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O avião plana no céu azul de Lisboa, sobrevoando os telhados do bairro do Rego. A cena de abertura do documentário Alma de Bairro lembra a quem o assiste de uma realidade comum a várias freguesias lisboetas, cujos firmamentos são constantemente cortados pelos pássaros de aço, o estrondoso ruído da turbina a interromper descansos, conversas e a televisão.
O documentário do lisboeta Frank Saalfeld, porém, consegue nos seus 22 minutos de duração captar um outro sentimento familiar em vários bairros de Lisboa, principalmente os mais tradicionais, onde a ação da gentrificação e a intervenção do poder público tem alterado o panorama físico e humano, deixando a sensação de que esses sítios mudaram de “corpo”.
E que também perderam um pouco da sua “alma”.

“Não tinha muito uma imagem do que iria encontrar no Bairro do Rego, nem uma ideia pré-concebida a respeito, para o bem ou para o mal. A minha perceção, e aí não era sobre o Rego, mas em Lisboa de uma forma geral, era de que o conceito, a alma do bairrismo, está a desaparecer”, conta Frank, 35 anos, um lisboeta da Quinta da Luz, em Carnide.
“Alma” parece ser a palavra-chave do projeto levado por Frank, que se dispôs a perscrutar o estado anímico de moradores históricos de bairros tradicionais de Lisboa, e que não começou nem deve parar no Bairro do Rego. Esta que foi a segunda paragem da visualização deste documentário, cuja estreia aconteceu em 2021, em Alcântara, onde o cineasta vive atualmente.
O documentário realizado por Frank Saalfeld e com direção de fotografia de Ricardo Jorge Faustino, foi exibido em premiére aos moradores do Bairro do Rego no último dia 18 de março, no Teatro Avenidas, situado nos limites do bairro, na freguesia das Avenidas Novas.
Segunda etapa: inspirar Correspondentes de Bairro
Frank voltou ao Bairro do Rego, desta vez para encontrar-se com os jovens que fazem parte do projeto Correspondentes de Bairro – desenvolvido entre a Associação Passa Sabi e a Mensagem de Lisboa, apoiado pela iniciativa Cidadãos Ativos das EEA Grants, gerida pelas fundações Calouste Gulbenkian e Bissaya Barreto.
Um projeto que tem também ele como “alma” – para aproveitar a deixa do título do documentário – capacitar jovens do Bairro do Rego com ferramentas jornalísticas para que, no futuro, possam eles mesmos contar as histórias do bairro onde vivem.
Assim como fez Frank no seu produto audiovisual.
A projeção realizada na sede da Passa Sabi no Bairro do Rego contou com a presença do realizador, que conversou com os jovens sobre o processo de produção do filme, desde a escolha dos entrevistados até à gravação das entrevistas, passando ainda pela edição. Um trabalho realizado em tempo recorde: cerca de três meses.
“A versão do Alma de Bairro no Bairro do Rego é fruto de uma residência artística no Espaços Avenidas e havia um tempo para ser concluída, o que exigiu concentração e esforço, mas felizmente acabou por se concretizar”, explica Frank Saalfeld – na verdade “Francisco” Saalfeld, o Frank uma forma de se diferenciar do pai e do avô, ambos igualmente Franciscos Saalfeld.

Quantas vozes tem o Bairro do Rego?
Sob o olhar atento dos jovens moradores do Bairro do Rego, Frank detalhou o processo, iniciado com a escolha dos entrevistados pelo Espaço Avenidas, sediado no teatro do mesmo nome, que a partir da iniciativa da Câmara de Lisboa Um Teatro em cada Bairro tem desenvolvido ações de integração da comunidade com o universo artístico.

“Após escolhidos os doze entrevistados, mergulhamos nas gravações das entrevistas, que consumiram cerca de oito horas. Isso, nos primeiros dois meses. Em seguida, esse material foi editado no terceiro mês, até chegar ao resultado final”, conta Frank, que não só falou, mas também ouviu a perceção que os jovens têm sobre o bairro onde moram.
Para a maioria deles, a impressão de que o Bairro do Rego havia perdido um pouco d sua “alma” nos últimos anos – cerca de 20 anos, a idade média dos jovens participantes do projeto – assemelhava-se aos dos entrevistados do documentário, relatando num tom saudosista um passado de brincadeira nas ruas que as crianças do bairro hoje não têm.
Um tom saudosista que percorre o documentário, mas nem sempre de forma negativa. Para muitos dos moradores, as mudanças sofridas no Bairro do Rego, como a abertura de pastelarias, restaurantes e de um comércio local – inimaginável a quem lá chegou décadas atrás e só encontrou um descampado – trouxeram uma certa vida à comunidade.

Comunidade presente no Bairro do Rego, os ciganos são presença sonante no documentário, ao lado de dirigentes de coletividades, coordenadores pedagógicos e moradores com décadas a viver no bairro. O testemunho de um deles reforça a sensação de que as mudanças sofridas na “alma” do Rego nos últimos anos nem sempre foram para pior, como no caso da integração entre as crianças ciganas realizada com sucesso na única escola do bairro, a Mestre Arnaldo Louro de Almeida.
E o mergulho de Frank no Bairro do Rego ainda não acabou. Por iniciativa do realizador, cada um dos jovens presentes à sessão vai recolher imagens gravadas em telemóvel das entrevistas que farão na companhia da Mensagem para o Correspondentes de Bairro, e o resultado será editado num miniDoc sobre o projeto, através da voz e dos olhos dos seus jovens moradores.


Álvaro Filho
Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.
✉ alvaro@amensagem.pt

Álvaro Filho
Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.
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