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A processar…
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A pobreza nunca era calada, mas parecia sempre menor quando, na velha Curraleira (bairro lisboeta de autoconstrução desmantelado no início do milénio), a mãe de Armando alargava o tamanho da sopa para que sobrasse para os vizinhos. Viviam ele e os pais naquele que Armando Ramos, de 72 anos, diz ter ficado conhecido como o “palácio de madeira” – porque quando casou as paredes de madeira estenderam para cima, para ali caberem todos.

Hoje, estranha a vida que leva no Bairro Horizonte, na Penha de França, onde ele e outros vizinhos foram realojados, enfiados dentro de pequenos prédios, sem uma rua como a da Curraleira, onde os vizinhos se juntavam. Já não há o espírito de comunidade, que até chegava a acalmar a fome. Há apenas vizinhança, lamentam.

E o isolamento acontece perante o resto da cidade: pelo menos, antes toda a gente sabia onde era a Curraleira; agora, o bairro Horizonte teve de lutar até há poucos anos para ter ruas cartografadas e alcatroadas, reconhecidas no mapa da cidade a que pertencem. Eles que vivem paredes-meias com o centro desta mesma cidade, exatamente ao lado de uma das ruas mais movimentadas e populosas de Lisboa: a Rua Morais Soares.

“A minha tristeza maior quando venho para casa é esta imagem (do bairro), uma imagem muito feia. A única imagem que eu tenho e na qual perco muito tempo é estar naquela varanda e olhar para o rio Tejo. É o único bocado que eu tenho aqui, o único bocado de que a vista goza, é a cidade. Agora, se baixar os olhos… já não gosto.”

Mas Armando tem novas razões para levantar os olhos e apreciar o bairro dele: é que numa das paredes dos prédios, antes despedida, a artista urbana Mariana Duarte Santos pintou e gravou para sempre uma fotografia antiga do que era viver na Curraleira.

A fotografia, onde jazem os rostos de crianças do velho bairro, que tinha a infância como um dos sons mais audíveis, foi escolhida a partir de um processo participativo entre vizinhos, associação de moradores e a Fundação Aga Khan. Um projeto que nasceu da cabeça de quatro alunos de uma pós-graduação, com a missão de deixar uma marca positiva num bairro lisboeta.

É a lembrança dos tempos a preto e branco, que Mariana pinta com vários tons de cinzento – como se conta também a história da transição da Curraleira para os novos bairros, onde a pobreza era extrema, mas porque o processo de realojamento não contemplou a visão destes vizinhos, onde também muitos sonham voltar.

O mural vem lembrá-los, a eles vizinhos, de que ainda pode haver comunidade, e à cidade que este bairro faz parte do mapa.

🎧 Ouça aqui a reportagem completa:

Esta reportagem faz parte da “Mensagem Rádio”, um programa que passa quinzenalmente na RDP África (do grupo RTP), à terça e sexta-feira, e em permanência: no site da Mensagem, em rdpafrica.rtp.pt e no Spotify.

Produção: Catarina Reis (Mensagem de Lisboa) e Isabel Leonor (RDP África)
Voz e edição: Catarina Reis


Catarina Reis

Nascida no Porto há 27 anos, foi adotada por Lisboa para estagiar no jornal Público. Um ano depois, entrou na redação do Diário de Notícias, onde aprendeu quase tudo o que sabe hoje sobre este trabalho de trincheira e o país que a levou à batalha. Lá, escreveu sobretudo na área da Educação, na qual encheu o papel e o site de notícias todos os dias. No DN, investigou sobre o antigo Casal Ventoso e valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020.

catarina.reis@amensagem.pt


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1 Comentário

  1. Existem por certo outras formas de guardar memórias de maus tempos para nao se repetir determinadas situações. Teve “piada” ao inicio a pintura de alguns prédios mas espero bem que nao se transforme em disseminação , …

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