O tema de hoje diz muito a todos. Eles encontram-se afinal naquela que é a defining decade, os gloriosos anos dos 20 aos 30, em que é expectável que se tomem grandes decisões de vida: pessoais, profissionais, afetivas.
“Esta casa lamenta a defining decade”. É o que está escrito no quadro do anfiteatro do Instituto Superior Técnico (IST), numa tarde que vai longa para alguns, fechados em salas de exame ou com os olhos colados aos ecrãs dos computadores.
Há ainda estudantes na cafetaria ou nos corredores a discutir a última aula ou a saída da noite passada. Se lhes perguntar se sabem em que sala está a sociedade de debates, muitos não farão ideia de que existe sequer tal sociedade.
Mas ela existe e encontra-se neste anfiteatro, uma cave secreta, onde se conspiram ideias. Aqui discute-se, se bem que a discussão é levada um pouco mais longe do que o habitual, tornando-se num verdadeiro… debate competitivo.

No púlpito do anfiteatro está uma jovem sorridente, de olhos muito azuis e modos enérgicos que se prepara para abrir as hostilidades. Ela é a primeira-ministra deste debate, mas é também a presidente da Sociedade de Debates da Universidade de Lisboa (SDUL).
“Quando comecei a debater, percebi que não era só a parte da oratória, é também aquele nervosismo dos quinze minutos de preparação para o debate, o ter de defender alguma coisa em que não acredito”, diz Francisca Baptista, aluna de Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL).
Ganhar argumentos… e amigos
É isso mesmo que se sente no anfiteatro do Técnico. Não é tanto a retórica que importa, mas o jogo. A luta de ideias, como numa competição de ténis, em que os jogadores se empenham para marcar pontos. Aqui os pontos chamam-se argumentos e os jogadores nem sempre concordam com a tese que estão a defender.
“É aquela coisa de passar de pensar ‘eu nem sequer concordo com isto’ para ‘é isto, é mesmo isto’ e ganhar a confiança toda”, diz uma presidente entusiasmada.

Nestes debates, é-se obrigado a defender uma posição sorteada e só há quinze minutos para a preparar. Durante uma hora, será assim: discursos de sete minutos, em que as quatro duplas, divididas entre o Governo e a Oposição, defendem o seu lado para ganhar. No final, os adjudicadores, também eles estudantes universitários, deliberam quem foi a equipa vencedora, naquele que é um exercício de imparcialidade.
Francisca é hoje 1º Governo, mas a sua vice-presidente, Inês Raposo, é membro da 2ª Oposição. Inês é aluna de mestrado de Gestão e Conservação dos Recursos Naturais do Instituto Superior de Agronomia (ISA) e acredita que os debates foram um espaço que lhe permitiu expandir a sua cultura geral. “Aqui gera-se um ambiente pedagógico, de integração”, conta.


É também isso que sente Maria Greer, uma estudante do secundário que, não podendo ser sócia da sociedade, foi “arrastada” pelo irmão para os debates semanais que a SDUL organiza nas faculdades da cidade às terças e quintas-feiras. “Sempre fui muito opinativa”, revela.
Mas os debates não são só um espaço para vencer e perder, como se vê pela cumplicidade entre jogadores. “A parte social é muito divertida”, diz Inês. E é divertida porque permite juntar pessoas de toda a cidade. “A Universidade de Lisboa tem tantos polos que as pessoas acabam por ficar fechadas nas suas faculdades”, explica Francisca. “Aqui temos a oportunidade de fazer amigos e desenvolver alguma interdisciplinaridade”.
Uma história já com gerações
Este convívio entre todos tem uma particularidade: arrasta-se pelo tempo, forma mesmo “gerações”. “Vou falando com as pessoas da minha geração”, é isso que diz David Mourão, o fundador da SDUL, hoje com 30 anos e CEO da Speak and Lead, uma empresa especializada em comunicação (falar em público, técnicas de persuasão e liderança).
E essas gerações tornam-se conhecidas na galeria de histórias dos debates, quase como lendas vivas. David mal conhece os novos membros da sociedade, mas já todos ouviram falar dele. A sua história remonta ao ano de 2013 quando era estudante de Relações Internacionais no Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCP/UL).

Já há algum tempo que David participava em pequenas competições ligadas à diplomacia e à União Europeia, mas enquanto estudante universitário sentia que havia uma lacuna a preencher nas faculdades – aprender a comunicar. “Queria pegar num modelo de debate que permitisse organizar competições regulares, com temas que fossem mais abrangentes do que só as situações diplomáticas”.
Até que encontrou o modelo de debate parlamentar britânico, que surgira em Liverpool nos anos 1800. E mais – descobriu ainda que este era um modelo já usado por sociedades de debate universitário do país. “Caracterizámo-nos como uma sociedade de debate competitivo, mas incluíamos também outras vertentes de comunicação”.
Era neste aspeto que a SDUL diferia da já existente Sociedade de Debates Académicos de Lisboa (SDAL), que terá sido fundada em 2011, mas que hoje se encontra, de acordo com alguns dos seus antigos membros, “morta”.
David explica ainda que a SDAL não organizava debates no Pólo Universitário da Ajuda, o que tornava difícil a junção dos dois movimentos. Mas as novas gerações contam que há rumores de que as duas sociedades nunca se fundiram por causa de polémicas e tricas estudantis típicas dos 20 anos.
Quem melhor sabe o que se passou nessa altura, para além de David, é Ary Ferreira da Cunha. Hoje com 33 anos e a trabalhar como consultor nos Emirados Árabes Unidos, Ary terá sido um dos grandes pioneiros do movimento do debate no país ao criar a Sociedade de Debates da Universidade do Porto (SdDUP).
E chegou mesmo a ser campeão mundial ao lado de Tiago Laranjeiro, na altura estudante da Faculdade de Economia do Porto (FEP), numa competição em 2013, em Berlim.

A ideia de lançar o movimento do debate veio-lhe à cabeça no final dos anos 1990, talvez inícios de 2000, quando ainda era aluno do secundário e participou num torneio na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), onde se reuniam estudantes universitários de vários pontos do país. Entre esses estudantes estaria Pedro Delgado Alves, hoje deputado do PS.
Mas só em 2008 é que Ary, já estudante de Direito na Faculdade de Direito do Porto (FDUP), viria a tentar replicar aquele movimento que fora completamente esquecido. “As faculdades têm memória curta”, diz ele. Essa sua tentativa coincidiu com o lançamento de um clube de debates na FEP e os dois movimentos acabariam por convergir. Em 2010, nascia a SdDUP que, num só ano, conseguiu angariar 500 sócios e dinamizar cerca de 70 atividades, rivalizando com o famoso Órfeão Universitário do Porto.
O espírito associativo
O movimento espalhou-se por todo o país. Em Lisboa, levou à criação não só da SDUL e da SDAL, como da NOVA Debate (da Universidade Nova de Lisboa) que tem um funcionamento diferente e não costuma participar nos torneios nacionais.
Francisca Baptista só chegou ao movimento em 2017, mas já ouviu todas estas histórias. Ela faz parte da nova geração de debatentes que quer seguir as pisadas dos seus antecessores. Para continuarem o legado, as novas gerações organizam torneios e pensam em competir no estrangeiro. Gera-se assim um grande espírito de associativismo, bem característico das faculdades. “A parte associativa fez-me crescer. Aprendi a organizar eventos, a mandar e-mails mais formais, a trabalhar em equipa”, diz Francisca.
Algo que está a ser posto em prática neste momento, já que nos próximos dias 25 a 27 de março vai realizar-se o Open Tejo’22. Antes disso, há também o Tornadu, que vai juntar todas as sociedades do país num fim-de-semana intensivo, de 4 a 6 de março, em Braga.


Até lá, as equipas treinam nos debates semanais. Na competição deste dia, quem leva a taça é a 1ª Oposição, que provou que o esforço e a dedicação da defining decade têm resultados ao nível profissional. Estes são, afinal, os anos de maior vitalidade para se definir os primeiros passos para o sucesso, defenderam.
Concordando ou não com os resultados, chega a hora de os debatentes abandonarem o anfiteatro enquanto discutem com o devido fairplay, certos de já terem sido apanhados pelo bichinho da discussão de ideias.
Um dia, quem sabe, serão recordados pelas próximas gerações de estudantes que olharão para eles com orgulho, querendo imitar-lhes os feitos recorrendo a um truque apenas: a capacidade de argumentação.

Ana da Cunha
Nasceu no Porto, há 27 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.
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