passava em Sete Rios, na Praça de Espanha, Arco do Cego, Praça do Chile e Morais Soares.
Para Carlos Gaivoto, “não estamos só a falar de um projeto de transportes. É um projeto de ordenamento do território, de urbanismo, de ecologia, de transportes e de cidadania”. Acredita que esta nova ligação poderá ser realidade em breve, mas sublinha que, para concretizar, Lisboa “terá que dialogar com a Amadora”.


O engenheiro, com responsabilidade no planeamento da rede da Carris, refere dois outros eixos como o “grande desafio para Lisboa relançar o modo elétrico”: o eixo Alcântara – Gare do Oriente, “utilizando a linha ferroviária e fazendo a conexão com a Columbano Bordalo Pinheiro e indo novamente ao eixo do Curry Cabral, ao Bairro do Rego, Cidade Universitária, Avenida do Brasil, aeroporto e Gare do Oriente”; e o eixo Algés – Loures, previsto também pelo Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT) da Área Metropolitana de Lisboa (AML).

A concretização desta linha de transporte público em sítio próprio – isto é, que circula num canal dedicado – está também prevista pelo concelho de Oeiras, no seu projeto referente ao novo Jamor.
Recorde-se que estão já previstos, para os concelhos de Lisboa, Oeiras, Odivelas e Loures, investimentos em linhas de metro ligeiro de superfície – como são o LIOS Ocidental, prevendo-se a ligação de Alcântara a Oeiras, passando pelo Alto da Ajuda, o Restelo, Miraflores e Linda-a-Velha, e a denominada Linha Violeta, ligando Odivelas e Loures e unindo localidades dos dois concelhos à rede de metro de Lisboa. Esta última linha resulta de um investimento previsto de 250 milhões de euros, a partir de fundos provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência.

O elétrico para mudar a paisagem da cidade
Nota-se, mesmo a olho nu, a intensidade com que vive os elétricos da cidade e a vontade que tem de os ver a bem servir os lisboetas. Em pleno Largo do Calvário, Carlos Gaivoto orienta o seu olhar para os elétricos que vão passando a bom ritmo, entre os articulados da carreira 15E e os elétricos das colinas que por ali circulam na 18E, e chama a atenção de cada vez que encontra um conflito entre um automóvel e um elétrico. No espaço de um minuto, são vários.
É o condutor que se aventura, sem se aperceber, pelo canal reservado a autocarros e elétricos, ou o automóvel que, mais abaixo, para na via e impede o avanço da carreira 15, a única carreira moderna de elétricos de Lisboa, percorrida pelos nove articulados atualmente ao serviço da empresa municipal de transporte público – o décimo veículo está fora de serviço devido a uma colisão que obrigou à retirada prolongada do serviço de transporte de passageiros, esclarece o engenheiro da Carris.
São estes os conflitos que não deveriam existir para que a cidade ganhe uma moderna e eficiente rede de elétricos, como existe por essa Europa fora, em vários exemplos que o próprio defende. Isso só pode acontecer, diz Carlos Gaivoto, com a implementação de um projeto que coloque o 15E a circular num canal exclusivo.


O 15E devia circular, ao longo de todo o seu trajeto, em canal próprio. Mas isso não acontece. Em vários troços, como aqui, no Calvário, na Rua de Pedrouços e mesmo na baixa lisboeta, acaba a competir pelo espaço com os automóveis. Apesar de cada um destes veículos articulados transportar mais de 200 passageiros, estes elétricos têm de esperar todos os dias em cruzamentos e filas de trânsito, atrás dos automóveis.
Os articulados que chegam a partir do próximo ano serão mais compridos que os atuais, com 28,5 metros, face aos 24 metros dos existentes e com maior capacidade de transporte de passageiros, sendo capazes de acomodar 221 pessoas, em comparação com os 201 dos elétricos que integraram a rede em 1995.

Carlos Gaivoto quer ver a linha do 15E expandir-se dos atuais terminais de Algés, até ao Jamor, e da Praça da Figueira, numa primeira fase até Santa Apolónia e, posteriormente, até ao Parque das Nações. Saúda a aquisição dos novos veículos, mas olha para o potencial de uma rede moderna de elétricos de uma forma mais estruturante e abrangente para a vida da cidade. “O que interessa é aproximar a residência do emprego e o emprego da residência. Quando olhamos para a aquisição de novos elétricos só delimitantes a uma linha, é evidente que isto não responde a esses desafios”.
Ou seja, a linha do 15E dá resposta “numa linha muito tangencial”. Mesmo da Cruz Quebrada à Expo, “[o 15E] ladeia a cidade”. A aposta do elétrico em Lisboa tem de ser pensada em rede, permitindo viagens entre a periferia e o centro, entre os pólos de emprego e lazer e os pólos habitacionais.


Uma cidade percorrida por elétricos, é uma cidade diferente. “Temos de falar no tipo de acessibilidade que queremos promover. Nos anos 80 e 90, a cidade foi produzindo um espaço que foi vocacionado para o automóvel. Antes, tinha um espaço vocacionado para o transporte coletivo. O transporte individual ocupa ainda hoje o espaço na cidade de uma forma muito agressiva”. Esta é uma realidade que, diz, “não se muda num ano ou dois anos”.
Onde o elétrico é implementado, na sua versão moderna, “tem sido tomado como um ator de urbanismo e pode ajudar a configurar um novo espaço público. Transforma a paisagem e o espaço”, diz.
O que outrora fora asfalto, pode passar a ser relva, por exemplo, e o que é hoje uma rotunda pode, amanhã, ser uma praça. O elétrico passa por cima de canais relvados, da mesma forma que circula em praças, convivendo com o peão. É esta a discussão que a discussão em torno de uma rede de LRT permite – “não ser só um espaço funcionalista. Temos de saber conjugar questões de urbanismo sustentável e ecológico”.


“Quando digo que [o elétrico] é um ator de urbanismo, é porque ele também promove isso – a partilha do espaço público [e] isto é uma forma diferente de interpretar a cidade”, diz Gaivoto.
O desafio da redução da dependência automóvel passa também pela reconfiguração do próprio espaço público. “O espaço não é ilimitado. Se quisermos ter uma rua organizada ou partilhada de forma diferente, teremos de pensar sobre isto. A tendência é ir reduzindo o espaço ocupado pelo automóvel, reconfigurar esse espaço e saber utilizar modos de transporte coletivo”, sublinha este engenheiro com sonhos para a cidade.
*2022.09.09 16h35 – Acrescentada informação relativa aos investimentos já anunciados em linhas de metro ligeiro de superfície para a cidade de Lisboa

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Frederico Raposo
Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.
✉ frederico.raposo@amensagem.pt
Mais eléctricos, que numerosas cidades europeias nunca abandonaram, sim. Mais relva não, que consome muita água. Façam ah maneira do saudoso Arquitecto Ribeiro Teles: deixem crescer ervas chamadas daninhas que nascem, crescem, morrem e as suas sementes germinam novamente com o ritmo das estações do ano, clima, falta ou excesso de chuva, etc, etc.
Não gostam de ver ervas maduras, secas ,douradas no outono, que em seguida adubam os respectivos locais sem intervenção humana ou de máquinas que são inimigas do meio ambiente?
Lamento imenso certas propostas, decisões…
Propostas de novas linhas de eléctricos, isso é o mais fácil de fazer. Agora realmente serem construídas, nunca.
À décadas que a conversa dos eléctricos é sempre a mesma e tudo tem ficado tal como está.
Basta ver o exemplo da carreira 24, quantos anos esperamos pela sua reactivação? E o que se tem falado da sua ligação ao Cais do Sodré? Ainda esperamos…
Portanto nos querermos é acção e não palavras ou desenhos….
A Carris só tem 9 eléctricos articulados e o esqueleto de um. Estão em fim de vida, pelo que considerá-los em planos futuros é um logro.
Curiosamente, no diagrama que esquematiza a rede estratégica de Light Rail Transit (LRT) surge também incluída a extensão do Metropolitano de Lisboa entre Telheiras e a Pontinha… Duas décadas depois, por que motivo não terá ainda avançado este prolongamento, cuja importância continua estranhamente a ser ignorada pelos mais diversos órgãos de comunicação social?