Receba a nossa newsletter com as histórias de Lisboa 🙂

A processar…
Feito! Obrigado pelo seu interesse.

Foi já depois dos vinte anos que assisti à abertura do primeiro Centro Comercial em Lisboa. Antes disso, se precisava de roupa, não tinha outro remédio senão ir à Baixa, onde se concentrava o comércio – das lojas ditas clássicas às boutiques mais modernas, como a Migacho, onde a minha mãe, sempre distraidíssima, apalpou demoradamente o casaco do actor Vítor de Sousa, pensando tratar-se de um manequim.

As idas à Baixa tinham sempre bónus: para começar, a viagem de metro, que era uma novidade, pois à semana só se andava na carrinha da escola; mas também a possibilidade de um batido de ananás na belíssima Pastelaria Ferrari, quando não de uma visita ao escritório do meu pai, que ficava em frente.

Aí, além da possibilidade de receber da mão generosa do progenitor mais uns trocos pedinchados pela minha mãe para a roupa nova, as atracções eram várias: máquinas de escrever com fita preta e vermelha, onde me deixavam esborratar uns textos; papel selado com vinte e cinco linhas; tinteiros e mata-borrão; folhas de carta e envelopes timbrados; vales postais com aquele cavalinho dos Correios; selos que lambíamos antes de colar; e até cartões de cumprimentos em dois tamanhos – tudo coisas que eu podia estragar por uma hora fingindo mandar notícias a um qualquer amigo que morasse longe.

No entanto, os mistérios supremos estavam no telex – umas fitas de papel com furinhos que chegavam ao outro lado do mundo e se transformavam, sei lá como, em palavras; e o PBX, um aparelho de madeira com manípulos verdes e vermelhos, através do qual era possível à telefonista não só fazer, atender e passar chamadas, mas também ficar a ouvir as conversas quando lhe apetecesse, ou manter as pessoas barradas enquanto perguntava ao meu pai ou aos colegas se as queriam atender. O aparelho era um autêntico sonho, com uma profusão incrível de fios e botões e – achava eu – a forma mais sofisticada de comunicar que o mundo inventaria.

Chegada a adolescência, as compras na Baixa passaram a fazer-se com as amigas, sendo o encontro marcado no Rossio, à porta da Loja das Meias, que era então um ponto de referência da capital. A primeira que ali chegasse esperava pelas outras, e não era suposto perder a calma ou ficar preocupada com um atraso de quinze minutos. O stress ainda não tinha sido inventado. Nem os telemóveis.

Hoje, porém, se marco encontro com alguém – e a pessoa, por acaso, chega antes da hora –, em vez de esperar, já me está a ligar a perguntar se eu me demoro. Mas, mesmo que vá à hora combinada, não resiste, na maioria das vezes, a ligar quando ainda está a caminho, para garantir que eu já lá estou quando chegar, ou que estarei logo a seguir, porque não pode ficar sozinha uns minutinhos. E, frequentemente, quando eu apareço pouco depois de receber o telefonema (à hora marcada!), essa pessoa já está ao telemóvel com alguém a quem ligou naquele intervalo minúsculo, porque, enfim, seria impensável não aproveitar o minuto vazio para comunicar. Ufa!

Leia também:

Tenho saudades das cartas lentas e longas, com envelope e selo com serrilha, mesmo das que eu escrevia a fingir no escritório do meu pai; e dos telegramas, do telex, dos telefones pretos de rodinha e do PBX – que, apesar de completamente obsoletos, seriam decerto imunes aos ataques informáticos que hoje nos tramam a vida numa dimensão que nunca imaginámos.

Que saudades de poder não atender telefonemas sem ficar a pensar que a pessoa que ligou vai perceber que não me apetece falar com ela, ou que, mais cedo ou mais tarde, terei forçosamente de devolver a chamada…

Parece que as coisas dantes tinham mais graça. Como daquela vez em que a minha irmã, então com sete anos, atendeu o telefone e depois veio chamar o meu pai à sala. Porém, assim que ele ouviu o nome da pessoa que ligara, fez uma careta de enfado e pediu à minha irmã que fosse simplesmente dizer que ele não estava. Não contava, porém, ouvi-la dizer em voz alta logo a seguir:

– Está lá? Olhe, o meu pai manda dizer que não está.


Maria do Rosário Pedreira

Nasceu em Lisboa e nunca pensou viver noutra cidade. É editora, tendo-se especializado na descoberta de novos autores portugueses. Escreve poesia, ficção, crónica e literatura infanto-juvenil, estando traduzida em várias línguas. Tem um blogue sobre livros e edição e é letrista de fado.

Entre na conversa

1 Comentário

  1. PBX e telex ainda hoje são mistérios para mim que sou mais velha. Mas das cartas, das cartas longas dos amigos, dos postais que mandávamos quando estávamos de férias, (de Torre Molinos mandava sempre um com um burro a um amigo «quase» namorado dizendo «Encontrei aqui a tua fotografia», disso tenho muitas saudades.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *