Por forma a resolver um dos problemas mais críticos e transversais da sociedade portuguesa, o governo decidiu lançar o programa Mais Habitação, no qual elenca um conjunto de medidas avulsas. Dado o espernear de alguns sectores políticos, que designaram o programa de “comunista”, “bolivariano” e “gonçalvista”, seria de esperar que este fosse algo verdadeiramente revolucionário.

Contudo, basta uma leitura superficial do mesmo para provar exatamente o contrário – face à premência do problema e dos clamores diversos, esperava-se, aliás, mais intervenção.

A medida mais impactante é a que oficializa o término completo dos vistos gold. Isto diz muito, porque esta medida deveria ser o mínimo para políticas de habitação eficazes. Em concreto, desde a sua criação pelo governo da PaF, de 11 628 autorizações concedidas, 92% foram por compra de imóveis. Apenas 0,2% – uns estonteantes 23 vistos – originaram emprego direto.

A ausência de pressão imobiliária advinda deste regime pernicioso irá certamente contribuir para uma normalização do mercado habitacional português, sem que se vislumbre algum tipo de sovietização da sociedade.

A suspensão de novas licenças de alojamentos locais (AL), em zonas de elevada pressão imobiliária pode, também, ser definida como positiva. Para além de evitar a fuga de habitações para AL em grandes centros urbanos, algo que impedirá a especulação imobiliária, permite que estes continuem a existir no interior, onde são essenciais para o turismo rural e constituem uma fonte importante de rendimentos.

Infelizmente, as restantes medidas não são tão ambiciosas. A esmagadora maioria tem por base lógicas de mercado, que não são, de todo, o que precisamos.

Medidas como a que baixa os impostos sobre as rendas, ou a que dá conta que o Estado será o seu último garante são úteis para aumentar a rentabilidade e a confiança, respetivamente, mas não servem como força motriz para a descida dos preços, nem resolvem o problema da completa ausência de intervenção pública no mercado

Este é o principal problema do mercado habitacional português – o sumiço total do Estado. O parque habitacional público é composto por apenas 2% dos fogos, ou seja, é virtualmente inexistente. Enquanto não existir habitação pública em números compatíveis com alguns congéneres europeus, na ordem dos 15%, será impossível controlar o mercado. Por isso, e por este plano pouco ou nada ferir o mercado habitacional, é risível considerar que vivemos num qualquer “PREC Habitacional”.

Esta curiosa designação teve origem numa medida particular: a que dava conta do “arrendamento compulsivo” de habitações devolutas por parte do Estado.

Ainda que olhemos apenas para esta medida, a designação não se alinha com a realidade: ela já existe, em moldes similares, em vários países europeus, como a Dinamarca, os Países Baixos ou a Irlanda. Além disso, mesmo para as almas mais sensíveis à intervenção pública, a medida possuirá várias exceções que a tornarão mais equilibrada, tornando toda a histeria em seu torno uma verdadeira tempestade num copo de água.

Mais do que apelidar a medida como má, urge entender a sua potencial eficácia. Infelizmente, será menor do que pensamos.

Das alegadas 700 mil habitações desocupadas em Portugal, 150 mil na zona de Lisboa, nem todas estão devolutas: em bastantes, persistirá algum tipo de arrendamento informal. O que esta medida originará, em número significativo, será a transição de um mercado de arrendamento informal para o mercado formal, sem que exista, de facto, um aumento da oferta.

O plano peca pela timidez e capacidade de interferir verdadeiramente no mercado habitacional – caracteriza-se por disparar em todas as frentes, resultando numa mescla de medidas tacanhas. Falha, também, na dotação projetada – 900 milhões de euros, um valor bastante diminuto dada a dimensão do problema. O rol de medidas apresentadas foi, então, feito para inglês ver, ou, melhor dito, para inglês comprar.

Por tudo isto, quer-me parecer que as pessoas que designaram tal programa de “gonçalvista” ou de ser digno de um “PREC Habitacional” não leram a pouca informação que o governo disponibilizou. Nem nas maiores caricaturas políticas um conjunto de medidas de mercado pode ser designado como tal – só nos sectores libertários, onde o Estado é visto como sendo comunista porque intervém numa clara falha do mercado.

A consulta pública do plano do governo termina às 23h59 de dia 10 de Março. A data de 11 de Março coincide com uma efeméride do verdadeiro PREC – o golpe de Estado falhado de António de Spínola.

É possível que no 11 de Março deste ano vejamos também um golpe falhado: o de António Costa, que tenta controlar o mercado habitacional. Talvez esta seja a única razão para designar o plano como fazendo parte do PREC.


*Hélder Verdade Fontes tem 26 anos e vem do Porto. É Engenheiro Químico da FEUP e pós-graduado em Ciência Política/História do Pensamento Económico. Membro da Aliança Social-Democrata, fundador do blogue Ideal-Social e apoiante do LIVRE.


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