Martim Moniz Rua do Benformoso
Numa análise aos imóveis listados na plataforma Idealista verifica-se que apenas 11% do total de imóveis listados no concelho de Lisboa se encontram abaixo dos 250 mil euros. (Foto: Inês Leote)

Promessa eleitoral de Carlos Moedas, a isenção de IMT na compra de casa para jovens até aos 35 anos e até 250 mil euros estava prevista no Orçamento para 2023 da Câmara Municipal de Lisboa (CML) – mas a coligação Novos Tempos em minoria e o executivo poderá agora ver-se em dificuldades para aprovar a medida, porque o PS já fez saber que não pretende viabilizá-la.

Também o movimento Cidadãos Por Lisboa, representado na câmara pela vereadora Paula Marques – no mandato anterior com o pelouro da Habitação – já anunciou o voto contra, considerando tratar-se de uma medida que “não é socialmente justa” e que “pode até aumentar casos de endividamento dos jovens, diante do cenário de aumento de juros previsto”.

Filipe Anacoreta Correia, o vice-presidente, defendeu a adoção da medida por esta tornar possíveis poupanças de até oito mil euros – o valor cobrado pelo imposto municipal, no caso de uma habitação adquirida por 250 mil euros. Segundo o vereador “cerca de 35% das operações imobiliárias em Lisboa são protagonizadas por menores de 35 anos” e 45% destas tiveram preço inferior a 250 mil euros.

Mas de que casas estamos, de facto, a falar?

Abaixo dos 250 mil euros: que casas existem?

Numa análise aos imóveis listados na plataforma Idealista – uma das principais para a compra e venda de habitação em Lisboa – verifica-se que apenas 11% do total de imóveis listados no concelho se encontram abaixo dos 250 mil euros. O que não é de estranhar tendo em conta a evolução dos preços.

Mas mais importante, até este valor, a maioria, 54%, dos imóveis disponíveis são T0 e T1. Só 33,4% são habitações com dois quartos e apenas 12,6% dos imóveis listados abaixo dos 250 mil euros dizem respeito a habitações com três ou mais quartos – e a maioria destes são em freguesias do centro histórico, como São Vicente, Santa Maria Maior e Misericórdia, e dizem respeito a apartamentos em pisos térreos, caves e andares sem elevador.

Em termos de áreas, até ao limite de 250 mil euros, a média é de cerca de 55 metros quadrados. E, no caso dos muitos T0 e T1, a área bruta média desce para os 45 metros quadrados.

Do total de habitações T1 listadas no Idealista, no final da semana passada, apenas 24% tem um valor compatível com a isenção proposta por Carlos Moedas. Entre os T2 e os T3, os valores de compatibilidade são ainda mais reduzidos – 11% e 4,7%, respetivamente.

Ou seja, as medidas propostas embatem com a realidade: se o objetivo é fixar jovens em Lisboa, estas tipologias e tamanhos não são compatíveis com a constituição de uma família.

Num momento em que os valores praticados no mercado de arrendamento, para tipologias T1 e T2, ultrapassam o valor do salário médio jovem em Portugal – 817,67 euros, em 2019 (dados do Instituto Nacional de Estatística) – a compra de habitação é também uma impossibilidade para a maioria dos jovens.

É por tudo isto que Luís Mendes, investigador do Centro de Estudos Geográficos (CEG) da Universidade de Lisboa e membro da Rede (H)abitação não acredita no impacto positivo da isenção do IMT em aquisição de habitação até 250 mil euros.

“Estamos a falar dos filhos da classe média alta ou mesmo da classe alta. Os jovens que adquirem estes imóveis em Lisboa são relativamente endinheirados ou provenientes da classe média, média alta, e têm ajuda para conseguir fazer essa aquisição”.

Recorde-se que os valores da entrada exigidos pelos bancos são de cerca de 10%. Ou seja, para uma habitação de 200 mil euros, um jovem tem de pagar à entrada cerca de 20 mil euros. Quando o valor sobe para os 250 mil, também a entrada exigida sobe para cerca de 25 mil euros. E os impostos não podem fazer parte do empréstimo pedido ao banco.

Além de tudo isto há a agravante da subida das taxas de juro. Neste momento um empréstimo de 240 mil euros a 40 anos, irá ter uma prestação de cerca de 900 euros. E não há qualquer apoio – o desconto dos juros no IRS terminou em 2011, medida dos anos da Troika para arrefecer a dívida, e vários partidos pediram que fosse incluída de novo no Orçamento, mas o governo não aceitou.

Ricardo Guimarães, diretor da revista Confidencial Imobiliário, defende, pelo contrário, que a isenção de IMT para os jovens é “quase um imperativo moral”. Isto porque é preciso lembrar que “há uns anos os jovens compravam casas que estavam dentro do escalão da isenção.”

A tabela do IMT “deixou de se ajustar à realidade do mercado”. De acordo com os valores em vigor, apenas aquisições imobiliárias de até 93,3 mil euros estão isentas do pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).

A maior parte das casas a que a medida se dirige são pequenas. As outras são em caves ou andares sem elevador. Foto: Inês Leote

A partir deste valor, é cobrada uma taxa marginal de 2%, até aos 127,7 mil euros, que passa a 5% até aos 174,1 mil euros e a 7% até aos 290,1 mil euros.

De acordo com os dados de que dispõe, Ricardo Guimarães lembra que enquanto o mercado imobiliário em Lisboa está a valorizar 10%, na área metropolitana está a valorizar 20%. Assim, sublinha, pode vir a ser necessário pensar numa isenção do IMT para jovens a uma escala metropolitana.

Na Ajuda as casas mais baratas e no Parque das Nações as mais caras

Nos dados disponibilizados pela Confidencial Imobiliário à Mensagem, é possível fazer-se uma análise mais fina do mercado de Lisboa, à escala da freguesia. No mercado das habitações usadas, é na freguesia da Ajuda que os apartamentos T1 apresentam (dados de outubro) o menor valor médio de aquisição ao longo dos últimos 12 meses – 156,3 mil euros.

Era nas freguesias de Parque das Nações e Santo António que as casas T1 apresentavam os valores médios de aquisição mais elevados – 317,6 mil euros e 301,2 mil euros, respetivamente.

Apesar de a maioria da oferta de habitações T0 e T1 estar situada acima dos 250 mil euros, o processo negocial permite que a média dos valores de aquisição se situe ligeiramente mais abaixo.

Isto porque mesmo com a escalada de preços, parece haver bastante margem de negociação até à concretização do negócio. Entre o valor inicialmente pedido e o valor de aquisição de habitações “podemos estar a ver valores 20% distantes”, garante Ricardo Guimarães, da Confidencial Imobiliário.

No passado mês de outubro – numa análise com a média dos últimos 12 meses – o valor médio de venda de um T1 ou T0 na cidade de Lisboa situava-se nos 222,3 mil euros, enquanto que um T2 apresentava um valor médio de 298,4 mil euros.

PS propõe apoio à renda

Em alternativa à medida apresentada pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, os vereadores eleitos pelo PS propõem a criação de um programa de apoio ao arrendamento jovem no mesmo valor da proposta apresentada para a isenção do IMT – 4,5 milhões de euros.

A medida prevê a atribuição, por sorteio, de um subsídio de 300 euros ou 450 euros por agregado, caso se trate, respetivamente, de um agregado de uma ou duas ou mais pessoas, garantindo uma taxa de esforço de 30% a cerca de mil jovens e “sem a barreira de deixar de fora a imensa maioria de jovens que não têm 25 mil euros para dar de entrada”, diz a vereadora Inês Drummond.

Segundo a proposta do PS, um jovem com rendimento líquido de 1000 euros, por exemplo, que arrende uma casa por 600 euros, pagaria 350 euros – porque a CML pagaria a diferença. Outro exemplo: um casal com um filho e 2000 euros líquidos de rendimento, com renda no valor de 1000 euros, ficaria a pagar 653 euros.

Entre a isenção de IMT e a expropriação: o que pode ser feito?

A questão continua a ser o caminho a seguir para responder à crise na habitação. Filipa Roseta, vereadora com o pelouro da Habitação, anunciou recentemente um ambicioso programa municipal com um potencial de construção de 9500 fogos em terrenos municipais que pretende materializar com recurso a um sistema misto.

Para concretizar o plano, o município anunciou que recorrerá à produção de habitação de iniciativa municipal e a concessões de terrenos a 90 anos a privados para que estes construam habitação com uma quota associada de fogos a custos controlados – como já acontecia com o Programa Renda Acessível -, mas também através da cedência de terrenos – com projeto e licenciamento aprovados – a cooperativas de habitação.

Luís Mendes olha para o número apresentado pela vereadora com bons olhos.

“Se conseguirmos esses 9500, é fantástico”, diz. Considera, contudo, que a política municipal de habitação para o próximo triénio deve ser ainda mais ambiciosa. Rejeitando a isenção de IMT como uma medida necessária na resposta à crise na habitação, o investigador defende que “entre os extremos” – a isenção de IMT e a expropriação – são várias as medidas que o município pode adotar.

Mesmo evitando mexer na propriedade privada, que é para Luís Mendes “a linha vermelha” do atual executivo camarário, a ação da CML deveria passar por “mobilizar o património público e ser um bocadinho mais agressivo com a propriedade privada devoluta”, defende.

Criticando o modelo do Programa Renda Acessível promovido pelo anterior executivo, de Fernando Medina, por fazer depender do interesse de promotores privados a concretização de projetos de disponibilização de fogos a custos controlados, Luís Mendes acredita que a criação de habitação acessível deve ser exclusivamente “estatal e municipal”.

Assim, defende que a aposta na criação de habitação pública não deve passar, necessariamente, pela nova construção, mas pela “mobilização do património municipal, estatal e público com vocação residencial”.

Sobre o património privado, Luís Mendes considera ser “fundamental” o acionamento do direito de preferência, que permite ao município adquirir imóveis em zona de pressão urbanística “pelo valor patrimonial e não pelo valor de mercado”.

Para o investigador, a propriedade privada devoluta pode ser um elemento chave na ação política de Lisboa no mercado da habitação, denunciando edifícios “fechados há décadas”, muitas vezes em resultado de heranças indivisas.

“Acho que aí a câmara municipal deve tomar medidas mais assertivas – a tomada de posse administrativa, as obras coercivas, o arrendamento forçado. Há medidas que podem ser tomadas para trazer essas propriedades devolutas para o mercado. Se aumentas a oferta, em princípio vais baixar o preço.”

Apesar de não dispor de dados concretos, Luís Mendes sublinha a questão das heranças indivisas como “um problema grave em Lisboa” e acredita que podem ajudar a explicar “seguramente 10 a 15%” dos 48 mil fogos desocupados atualmente existentes na cidade.

“Os devolutos em Lisboa não têm uma origem especulativa. Toda a gente do setor diz que não tem interesse em ter um devoluto, porque o mercado está sobreaquecido e não é por cativar esta oferta que se consegue valorizar o preço da propriedade”.

“Entre o IMT, que acho completamente descabido e despropositado, e a expropriação – entre os extremos – há política fiscal favorável ao arrendamento acessível de devolutos, isenções fiscais à reabilitação urbana profunda dos edifícios, o direito de preferência de compra de edifícios que estão em leilão”, defende Luis Mendes.


*30.11.2022 – 11h15Atualizado com posição do movimento Cidadãos Por Lisboa

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Frederico Raposo

Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.

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