Entramos pelo portão da Rua Marques da Silva, uma de duas entradas principais para o jardim que falta inaugurar. O Jardim do Caracol da Penha vive na cabeça dos lisboetas desde 2016, quando se soube que se previa para aquele vazio urbano um parque de estacionamento da EMEL.
A vontade de pôr aquele espaço ao serviço da população e uma votação recorde no orçamento participativo da cidade reverteram a intenção inicial e, agora, o jardim está prestes a tornar-se realidade. Com apenas alguns pormenores por completar e à espera da instalação dos últimos equipamentos, o fim das obras está previsto para o final deste ano.
As obras iniciaram-se a 24 de outubro de 2019 e deviam ter sido concluídas no prazo de um ano, mas a pandemia chegou e levou a falta de materiais e a atrasos nas entregas. Mais de três anos depois, parece estar finalmente perto de receber os lisboetas e, sobretudo, os fregueses de Arroios e Penha de França, duas das freguesias mais densamente povoadas da cidade e com menos metros quadrados de espaços verdes por habitante.
“A não ser as pessoas que tinham casas viradas para aqui, ninguém sabia que isto existia”. É Rita Vieira Cruz quem lidera a visita ao jardim. Mora desde 2009 ou 2010 – não se lembra ao certo – com vista para este espaço expectante que facilmente passa despercebido no meio da agitação urbana.
Em 2016, na sua varanda, viu que os barracões que davam apoio a serviços de carpintaria do município estavam a ser demolidos. Tentou descobrir o que estava previsto para aquele espaço e foi informada, pela Câmara Municipal de Lisboa, que estaria prestes a transformar-se num parque de estacionamento da EMEL com 86 lugares.

Rita via a nascer naquele espaço um jardim para servir a comunidade local. Já o imaginava muito antes de saber que havia planos para ali construir mais um parque de estacionamento.
Um vazio urbano com 10 mil metros quadrados. Não há muitos assim na cidade, sobretudo nas zonas mais densamente povoadas e consolidadas. Economista de formação e convicta da importância da participação cidadã na construção da cidade, Rita decidiu submeter a sua ideia ao Orçamento Participativo de Lisboa.

A força de um coletivo que reclama um jardim
Não é conhecida por ser boa desenhadora e, para essa parte, Rita contou com a ajuda de alguns vizinhos. Assim surgia o Movimento pelo Jardim do Caracol da Penha, em junho de 2016. No mês seguinte, realizava-se uma assembleia popular, com “200 ou 300 pessoas” e na qual se discutiu a proposta.
Quando se falava com as juntas de freguesia, conta-nos Rita, a ideia que era passada era a de que a população queria aumentar a oferta de estacionamento. Mas Rita e outros vizinhos acreditavam que as pretensões populares podiam, afinal, ser outras.
“Quisemos provar que aquilo que a população queria era um jardim. Usámos um indicador que é o metro quadrado de espaço verde por habitante em cada freguesia e percebemos que Arroios e Penha de França eram a quarta e a quinta freguesias com menos espaço verde por habitante”.

Um terreno com estas dimensões não é fácil de encontrar e o facto de ser propriedade da autarquia representou “uma grande vantagem”. Para o movimento, esta era a “última oportunidade” de fazer crescer um jardim público neste espaço, que vive na fronteira das duas freguesias, já que “não existem outros espaços verdes de grande dimensão nesta zona da cidade”.
Depois da vitória no Orçamento Participativo, com mais de nove mil votos, o movimento propôs que o desenho do futuro jardim fosse o resultado de um processo participativo. O município aceitou a proposta e deu carta branca à consulta popular.
“Colocámos uns sugestionários à volta do bairro, em que as pessoas puderam sugerir quais seriam os equipamentos e como imaginavam que fosse o Jardim do Caracol”. Foram recolhidas centenas de sugestões de munícipes, crianças e adultos, que vieram depois a dar forma ao projeto de arquitetura final, que resulta da articulação da vontade dos fregueses com o projetista, o atelier NPK – responsável também pelo Parque Gonçalo Ribeiro Telles, na Praça de Espanha.
Algumas das ideias eram “muito boas, outras muito boas mas não exequíveis e outras impossíveis, como rios. E não foram crianças a apresentar esta proposta”, conta à Mensagem, entre risos. Outra das ideias que veio a integrar o projeto final foi a de um escorrega para crianças e adultos. “Havia uma proposta que pedia um escorrega pela encosta toda, desde lá de cima até à Almirante Reis”. Não é bem isso que vai acontecer, mas o projeto prevê a instalação de um escorrega entre a terceira plataforma do jardim, a mais elevada, e o nível intermédio do novo espaço verde.
Visita guiada ao jardim desenhado para “durar dois séculos”
O desafio, começa por dizer Rita, foi o de “desenhar um jardim que durasse um século, dois séculos”. O resultado da ideia nascida em 2016 e abraçada por milhares de lisboetas está quase no fim e Rita, que há muito imaginava para aqui um jardim, confessa estar “muito contente com o resultado. Ficou melhor do que eu pensava. A participação cidadã de facto é um elemento que nunca devemos deixar para trás nas nossas vidas. Podemos fazer muitas coisas acontecer”, diz.
Por se situar numa encosta declivosa, o Jardim do Caracol da Penha teve de se adaptar aos acidentes do terreno. E houve algumas dificuldades a transpor. O Plano Diretor Municipal (PDM) descreve este terreno público como apresentando “risco moderado e elevado de movimentos de massa”, pelo que foi necessário adotar medidas de contenção da colina.
Para ser acessível a todas as pessoas, o desenho do jardim apresenta três patamares: um inferior, próximo da Avenida Almirante Reis e com dois acessos pela Rua Marques da Silva, um intermédio, com entrada pelo topo da escadaria da Avenida Cidade Liverpool, e um superior, com um anfiteatro dotado de uma vista privilegiada que alcança o ferro da Ponte 25 de Abril e o Cristo Rei. Por proposta da população, o jardim terá horário de funcionamento e portões, para garantir o descanso dos vizinhos.




A separar os três níveis estão paredes de betão que asseguram a estabilidade do terreno. O tom creme que decora as estruturas vai em breve ganhar novas tonalidades: está a crescer aqui vinha virgem, uma trepadeira de folha caduca que cobrirá as paredes e cujas folhas, verdes no verão e na primavera, adquirem um vermelho vivo no outono.
Acompanhados por Rita, entrámos no primeiro patamar do jardim pelo portão principal, situado na Rua Marques da Silva. Aqui, explica, o jardim tem “uma praça, uma zona de hortas comunitárias e um bosque. E tem ali um mini campo de basquete”. Aqui vemos altos catos cuja existência no terreno precede a ideia do jardim. O bosque situa-se no canto do primeiro patamar. De vegetação densa, foi o resultado de uma “luta”. “Queríamos um espaço que fosse bosque e, a dada altura, queríamos um jardim que fosse como o da Gulbenkian, uma parte mais selvagem”.
A passagem para o segundo patamar faz-se através de uma rampa de inclinação suave, que garante o acesso a pessoas com mobilidade reduzida. Neste segundo nível, encontramos uma praceta, um caramanchão, com espécies trepadeiras em crescimento, e dois postes altos que servirão, no futuro, de suporte a telas destinadas à exibição de filmes. De uma das propostas submetidas no decorrer do processo de participação cívica resultou a implementação de piso liso aqui. “Permite dançar”, explica Rita. Este é, aliás, o patamar “social” do novo espaço verde.



Haverá uma pequena fonte, mesas com bancos e, ao fundo deste patamar, será instalado um quiosque, que deverá funcionar sem música – uma outra proposta que surgiu no decorrer do processo participativo. “As pessoas queriam silêncio, é engraçado”. A esplanada terá vista sobre o parque infantil.
Acima, o derradeiro patamar. No terceiro e último nível do jardim, o “mais Zen”, há um relvado, onde não será permitida a entrada de cães, e blocos de cimento formam um anfiteatro com vista para a cidade. Deste nível partirá o escorrega que levará pessoas de todas as idades ao nível intermédio.


Não há, para já, data de inauguração anunciada, mas a Câmara Municipal de Lisboa fez saber, em agosto deste ano, que o final das obras está previsto para o último trimestre deste ano.

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Frederico Raposo
Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.
✉ frederico.raposo@amensagem.pt
Só vejo betão por todo o lado, um campo de basquete, tem pouco a ver com um jardim e muita da intervenção não respeita o projeto do orçamento participativo.
A propósito de espaços verdes ao abandono cheios de potencial em Lisboa, a Mensagem pode também fazer um artigo sobre o espaço que está sobranceiro ao Teatro Taborda na Costa do Castelo? Podia ser um óptimo espaço verde na freguesia de Santa Maria Maior que complementasse o Martim Moniz.
Confesso-me estupefacta, passo ali diariamente e não consegui perceber porque era a demora. As fotos falam por si, de jardim isto não me parece ter nada, só vejo betão e espaços de estética muito questionável, para não dizer que é um espaço medonho. Corredores estreitos, campos de basket de apenas uma tabela, bancos cilíndricos da idade da pedra sem conforto. Um espaço muito pouco convidativo e que se tornará por certo inseguro. O dinheiro público ao serviço dos interesses do costume, muito triste
Para ser aquilo que foi feito teria sido melhor um estacionamento. Do projecto inicial pouco se vê, parece que a CML fez a coisa de má vontade e encetou uma vingança fazendo um espaço cheio de betão, meia dúzia de árvores e muito capim. Ficou mais uma passagem do que um jardim, sem qualquer sombra nem relvado, com equipamentos de baixa qualidade e insignificantes. Uma verdadeira decepção! Podem ficar com ele.