Faltam ou não casas em Lisboa? No último trimestre de 2022, havia 20 700 fogos para venda na região de Lisboa. O valor mais baixo dos últimos 15 anos, e uma quebra de cerca de um terço relativamente há apenas dois anos. Isto significa que nem todas as casas vazias estão à venda ou para arrendar.
Assim dava conta o Sistema de Informação Residencial (SIR), plataforma da revista Confidencial Imobiliário que dispõe de dados reportados por centenas de empresas e mediadoras imobiliárias.
Menos casas no mercado não significa escassez de casas. Há poucas casas para venda, mas isso não significa que haja poucas casas vazias em Lisboa. Dos cerca de 320 mil fogos habitacionais da cidade, cerca de 15% estão vazios. Ou seja há 47 mil casas vazias em Lisboa – entre as que estão no mercado de venda e arrendamento, e as que estão desocupadas.
No mesmo sentido aponta o Instituto Nacional de Estatística (INE): no terceiro trimestre de 2022 os preços que refletem a escassez na oferta, subindo mais de 10% quando comparados com o mesmo período do ano anterior e com um valor por metro quadrado quase três vezes superior à mediana nacional.
Ou seja, apesar de haver falta de casas para negociar, elas existem na realidade. “Não há falta de casas construídas”, afirma Luís Mendes, especialista em estudos urbanos, investigador do Centro de Estudos Geográficos (CEG) da Universidade de Lisboa e membro da Rede (H)abitação
Em todo o país, há mesmo um “superavit” habitacional que pode estar perto dos 1,8 milhões de habitações. Embora os dados não sejam totalmente seguros. E incluam casas secundárias.
Segundo os dados dos Censos de 2021, havia em Portugal cerca de 5,97 milhões de alojamentos familiares clássicos para cerca de 4,15 milhões de famílias clássicas (a definição compreende conjuntos de pessoas que residam no mesmo alojamento e tenham relações de parentesco entre si, podendo ocupar a totalidade ou parte do alojamento, bem como “qualquer pessoa independente que ocupe uma parte ou a totalidade de uma unidade de alojamento”).
Se uma parte importante do número de fogos dizem respeito a residências secundárias ou sazonais (cerca de 1,1 milhões), então ainda se podem considerar mais de 723 mil as habitações dadas como vagas (12,1%).
Em Lisboa, o cenário é idêntico. Em 2021, o INE contava cerca de 243 mil famílias para cerca de 320 mil alojamentos familiares clássicos. Destes, cerca de 48 mil fogos encontravam-se vagos (14,9%) – 21 479 fogos encontravam-se listados para venda ou arrendamento. Mas 25 999 eram dados como desocupados.
Apesar de não faltarem casas, a incompatibilidade entre os preços de compra e de arrendamento e os rendimentos disponíveis é hoje um obstáculo para a maioria das pessoas que procuram habitação na cidade.

Ou seja, como diz Gonçalo Antunes, investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa (CICS.NOVA – NOVA FCSH), “um dos problemas do nosso mercado de habitação parece ser que, embora existam mais casas do que famílias, as casas que estão no mercado em cada momento, para comercialização ou arrendamento, são em número reduzido ou insuficiente”.
É esta “escassez” que leva ao aumento dos valores por metro quadrado.
Nos últimos tempos, tem-se falado na falta de casas no mercado e da necessidade de construir mais. Mas serão as casas vazias uma solução para a crise habitacional? Os especialistas apontam dois caminhos:
- A necessidade de aumentar a oferta, mas de habitação pública, através de uma fusão entre a construção nova e a reabilitação.
- E colocar os devolutos no mercado.
Mas como fazê-lo?
Incentivar construção pública de casas acessíveis
Com os valores no mercado de arrendamento que não param de subir, a aposta no reforço do parque de habitação pública é uma das mais apontadas formas de contornar as ineficiências do mercado livre e de fazer garantir aquele que é um direito consagrado na Constituição no seu artigo 65º – o direito à habitação.
Para Gonçalo Antunes, a necessidade de apostar na construção é evidente.
“Falta nova construção. Pública, em particular”, diz, sublinhando que Portugal tem apenas cerca de 2% de habitação pública, facto que torna “urgente” o reforço da presença da administração pública no setor da habitação.
“As respostas que são possíveis com 20% ou com 2% de habitação pública são muito diferentes”. Isto num mercado habitacional como o português e na presente conjuntura inflacionista, caracterizada pela subida do preço dos materiais e pela volatilidade na sua variação.

Também por isso Luís Mendes considera ser “óbvia” a necessidade de “construir para responder à crise habitacional”. Mas a aposta deve ser na habitação pública. No entanto, questiona o momento: “A questão que se coloca é se, em termos conjunturais, estamos em condições de construir. Do lado do setor imobiliário, não é rentável neste momento, mantendo as margens de lucro que tinham. E não há incentivo à construção nova para preços acessíveis. Por isso todas as baterias do setor imobiliário estão orientadas para o setor do luxo ou da classe média alta”.
O investigador lembra que se colocam, hoje, grandes obstáculos à construção de nova oferta habitacional. É exemplo disso a falta de mão de obra qualificada e a escalada dos preços dos materiais, por vezes “empolada por interesses especulativos”.
Pôr as casas vazias no mercado a preços acessíveis
Considerando o potencial habitacional presente, Gonçalo Antunes considera “fundamental” mobilizar o património devoluto. O investigador acredita que a entrada de fogos devolutos no mercado “poderia ser importante para aumentar a oferta existente”.
Como fazê-lo?
Gonçalo Antunes mostra-se “muito cético em relação a medidas que confrontem a propriedade, como expropriações, requisições [ou o] dever de arrendar”.
Propõe, como forma de promover a entrada dos devolutos no mercado habitacional, o seu “lugar natural”, a criação de “incentivos financeiros à reabilitação dos edifícios, benefícios ou isenções fiscais [e a] diminuição considerável da carga fiscal no arrendamento”.
Recorde-se que atualmente, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) garante, entre outros incentivos, a isenção de pagamento de IMT e IMI em imóveis que realizem obras de reabilitação em edifícios tendo como fim o arrendamento para habitação permanente ou a habitação permanente do proprietário.

Se uma parte importante do número de fogos dizem respeito a residências secundárias ou sazonais (cerca de 1,1 milhões), então ainda se podem considerar mais de 723 mil as habitações dadas como vagas (12,1%).
Mas Luís Mendes defende que as políticas fiscais de promoção da reabilitação não são suficientes. Ou seja, para ele, as medidas fiscais teriam de ser complementares a medidas mais musculadas.
Há já várias ferramentas, do direito de preferência ao arrendamento forçado e à empreitada única, à disposição da administração central e das autarquias, para colocar no mercado os fogos habitacionais devolutos da cidade. A opção pela expropriação seria o “nível último” a promover – uma solução de último recurso.
“São medidas que existem no nosso ordenamento jurídico e que permitem às câmaras municipais e ao próprio Estado agilizar parte da propriedade devoluta e colocá-la ao serviço da população”.
Articular estas medidas para as colocar “ao serviço do direito à habitação” é um imperativo. Mas, não esconde Luís Mendes, trata-se de uma ação política “complexa”, já que “força o domínio público sobre o domínio privado”.
“Não podemos esquecer que o direito à propriedade é também um direito constitucional”, remata.
Recentemente, Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, propôs que os senhorios que tivessem casas vazias fossem obrigados a arrendar, causando grande polémica.
O direto à Habitação e à Propriedade podem “ser vistos como direitos programáticos”, o que significa que o Estado pode fazer uso de um e de outro direito, segundo Luís Mendes, “pode investir a sua ação política no sentido de condicionar cada um destes direitos, indo ao encontro das necessidades dos cidadãos. Está aqui uma questão complexa e que é significativa – uma dualidade constante entre o direito à habitação e o direito à propriedade que tem de ser vencida”.
Duas das ferramentas à disposição da CML, explicadas por Luís Mendes:
Tomada de posse administrativa
“A tomada de posse administrativa está prevista na lei – até na Lei de Bases da Habitação, e permite ao Estado, na situação de existir um devoluto ao longo de muitos anos numa área de forte pressão urbana ou habitacional, de grande procura que não é satisfeita, interferir no sentido de tomar posse da ruína ou do devoluto e colocá-lo ao serviço dessa necessidade de procura de habitação.
Isto no caso de um devoluto sem função social ou económica deve ser chamado a cumprir uma função que interessa socialmente e do ponto de vista cívico.
O Estado, aí, faz uso da sua força. Toma posse, reabilita, usa, e depois devolve essa propriedade ao proprietário, no mesmo estado ou em estado melhor do que encontrou. Não é uma expropriação, que é entendida de uma forma francamente negativa e que pode, até, em certos casos, se não bem acautelada, ser inconstitucional.”
Direito de preferência
“Tem sido muito utilizado pelas câmaras, ao nível das estratégias locais de habitação. As câmaras podem exercer o direito de preferência, ter privilégio no negócio imobiliário, sobretudo se for numa área de forte pressão urbanística. Seja no arrendamento ou compra.
Adquire a propriedade, geralmente por valor patrimonial e não por valor de mercado, podendo também exercer algum tipo de compensação junto do vendedor, algum tipo de contrapartida. Se o direito à preferência for feito por valor de mercado, pode estar a estimular especulação. É muito importante que seja feito abaixo do valor de mercado.”
Criar habitação pública sem apostar tudo na construção
Desde o final dos anos 1990 que há uma nova tendência internacional. “Começou a falar-se muito de reabilitação. O problema é que o setor da construção civil não se adaptou a essa mudança de paradigma”, aponta Luís Mendes. Os valores por metro quadrado “são muito elevados”, diz.
A aposta deve, agora, passar não só pela construção nova de habitação a preços acessíveis, como pela reabilitação de imóveis devolutos com vocação residencial. E é possível produzir habitação acessível pública e privada, garante o investigador.

No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), Portugal dispõe agora de 2,7 mil milhões de euros para investir em habitação até 2026. Um valor substancial, sobretudo quando comparado com o valor total investido pelo Estado português num período de 24 anos, de 1987 a 2011 – 9,6 mil milhões de euros, sendo que 73,3% desse montante foi aplicado em bonificações de juros no crédito à habitação.
Com prazos de execução até 2026, daqui a apenas três anos, os valores previstos para a produção de habitação pública já não coincidem com a realidade dos preços dos materiais de construção, inflacionados e voláteis.
Agora, é a própria execução do PRR a ser colocada em causa, avisa Luís Mendes. “A taxa de execução que vamos ter em 2026, daqui a três anos, vai ser muito reduzida.”
Os municípios que estão a apostar na construção nova estão a verificar que os concursos ficam vazios, sem empreiteiros ou construtoras que se recusam a executar os cadernos de encargos, precisamente por causa dos custos. “Por vezes, os orçamentos são feitos em menos de 24 horas, com possibilidade de serem retificados, tal é a escalada inflacionária nos preços e nos custos de construção”.
Se a construção pode ser um caminho necessário para fazer aumentar o parque público de forma significativa, construir novo “implica um período [longo], geralmente de seis anos, desde o licenciamento à chave na mão”.
Para surtir efeito no mercado a curto prazo, ferramentas de mobilização de devolutos (algumas delas foram elencadas atrás neste texto), tais como o uso do direito de preferência, “ir buscar casas à banca”, podem revelar-se mais proveitosas.
“Felizmente”, diz Luís Mendes, são várias as autarquias que começam a usar estas estratégias como forma de atuar com mais rapidez no mercado e à procura de “colmatar falhas na construção nova”.
Há alternativas, que os municípios estão a explorar nas suas Estratégias Locais de Habitação para fazer face aos custos. Através de incentivos fiscais e da cedência de direito de superfície em terrenos públicos, o Estado e as autarquias podem “incentivar” construtores e promotores imobiliários a apostar na construção de habitação acessível – com valores que não ultrapassem “os 30% da taxa de esforço”.
À semelhança de uma medida recentemente experimentada em Lisboa, no Programa Renda Acessível, Lisboa pode apostar na promoção de habitação privada a custos controlados, cedendo os direitos de superfície a construtores que, depois, garantem “uma parcela de 20% a 25%” de habitações acessíveis.
De acordo com a Estratégia Local de Habitação de Lisboa, estão identificadas 8164 situações de carência habitacional na cidade. O PRR propõe-se a resolver estas carências, na sua totalidade e a promover um parque habitacional público acessível e exclusivamente de arrendamento.
Um problema europeu
Segundo uma reportagem do consórcio de jornalistas Investigate Europe, de que faz parte o jornalista português Paulo Pena, “uma em cada seis propriedades na Europa está vazia – o equivalente a cerca de 38 milhões de casas vazias. Na Grécia, Portugal e Bulgária, a Feantsa – European Federation of National Organisations working with the Homeless – estimou que uma em cada quatro propriedades estava vazia”.
Mais recentemente, “dados compilados pela OCDE em 2021 para países selecionados mostram que o problema persiste. Hungria, Chipre, Finlândia e Irlanda revelaram-se como tendo a maior proporção de habitações vagas da Europa.”
No centro de Londres, segundo dados do Department of Levelling Up, Housing, and Communities , uma em cada 46 casas estão vazias – enquanto mais de 250 mil londrinos esperam por uma casa do estado. Estas casas incluem as parcialmente usadas.
Em Paris, segundo o jornal digital The Local, um relatório da Agência de Urbanismo (APUR) um quarto das casas do centro estão vazias – mais de 20 mil. No resto da cidade os números são de cerca de 15%.
Mas na Alemanha o problema verifica-se apenas nas zonas menos citadinas. Segundo um relatório recente, em Munique a taxa de casas vazias é apenas 0,2%. Em Frankfurt, Freiburg, Münster e Darmstadt a situação é semelhante.
Em Espanha, 5% dos proprietários de Valência tem casas vazias, seguidos de 4,2% na Andaluzia e 2,8% na Catalunha – segundo o Business Insider espanhol. Madrid tem o rácio mais baixo (2,4%).
Estes números são por vezes difíceis de comparar, porque nem todas as bases são idênticas.

Frederico Raposo
Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.
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Este tema tem-me suscitado bastante interesse e ando à procura de estudos que compilem a evolução do número de casas próprias, casas para arrendar, alojamentos locais, casas vazias, etc. que enumerem em detalhe o ultimo tipo, ou seja, que descriminem o motivo da habitação vazia, etc. Para perceber melhor o estado actual e o impacto das novas medidas.
Os números acima seriam interessante para se perceber que medidas de incentivos poderiam ser uteis para aumentar a oferta e para perceber mais a fundo como pôr as casas vazias no mercado. Também ando à procura de material para perceber melhor este tema das casas vazias e o impacto que podem ter, se tiver alguma coisa útil para ver agradecia.
Uma das coisas que também gostaria de saber é como é que a evolução dos impostos e das leis de habitação têm tido impacto no número de casas no mercado, principalmente no de arrendamento. Penso que, devido à falta de incentivo, à falta de estabilidade na regulação deste mercado e a um regime ultra protecionista do inquilino muitos proprietários fiquem com receio do mercado e optem por ter as casas “paradas”. Também seria interessante ver as casas que estão sem utilização devido a disputas familiares, esta é a única variante que sinto que a intervenção forte do estado possa fazer a diferença. Esta intervenção devia ser forte de modo a incentivar à rapidez do processo.
Este artigo é muito positivo e tem muita informação. Muito útil