Claraluz e Mafalda estão a fazer o turno da tarde. No terraço, são dados retoques nos muros e montadas estruturas para fazer crescer tomates, limões e plantas aromáticas que vão alimentar tostas e bolos que vão ser vendidos no café. Em breve, também ali vão estar mesas e cadeiras e um projetor, para noites de cinema com debate.

Interpeladas de ferramentas na mão, contam que, de manhã, esteve por ali, a dar conta da sua visão para a pequena horta, Sylvain Papyon, o agricultor urbano que é também cooperante da Rizoma e que a Mensagem já deu a conhecer.

Nascida em 2020, num pequeno espaço cedido pela associação Renovar a Mouraria, onde a Rizoma esteve até fevereiro deste ano, a primeira cooperativa multissetorial de Lisboa está a viver um crescimento explosivo. Aos números desta explosão chega-se por uma conta de multiplicar. Vezes dez. De 30 cooperantes a mais de 300 e dos 40 metros quadrados de loja na Mouraria aos 400 da nova casa, nos Anjos. O espaço onde estavam “começou a ficar pequeno para 300 pessoas”. Agora, há espaço para crescer.

Chegaram aqui fruto de um interesse popular que cresceu sem parar, mesmo durante a pandemia e durante os últimos meses, quando nem a loja esteve aberta. Foi com a ajuda de uma candidatura vencedora ao programa Bairros Saudáveis que mudaram de casa.

Ganharam 50 mil euros e o projeto que crescia sem parar pôde finalmente entrar num espaço capaz de servir as ambições da cooperativa que sempre se propôs a ser mais do que a pequena mercearia de produtos biológicos e locais que, até então, fora. A abertura vai acontecer já no dia 28 deste mês e, neste final de tarde, não havia mãos a medir.

Ao pequeno espaço da antiga casa, carinhosamente apelidado de mini Rizoma, sucede agora uma grande loja de três pisos e múltiplos usos no número 4 da Rua José Estêvão. Já têm as primeiras rendas pagas e vão dividir o espaço com outros projetos.

O pequeno espaço de 40 metros quadrados que a mini Rizoma ocupou até fevereiro, na Mouraria. Foto: Líbia Florentino

Apesar de já terem encontrado alguns com quem dividir o espaço e as contas, procuram ainda outros com “algum impacto social ou ambiental positivo” para ocupar espaço de armazém, explica Claraluz Keiser, uma das 10 primeiras pessoas a juntar-se à cooperativa, em março de 2020.

A nova Rizoma, tal como a mini Rizoma, é um projeto que “vive muito de eventos e do encontro entre as pessoas e as ideias”, afirma, confessando ainda que a atual mudança de morada “é a realização de um sonho”. “É uma ideia que já tinha sucesso comprovado noutros países”. Agora, está a conquistar Lisboa.

“Ter um espaço tão grande abre a possibilidade de tudo acontecer”

É pelo piso térreo que se entra na loja e é ali que vai funcionar a mercearia e o café. Mas a Rizoma é muito mais do que isso. É uma cooperativa multissetorial e, com o novo espaço, tem finalmente as condições físicas para acolher os vários grupos de trabalho que compõem a estrutura horizontal de organização do coletivo. Cada cooperante, para além de ser proprietário de parte do capital social da cooperativa, contribui com três horas mensais de trabalho.

Rizoma Cooperativa Agrícola Arroios
O piso térreo da nova casa da Rizoma será ocupado pelo café cooperativo e pela mercearia de produtos biológicos e locais. Foto: Inês Leote
Nascida em 2020, a Rizoma, a primeira cooperativa multissetorial de Lisboa, está a viver um crescimento explosivo. Vídeo: Inês Leote

“Não somos só uma mercearia e um café cooperativo”, diz Claraluz. Para além da secção Consumo, que integra a mercearia e o café, existem as secções de habitação, cultura, serviços, comercialização e agricultura. Há, ainda, grupos de trabalho, cada um com a sua função.

Mafalda Saraiva juntou-se à Rizoma há cerca de um ano e é uma das responsáveis pela comunicação, área que é transversal a todas as secções. Fala para dentro, para os cooperantes, mas também é responsável por abrir as portas da Rizoma ao exterior e isso, diz, “passa pela criação de eventos”. Como o da sexta-feira em que visitámos o novo espaço.

Apesar de ainda estar em construção, o habitual “quebra-gelo, um encontro em que reunimos cooperantes e recebemos os que acabaram de juntar-se”, estava prestes a iniciar-se. “É uma forma de os integrar e ter uma conversa mais próxima. É uma tarde a beber copos”.

E, uma vez por mês, é a vez de se reunirem todos os cooperantes, para tomar decisões sobre diferentes propostas, provenientes de membros e dos vários grupos de trabalho. Nestes encontros, explica Claraluz, não é utilizada a votação. “É uma governança horizontal, mas funciona à base do consentimento. As propostas avançam se não houver nenhum membro que se oponha”, esclarece. “Estamos muito bem com a ideia de uma proposta avançar, ou não”.

A forma de organização escolhida para a cooperativa refletiu-se na escolha do nome. Um rizoma é um caule que cresce na horizontal e conta com vários braços. Claraluz explica que “a coisa de ser um rizoma quer dizer que os diferentes membros e aglomerados de membros vão avançando com os seus projetos e a cooperativa vai sempre ajudando”.

No café, reina a circularidade. “Para além de ser um espaço de promoção do encontro social, é uma maneira que encontrámos de ter uma circularidade da mercearia. Todos os frescos que já não estão assim tão frescos, transformamo-los noutros produtos”, explica Claraluz.

Para além de trabalhar a comunicação da cooperativa, Mafalda faz bolos que são vendidos no café e isso contribui para a criação de uma “economia local e circular”. “Vende bolos e recebe em crédito de loja, para poder comprar outros produtos de mercearia”.

Mais espaço significa mais possibilidades. Na mercearia, podem ter agora mais variedade de produtos. Na Mouraria, não podiam ter “alguns bens, como o papel higiénico, que ocupa muito espaço,”, explica Claraluz. E tinham que garantir “uma rotatividade muito grande de produtos, porque não havia onde armazenar. Aqui, ter um espaço tão grande abre a possibilidade de tudo acontecer. Podemos ser uma cooperativa multissetorial”.

No piso acima da mercearia, nasce agora um novo projeto da cooperativa: um espaço de co-work para os cooperantes. Pode ser utilizado para reuniões e para os membros da Rizoma “desenvolverem os seus projetos e trabalharem”.

E há outros projetos na manga. Um deles é “uma biblioteca de coisas” – uma biblioteca que reúne ferramentas úteis e que apela à partilha, combatendo o desperdício e assegurando o acesso dos cooperantes a vários equipamentos. “As pessoas não precisam todas de ter um berbequim em casa. Temos um aqui e as pessoas levam emprestado. É uma das ideias na nuvem de ideias e há pessoas interessadas em levá-la adiante”.

Incubar uma cooperativa de estafetas em bicicleta e estudar a criação de uma cooperativa de habitação

O piso de baixo é um piso de garagem que não vai estar ocupado pelo estacionamento de automóveis. “Armazenar carros não está muito alinhado com os nossos valores”, diz Claraluz. Metade do espaço vai servir de base logística à Coobi, uma outra cooperativa, incubada dentro da própria Rizoma. É uma cooperativa de estafetas em bicicleta que pretende combater a precariedade atualmente associada ao trabalho no setor, garantindo vínculos laborais efetivos aos seus trabalhadores. Para a outra metade do espaço de armazém, a Rizoma ainda procura um projeto que a queira ocupar.

É neste espaço que as duas bicicletas de carga vão passar a noite e é daqui que vão partir para as entregas. A Coobi integra a secção de Serviços da Rizoma. É a cooperativa mãe que vai cuidar “de toda a parte administrativa e contabilística e uma percentagem fica como pagamento por esse serviço”.

O projeto de estafetas também ganhou financiamento ao abrigo do programa público Bairros Saudáveis e, para além de tirar partido da base logística central da Rizoma, vai realizar as entregas dos produtos da Rizoma a casa dos cooperantes, bem como contribuir para a “logística do último quilómetro dentro da cidade”, revela Claraluz, sublinhando o facto de muitos dos produtores associados à cooperativa terem a sua produção em Lisboa.

“Temos frutos e legumes que vêm de Marvila, da Ajuda, da Graça e pães de queijo que vêm de perto da Culturgest”, diz. Atualmente, a cooperativa tem, entre os seus cooperantes, 14 prosumidores – o mesmo que dizer pessoas que consomem e produzem.

Entre os vários setores de atuação da cooperativa atualmente em trabalho, aquele que se dedica à habitação cooperativa é um dos que desperta mais interesse entre os cooperantes. “Mas não é tão fácil ou imediato como noutras secções. Estamos num avançar de conhecer, tirar ideias” e partir de exemplos de cooperativas de habitação noutras cidades europeias, como é o caso de Barcelona, conta Mafalda.

O trabalho em torno do tema habitação é, por agora, explorativo, prospetivo, mas “é um assunto de interesse geral” e, apesar da pretensão de formar uma cooperativa de habitação a partir do trabalho desenvolvido na Rizoma, o processo ainda vive os seus primeiros dias de vida. “Há aqui muitos doutorandos, cuja área de estudo é precisamente a ecologia e a habitação. É um grupo que está mesmo a estudar o que se pode fazer e como”.

“Ambiciosamente, se calhar vai ser a secção que vai levar mais tempo. Se já foi tão difícil encontrar este espaço, imagina quão difícil será encontrar um edifício onde possas fazer uma habitação”.


Frederico Raposo

Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.

frederico.raposo@amensagem.pt

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