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Moedas terá de fazer acordos se quiser governar. Foto: Candidatura Novos Tempos

Lisboa protagonizou o choque da noite eleitoral que se traduzirá num choque político. Ao contrário do indiciado pelas sondagens, que davam conforto à candidatura Mais Lisboa, encabeçada por Fernando Medina, foi a candidatura Novos Tempos, liderada por Carlos Moedas, a vencer. Mas a diferença foi de apenas cerca de dois mil votos – 1% – e isso deixou Carlos Moedas com sete vereadores contra dez da oposição no governo da Câmara.

É necessário recuar às eleições autárquicas de 2001 para encontrar resultado semelhante. Nessa altura, Santana Lopes, pelo PSD, foi o vencedor, com 41,98% dos votos, contra 41,7% do PS de João Soares.

Nestas eleições votaram em Lisboa 242 713 eleitores, num universo de 476 750 inscritos, ou seja, uma abstenção de 49,04%, idêntica à registada nas autárquicas de há quatro anos – 48,84% – mas que prejudicou especialmente Fernando Medina.

Carlos Moedas tem, portanto, sete vereadores em 17. A candidatura de Fernando Medina consegue o mesmo número de mandatos, enquanto CDU conquista dois e Bloco de Esquerda um. Dez na oposição, no total.

Moedas estará num colete de forças ou poderá criar uma nova forma de governação, totalmente ao inverso os tempos de polarização, mas verdadeiramente inovadora e progressista?

Ou seja, todas as medidas levadas a votação em reunião de câmara pela autarquia de Carlos Moedas terão de ter voto de aprovação ou abstenção de parte dos vereadores de esquerda, ou não serão aprovadas, uma situação que não é inédita em Juntas de Freguesia, mas raro num órgão como a CML.

Moedas estará num colete de forças, num campo de batalha, ou poderá criar uma nova forma de governação, totalmente ao inverso os tempos de polarização em que nos encontramos, mas verdadeiramente inovadora e progressista?

Veremos. Uma lição os eleitores aprenderam de vez: a geringonça não acontece nas câmaras – porque a lei não permite. Ou seja, Carlos Moedas terá sempre que presidir ao município por ser quem teve mais votos entre todas as listas concorrentes.

Governar sem maioria. Como?

Moedas já veio dizer que está preparado para negociar. E terá de fazê-lo desde o início.

As competências do próximo presidente da CML e as competências dos vereadores com poder executivo serão decididas após a aprovação da delegação de competências proposta por Carlos Moedas, que terá de ser votada na primeira reunião de câmara após a tomada de posse do novo executivo camarário, a acontecer nas próximas semanas.

Para já, os 10 vereadores da oposição poderão negar a delegação de determinadas competências, obrigando à negociação, medida a medida e proposta a proposta, de matérias relativas à governação da cidade.

Só depois de delegadas as competências irá Carlos Moedas atribuir pelouros aos vereadores, sendo pouco provável a atribuição de alguma pasta a um vereador eleito fora da coligação Novos Tempos.

De acordo com o funcionamento dos órgãos autárquicos, a aprovação de várias ações governativas como a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) e de outras ferramentas de gestão do território, como os Planos de Pormenor, estão dependentes da aprovação em reunião de câmara, por todos os vereadores eleitos.

Legenda: Número de mandatos

Acresce que a liberdade de levar assuntos à reunião de Câmara é muito abrangente e para todos os vereadores, mesmo os da oposição.

António Brito Guterres, investigador em estudos urbanos e dinamizador comunitário, prevê que seja “difícil que haja outros partidos a aceitar pelouros”. Pelo menos o Bloco de Esquerda já garantiu que “não faz coligações à direita”, nas palavras de Catarina Martins.

A CDU reagiu, no Twitter, na terça-feira à noite. João Ferreira acentua as divergências com os governos de direita na CML. Mas deixa uma nota mais suave no final: “Rejeitando qualquer política de “terra queimada”, que abra espaço a estratégias de vitimização, a CDU proporá e apoiará todas as medidas que considere positivas, ao mesmo tempo que rejeitará e combaterá tudo o que for negativo para Lisboa e para quem nela vive e trabalha.”

Fernando Medina, por seu lado, ainda não revelou se vai ou não para a vereação.

Fernando Medina ainda não anunciou se tomará posse como vereador eleito para a Câmara Municipal de Lisboa. Foto: Francisco Romão Pereira

Moedas irá “tentar negociar para fazer governo e o sucesso das negociações vai depender muito daquilo que conseguir conciliar com as restantes forças políticas”, defende António Brito Guterres. “Vai ter de ter sensibilidade relativamente a algumas coisas”.

Algumas coisas são coisas sensíveis, sobretudo tendo em conta os temas caros a Moedas e que terão levado o eleitorado a votar nele.

Terá de fazer a quadratura do círculo, e à esquerda. Algo que pode ter até consequências no caminho do seu partido, o PSD – ele próprio numa encruzilhada entre o centro e a direita mais radical (como é exemplo a candidatura autárquica da Amadora).

Que caminho escolherá Moedas? A moderação, o centro ou uma certa radicalização no sentido do extremar de posições?

Carlos Moedas poderá ter mais um trunfo se der atenção à assembleia municipal e criasse os conselhos de moradores que prometeu no programa. Se a toada for “ouvir as pessoas” vai ser difícil ter uma oposição forte a isso. Mais um dado: pode por em prática referendos locais que nunca são usados mas constam na lei.

O que deve mudar na cidade?

Há assuntos complicados, como a mobilidade, cuja política está mais ou menos traçada com os limites às emissões contratualizados na UE. Mas Moedas já disse querer rever as ciclovias todas. E esta é uma das questões mais polarizadas na cidade. Aí o PS poderá ser implacável, até porque o anterior vereador, Miguel Gaspar, foi eleito.

Mas há mais: no mandato que agora termina, a equipa de Fernando Medina orientou as políticas municipais para a promoção da mobilidade suave e sustentável, através da adaptação do espaço público no sentido de favorecer deslocações de transportes públicos, a pé e de bicicleta. Nos últimos anos, a frota da Carris sofreu uma renovação, houve lugar à substituição de calçada por piso liso e antiderrapante em vários locais e verificou-se uma aposta na expansão da rede ciclável, que deve alcançar os 200 quilómetros até ao final do ano.

Para o futuro imediato, Carlos Moedas anuncia a “eliminação” da ciclovia da Avenida Almirante Reis e deixa um ponto de interrogação relativamente à aposta na bicicleta enquanto meio de transporte, propondo o “redesenho” da rede ciclável da cidade.

No programa político que Carlos Moedas levou às eleições do passado domingo, é proposta a “eliminação” da ciclovia da Avenida Almirante Reis, utilizada por uma média de 120 utilizadores de bicicleta por hora. Foto: Ana Sofia Serra/CML

Em entrevista à Mensagem ainda este mês, Rosa Félix, investigadora de mobilidade urbana no Instituto Superior Técnico (IST), deu conta de um aumento de circulação de 400% na ciclovia da Avenida Almirante Reis desde 2019, altura em que não havia ciclovia segregada, para uma média, atual, de 120 ciclistas por hora. Esta ciclovia é muito importante por ser um de “dois canais óbvios” que permitem a ligação da zona da Baixa ao planalto da cidade, explica a investigadora, defensora da solução ciclável para aquela artéria.

Carlos Moedas propõe no seu programa a construção de “parques multifuncionais de estacionamento para residentes em todos os bairros” – os famigerados silos -, um desconto de 50% nas tarifas de estacionamento à superfície para lisboetas e a utilização gratuita de transportes públicos para menores de 18 anos e maiores de 65.

Nada disto tinha muito acordo da agora oposição na campanha – tendo a direita questionado a gratuitidade e a esquerda dito que se tratava do incentivo ao automóvel. Essa foi, aliás, uma das grandes argumentações de Fernando Medina nos debates com Carlos Moedas.

ZER: a nova cidade que se perde?

Anunciada e prometida por Fernando Medina no início de 2020, a Zona de Emissões Reduzidas (ZER) para a Avenida de Liberdade, Baixa e Chiado devia ter entrado em funcionamento no verão do ano passado. A medida iria restringir a circulação automóvel naquela que é a zona da cidade mais bem servida de transportes, impedindo a entrada de 40 mil automóveis por dia.

A verde, a zona em que está prevista a aplicação de medidas de restrição à circulação automóvel, com excepção ao tráfego de residentes, comerciantes, motociclos, veículos elétricos e detentores de avenças de estacionamento e garagens. Fonte: CML

A implementação total da medida previa obras profundas, como a reposição do Passeio Público nos Restauradores, através do alargamento do passeio e zonas de estadia, a pedonalização do Largo do Chiado, da Rua Nova do Almada, Rua Garrett, Rua da Prata, bem como a requalificação da Avenida da Liberdade, prevendo-se a eliminação de mais de 350 lugares de estacionamento automóvel à superfície e a criação de duas ciclovias.

Apesar da redução, a oferta de estacionamento para residentes deveria crescer 50%, dadas as restrições de circulação e estacionamento à superfície para não moradores.

A pandemia chegou e foi razão para Fernando Medina travar o avanço imediato de uma das medidas de maior impacto anunciadas para a mobilidade da cidade, estando prevista a devolução ao tráfego pedonal e ciclável de uma área com cerca de 4,6 hectares e uma redução nas emissões de gases com efeito de estufa estimada em cerca de 60 mil toneladas ao ano.

Legenda: Montagens ilustrativas do impacto da ZER nas zonas da Avenida da Liberdade, Baixa e Chiado. Fonte: CML

A medida, suspensa, não tinha, contudo, sido abandonada. Era aliás uma das bandeiras da política de mobilidade de Fernando Medina e do vereador Miguel Gaspar – eleito novamente – para o próximo mandato. De acordo com o programa da candidatura Mais Lisboa, a ZER ia, por fim, avançar. Integrava o programa eleitoral da coligação e previa-se, até, o estudo de mais zonas de restrição à circulação automóvel dentro da cidade. Também o Bloco de Esquerda apoiava a implementação da ZER no seu programa político para a cidade.

Agora, a vitória da coligação Novos Tempos coloca muitas interrogações aos planos anunciados. O programa de Carlos Moedas não faz qualquer menção à ZER ou a quaisquer planos para restringir a circulação automóvel no centro da cidade.

Fonte: CML

Em matéria de mobilidade, a redução do limite de velocidade para 30 quilómetros por hora dentro dos bairros, zonas residenciais e na proximidade de escolas é um denominador comum aos programas apresentados pela candidatura Mais Lisboa, CDU e Bloco de Esquerda. Carlos Moedas não apresenta no seu programa de governação a intenção de reduzir as velocidades praticadas pelo trânsito motorizado dentro da cidade – o que não quer dizer que não venha a fazê-lo no programa governativo.

Estes poderão ser temas importantes da negociação que se seguirá. Aliás, poderá mesmo ser a pedra de toque, uma vez que a voz corrente é que Moedas ganhou as eleições por privilegiar a utilização do automóvel – algo que o próprio sempre negou. “Eu não sou contra as ciclovias”, repetiu, na entrevista à Mensagem.

Para António Brito Guterres, a maneira como Moedas procurará abordar estes temas, apoiados transversalmente pela oposição, “vai ser importante para perceber o grau de resistência ou de facilidade que vai ter no início”.

Os programas políticos à esquerda de Carlos Moedas convergem na proposta de diminuir o limite de velocidade praticado em várias zonas da cidade, como são as zonas residenciais e escolares. Foto: Frederico Raposo

Recorde-se que Lisboa assumiu, em 2019, a meta de reduzir para zero as mortes nas estradas da cidade até 2030. Oslo e Helsínquia alcançaram já este objetivo, através de uma estratégia de segurança rodoviária que privilegiou a redução das velocidades praticadas para 30 quilómetros por hora.

Mais recentemente, Paris e Bruxelas generalizaram este limite de velocidade nas vias urbanas – assim como a maior parte das cidades espanholas – e Londres deverá seguir o mesmo caminho no próximo ano.

Com Moedas, Renda Acessível é para “acelerar”

Em matérias como a Habitação poderá verificar-se maior facilidade na negociação com o PS, uma vez que Carlos Moedas tem vários pontos de contacto com os programas mais sociais. Também fala na necessidade de ter milhares de fogos para a classe média e mesmo cooperativas (algo que estava no programa de Medina, negociado como Livre, que também tem na vereação Rui Tavares).

O presidente eleito promete a isenção do pagamento de IMT para jovens e anuncia a “aceleração” do programa Renda Acessível, iniciado por Fernando Medina.

Ao abrigo deste programa, o executivo que agora deixa funções propõe um modelo de cedência de direitos de superfície a privados, para que estes construam ou reabilitem edifícios habitacionais e disponibilizem uma percentagem de fogos destinados a arrendamento acessível, sendo responsáveis pela manutenção e gestão da relação com os arrendatários.

Foto: Orlando Almeida

Foi uma questão bastante debatida e na qual o PCP e o Bloco de Esquerda se posicionaram contra, promovendo soluções de habitação 100% pública. Certo é que o PS terá muito pouca margem em colocar-se contra medidas propostas pelo próprio partido. Uma das questões que poderá ser interessante é a presença de várias pessoas ligadas à habitação e urbanismo entre os vereadores eleitos – entre eles a arquiteta Inês Lobo, a urbanista Inês Ucha, da SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana, e Paula Marques, ex-vereadora da habitação, eleita na lista de Medina pelo Cidadãos por Lisboa, movimento que foi criado por Helena Roseta (mãe da possível vereadora de Carlos Moedas, Filipa Roseta, eleita).

Na questão do turismo, com impactos palpáveis na crise da habitação em Lisboa, regista-se uma outra diferença notável nos programas políticos para a cidade. Por um lado, Fernando Medina propõe a suspensão da emissão de novas licenças de Alojamento Local (AL). As freguesias da cidade onde se regista a maior concentração de unidades de AL são também aquelas em que a cidade mais perdeu população na última década.

No programa eleitoral de Carlos Moedas não é encontrada qualquer menção à atividade de Alojamento Local nem é sugerida a intervenção do município na adoção de medidas adicionais de regulação do impacto do setor na cidade. Ver-se-á qual será a sua opção no programa de governo.

As duas candidaturas, nos seus programas, prometem aumentar o número de habitações destinadas a pessoas em situação de sem abrigo – e Moedas fala mesmo no “estado social local” que permita atuar rapidamente, por quem sabe do assunto, no qual se enquadra a promessa de seguros de saúde para todos os séniores.

Por conhecer está também o futuro de programas bandeira do executivo autárquico que agora cessa funções, como foram o Uma Praça em Cada Bairro, com emblemáticas intervenções que mudaram a paisagem da cidade em locais como a Praça de Espanha, o Campo das Cebolas ou as avenidas da República e Fontes Pereira de Melo.

Também não se sabe da continuidade do Programa de Apoio à Aquisição de Bicicleta, que em 2020 apoiou a aquisição de mais de três mil velocípedes por lisboetas ou pessoas que trabalham e estudam na cidade.


10 medidas de Carlos Moedas para Lisboa:

  • Atualizar levantamento de edifícios públicos para conversão em habitação;
  • Construir habitação em terrenos municipais e promover a reabilitação de imóveis privados de habitação devolutos;
  • Isenção de IMT para jovens;
  • Transportes públicos gratuitos para menores de 18, maiores de 65, estudantes universitários e desempregados;
  • Tornar grátis o estacionamento de residentes nos primeiros 20 minutos e aplicar desconto de 50% nos restantes períodos;
  • Promover uma rede de transportes fluviais coletivos e individuais na frente ribeirinha, incluindo táxis;
  • Eliminar a circulação de comboios à superfície entre Algés e Cais do Sodré;
  • Eliminar a ciclovia da Avenida Almirante Reis e redesenho da rede ciclável de Lisboa;
  • Criação de uma Assembleia de Cidadãos gerida por uma equipa “especializada, imparcial e independente dos partidos”;
  • Criar Repúblicas Séniores, residências de habitação partilhada para idosos autónomos, disponibilizadas pelo município e geridas em cooperação com entidades sem fins lucrativos.

Programas Eleitorais para a Cidade

Descarregue aqui o PDF com o programa de Carlos Moedas:


Frederico Raposo

Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.

frederico.raposo@amensagem.pt

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