Cidades: Emergência climática e alterações climáticas

Há milhares de anos, as primeiras cidades ergueram-se na Mesopotâmia, entre os rios Eufrates e Tigre, onde as comunidades assentaram para cultivar a terra. Desde então, as cidades cresceram, expandiram-se para lá das suas fronteiras, ergueram-se edifícios e criaram-se acessibilidades. A sua população foi crescendo e crescendo. Hoje vivem 4,2 mil milhões de pessoas em cidades.

Mas este crescimento não vem sem consequências. E a emergência climática está a afetar as cidades mais do que nunca. É isso que revela o Grupo de Trabalho II do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) no relatório Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability. O Grupo de Trabalho III confirma estas indicações.

Os processos de urbanização nos últimos anos expuseram ainda mais a população aos perigos das alterações climáticas. Nas cidades, hoje temos mais calor, pior qualidade do ar e da água, mais inundações e mais secas (o que tem consequências nas infraestruturas e na produção alimentar) – e isto torna-se claro ao confrontar o novo relatório com o anterior, Climate Change 2014.

Entre 2030 e 2052, espera-se que o aquecimento global atinja os 1,5ºC, com a temperatura da superfície global sempre a aumentar. O aquecimento global chegará aos 1,5ºC e dos 1,5 aos 2ºC, valor que será ultrapassado ainda no século XXI se não houver reduções significativas.

Se não travarmos este cenário, muitas das alterações que vivemos hoje serão irreversíveis durante séculos e até mesmo milénios, especialmente no que diz respeito às mudanças nos oceanos, nas camadas de gelo e na subida dos níveis das águas do mar.

Cidades, Alterações climáticas, Emergência climática
Maria Santos defende que ainda há uma “janela de ação” e que o novo relatório é prova disso mesmo.

Para combater o aquecimento global, os estados-membros da União Europeia assinaram o Acordo de Paris, ratificado em 2016, em que se comprometem a não permitir que o aquecimento global suba até aos 2ºC e a esforçar-se para o limitar nos 1,5ºC. O acordo estipula ainda a redução de 55% das emissões de gases de estufa até 2030.

O III Grupo de Trabalho aconselha as cidades a “defenderem estratégias como as da Cidade de 15 minutos” e alerta para o desafio da substituição de materiais de construção.

Para tudo isto, alerta o IPCC, é preciso um aumento substancial das verbas das câmaras – e é preciso fundos da UE, sobretudo para combater as emissões dos edifícios.

O que fazem as cidades

Mas entretanto, as cidades assistem, sentindo os impactos – e de forma desigual entre as suas comunidades. E as cidades podem também desempenhar um “papel fundamental” no combate às alterações climáticas, segundo Maria Santos, da ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável).

“Foi pintado um cenário desastroso”, diz em relação ao relatório. “Mas há outro lado que abre uma luz ao fundo do túnel”.  

O crescimento populacional e o aquecimento global são os principais causadores das ondas de calor a que a população será exposta no futuro. E o relatório do IPCC prevê que, em 2050, serão mais 2,5 mil milhões de pessoas a viver nas cidades – e a sofrer com o calor.

É por isso urgente agir. “Adaptação” é uma palavra que surge várias vezes no documento. E as cidades e os governos locais são na verdade chaves para a mudança climática.

Porém, nem todas as cidades são iguais. Nos últimos anos, verificou-se uma maior vulnerabilidade às alterações climáticas em cidades onde a capacidade de adaptação é mais limitada – e muitas vezes à custa das classes mais marginalizadas.

Até nos impactos climáticos a injustiça se faz sentir, algo que a covid-19 pôs a nu: a pandemia terá puxado 119 a 224 milhões de pessoas para a pobreza, com o Sul da Ásia e a África Subsariana a contribuir em dois quintos para este total.

As boas notícias é que salvar o ambiente é também uma oportunidade para a criação de uma sociedade mais igualitária nas cidades. As ações inclusivas podem acelerar transformações climáticas através da participação planeada, como defende o relatório.

“Fazemos parte da cidade”, diz a especialista. “Ao incluirmos as pessoas nos processos participativos, construímos a inclusão”.

A promoção de iniciativas de base local que envolvam os cidadãos é portanto essencial, e Maria Santos dá o exemplo de projetos como hortas urbanas, hortas comunitárias, telhados verde e compostagem – e neste sentido a Mensagem de Lisboa vai ensinar a fazer uma horta urbana no próximo sábado, dia 5 de março.

Investir na criação de mais estruturas verdes nas cidades é também o caminho, diz Maria Santos. “Os espaços verdes têm esta vantagem de controlar a temperatura. As árvores ajudam a proteger nas alturas de seca, têm esse efeito adicional de criar espaços com sombra, de refrescar”.

Algo que aliás já tem vindo a ser discutido pela Mensagem, que promoveu um debate sobre a plantação de mais árvores na Baixa de Lisboa.

Mas a mudança também é feita de pequenos passos individuais, incentivados pelos governos, que passam, por exemplo, por “trocar o transporte individual pelo coletivo”.

Por todo o mundo as soluções naturais estão a tornar-se populares: surgem cada vez mais políticas baseadas na adaptação, que passam pela educação e pela saúde. No entanto, surgem também barreiras na implementação dessas medidas: falta de vontade política e de capacidade de gestão, escassez de recursos financeiros e de mecanismos.

Como se posiciona Lisboa neste panorama? “Lisboa está a avançar”, acredita a especialista. Mas ainda não é suficiente. Tal como Lisboa, muitas cidades desenvolveram planos de adaptação desde o relatório anterior do IPCC, mas só um número limitado foi realmente implementado.

“É preciso mobilizar e ter vontade política”, resume. “O relatório deixa uma nota de esperança, mas é preciso ter mais ambição para cumprir o Acordo de Paris”.

*Este artigo foi publicado depois da apresentação do segundo relatório – com alterações que o terceiro introduz.


Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 27 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

ana.cunha@amensagem.pt

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5 Comentários

  1. Depois da casa roubada, trancas na porta não é.
    Ninguém passa cartão a estas coisas, ma quando acontecem, andam a piar.
    Vá lá que daqui a um mês já ninguém se lembra disto.

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