Há cerca de cinco anos, Emiliano Gutierrez, um estudante da área empresarial, estava no “topo do mundo”. Literalmente. O mexicano de pouco mais de 20 anos estava no cimo de um edifício de Nova Iorque com vista sobre os arranha-céus da cidade. No entanto, não foram estes que mais o impressionaram, mas sim a horta de agricultura vertical instalada no terraço de onde os via.
Lançava-se a primeira semente, que ficou anos a germinar, ainda sem criar raízes. “La raiz”, como diz um Emiliano agora de 27 anos na sua língua nativa, é o elemento a partir do qual tudo se expande. E Lucia Salas, espanhola de 28, formada em marketing, há muito que queria plantar raízes fundas – especialmente depois de um projeto que a levara até à Finlândia para produzir plástico biodegradável ter falhado.


Desta vez, as sementes brotaram e já começam a dar frutos. “Hortas verticais em telhados, armazéns, até mesmo ao longo do rio Tejo” – é esse o futuro que Emiliano hoje projeta para Lisboa. E partilha esse futuro com Lucia, que conheceu num programa de incubação de ideias em Lisboa, a cidade que dizem ser da inovação e que por isso escolheram para lançar a sua startup.
Raiz. É esse o nome da empresa que quer “transformar espaços urbanos” através da agricultura vertical, cultivando vegetais em prateleiras que se organizam verticalmente, e que não só não recorre a pesticidas como usa 90% menos água e dez vezes menos espaço que a agricultura tradicional. Uma boa forma de se lutar contra os principais inimigos deste século: as cadeias alimentares pobres, as emissões de gases de estufa, a escassez de água e a poluição.



Agora a equipa – que entretanto cresceu, com mais quatro jovens qualificados vindos de todos os cantos do mundo – vai plantar mais sementes no Arroz Studios, no Beato, e lá criar uma horta urbana. Para isso lançaram uma campanha de crowdfunding, que decorreu até dia 1 de fevereiro.
A ideia é a construção de uma estrutura de 4,5 metros, com uma parte inferior dedicada à venda de produtos, e uma parte superior a funcionar como estufa, com seis torres de hidroponia que permitirão a alimentação das plantas através de uma solução de água enriquecida com nutrientes. Aí vão cultivar plantas – 9600! – recorrendo à luz natural, algo que já se faz numa Lisboa soalheira, mas que não é tão habitual noutros países europeus, onde a agricultura vertical é praticada em espaços fechados, com gastos de energia bem mais elevados.
Neste caso, a solução energética escolhida combina a exposição à luz solar com a luz artificial de lâmpadas LED, integrando ainda painéis fotovoltaicos translúcidos.

Emiliano e Lucia esperam cultivar um pouco de tudo, até mesmo ervas aromáticas e vegetais proteicos para vegetarianos, e assim criar parcerias com restaurantes para encher as suas cozinhas de produtos saborosos e amigos do ambiente.
As colheitas poderão também ser vendidas diretamente a consumidores e doadas a associações, como o Exército de Salvação (uma organização focada na educação e no combate à pobreza). Nesta horta urbana, vão também ser dinamizadas visitas guiadas, workshops sobre sustentabilidade e agricultura vertical, bem como outras experiências abertas à comunidade.
Vegetais pelos mercados de Lisboa
Construir uma horta no Beato não é a primeira experiência da startup, que no último ano tem testado e aprimorado os seus produtos numa câmara experimental em Telheiras. Por lá, sem luz natural como vai acontecer no Beato, cultivaram-se vegetais, do manjericão ao pesto, que chegaram às mãos dos lisboetas a partir dos mercados da cidade.
E estes vegetais tinham uma particularidade que tudo tem a ver com o nome da empresa e que se vai manter: vêm em cones com a sua raiz conservada.



Porque andaram pelos mercados, incluindo o Santos Collective Market, hoje já há quem siga atentamente o percurso da Raiz. É o caso da comunidade Cocasa, onde se instalou no terraço um sistema de agricultura vertical bastante mais pequeno do que aquele que será construído no Beato – é um sistema pegado à parede, com fileiras de plantas que, com a exposição solar, a água e os nutrientes, vão crescer para abastecer o próprio espaço.
Mas a Raiz tem mais projetos ambiciosos e inovadores na calha. Alguns são ainda ideias, como descobrir formas de captar dióxido carbono da atmosfera para injetar nas plantas, o que já é feito mas a prática comum é comprar o dióxido de carbono, ou filtrar a água da chuva para irrigar plantas – algo que a Raiz está a estudar.
Digitalizar a agricultura vertical
Outros são mais reais… mas improváveis. “Como digitalizar a agricultura vertical?” foi a pergunta que Emiliano um dia lançou e, com ela, veio uma revolução: a agricultura vertical está a tornar-se digital. Pode soar a cenário de um filme distópico, mas a Raiz já tem colheitas suas que não crescem só na terra, mas também no plano virtual.
Para entender melhor o conceito de “agricultura vertical digital”, é preciso esclarecer o que é um NFT – um “token não fungível”, um certificado digital da autenticidade de um ficheiro. Através de uma parceria com a plataforma Mintbase, que trabalha precisamente com NFTs, uma pessoa de qualquer canto do mundo pode adquirir uma planta da Raiz ou investir numa colheita via online e acompanhar o processo de crescimento através de arte que é produzida por colaboradores da startup.

“Estamos a tornar as hortas e os sistemas em bens digitais”, explica Emiliano. “E é também um novo modelo em que se introduz o elemento artístico”. No Mintbase, é possível investir e seguir o percurso do manjericão vermelho da semente à colheita, ou de um “barril hidropónico”, capaz de cultivar 132 plantas por mês – tudo isto ilustrado por artistas com quem a Raiz colabora. “Em todo o mundo, as pessoas podem investir no nosso projeto”, diz Lucia.
É um projeto com o qual Emiliano nem sonhava naquele dia em Nova Iorque, algo muito recente e portanto ainda “verde”. Para já, Lucia e Emiliano estão focados na transformação do Beato. E, em maio, esperam ver uma estrutura carregada de verde, virada para o sol, pronta para munir os pratos dos lisboetas de vegetais frescos.

Ana da Cunha
Nasceu no Porto, há 24 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.
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