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No bairro do Alvito, em Alcântara e a dois passos da Ponte 25 de Abril, esconde-se uma estação ferroviária que poucos lisboetas conhecem. Alvito-A é a primeira estação da Linha do Sul, mas nunca funcionou verdadeiramente como tal. Nunca ali um passageiro apanhou um comboio e nunca ali se comprou um bilhete, mas as escadarias de acesso estão feitas e as duas plataformas estão construídas desde que o comboio começou a passar pela ponte, em 1999.
Por ali passam quatro vias ferroviárias. Duas são de passagem, utilizadas pelos comboios que cruzam a ponte, e as outras duas destinam-se à paragem nas plataformas, sendo hoje utilizadas apenas como “resguardos”. Os acessos pedonais à estação, esses, permanecem emparedados – é uma estação por concretizar.
Agora, alguns dos maiores investimentos em mobilidade em curso na cidade passam por ali, a dois passos do Alvito, e isso pode mudar tudo para aquela estação, fazendo-a passar de apeadeiro técnico para estação intermodal.


A linha do LIOS Ocidental, projeto que vai levar o metro de superfície de Alcântara a Linda-a-Velha, passando pela Ajuda, Restelo e Miraflores, deverá partir junto da estação e àquela zona deverá chegar, até 2026, a linha vermelha do metropolitano. Também a Linha de Cascais deverá ligar-se à Linha de Cintura ali mesmo, em Alcântara.
No meio de uma revolução na mobilidade da cidade, com epicentro nesta zona, a estação Alvito-A pode agora encontrar o fôlego que nunca teve para abrir. A hipótese é deixada em aberto por especialistas e pela própria Infraestruturas de Portugal (IP), a entidade com responsabilidade pela gestão da estação, que confirma estar “disponível, caso exista procura, para abrir o Alvito e para criar condições para passageiros”.
A estação do Alvito “faz todo o sentido”
Lá fora, caminhos de alcatrão, pedras e alguns vestígios de quem se aventurou a passar pelo local. Dois portões vedam o acesso à zona que rodeia as duas plataformas da estação e, hoje, aceder às mesmas a pé é uma impossibilidade. Não há arranjos exteriores nem interiores, não há bilheteiras ou ecrãs informativos, elevadores ou escadas rolantes.
Há, sim, túneis e átrios interiores com acessos emparedados e cuja utilização espera, desde 1999, pela decisão de abrir a estação ao serviço de passageiros dos comboios da CP e da Fertagus. Fora da estação, está o bairro do Alvito, separado do contínuo urbano de Alcântara pelo início do tabuleiro da ponte, por Monsanto e, em baixo, pela Avenida de Ceuta e pelo nó rodoviário que dá acesso à Ponte 25 de Abril.


Entrámos na estação com a ajuda da IP, que nos abriu os portões e nos permitiu aceder a um local desconhecido para a grande maioria dos lisboetas.
Contornos nas paredes sugerem o emparedamento de duas zonas de acesso pedonal às plataformas e um pequeno buraco na parede permite confirmar a tese – no dia em que a estação abrir à população, será por ali que os passageiros poderão aceder às plataformas.
À Mensagem, a Infraestruturas de Portugal explica como a estação Alvito-A foi “fácil de construir na altura de construção daquela linha”, inaugurada em 1999. “É uma estação que está sobrelevada e é gastar mais um bocadinho de betão e deixar ali a estrutura pronta”. “Sempre se pensou, do ponto de vista do desenvolvimento da cidade, que haveria ali uma estação no futuro”.
Na altura, a opção foi não abrir ao serviço de passageiros, “porque não existe procura, mas fica preparada para o futuro”. Se não tivesse sido executada durante a construção da travessia ferroviária do rio Tejo, explica fonte da empresa pública responsável pela gestão da infraestrutura da Rede Ferroviária Nacional, hoje seria “muitíssimo complicado de fazer, para não dizer impossível”. Agora, “os dois custos principais já estão feitos: a parte da estrutura e a parte ferroviária. O resto é construção civil”.


A chave para a única porta que dá acesso à plataforma está perdida e, por enquanto, só funcionários da Infraestruturas de Portugal e da CP vão pisando as plataformas da estação, acedendo às mesmas exclusivamente através da linha férrea.
Manuel Margarido Tão, especialista em ferrovia, transportes e planeamento regional, explica que esta estação teria sempre de existir, servindo, ou não, a população. “É uma estação técnica, independentemente de qualquer procura, porque há uma travessia [sobre o Tejo] com dimensões muito grandes. Está preparada para funcionar como refúgio, havendo um incidente qualquer, um impedimento na travessia”. Mas a situação pode mudar em breve.
A eventual abertura da estação Alvito-A permitirá, entre outros, o rápido transbordo de passageiros provenientes da margem sul para a zona ribeirinha de Lisboa e para os comboios da Linha de Cascais. Recorde-se que, atualmente, os passageiros ferroviários que ali tentem chegar, vindos da margem sul, têm de ir primeiro a Campolide para, depois, poderem viajar para trás, para a zona ribeirinha ou para os comboios que seguem para Belém, Oeiras e Cascais ou para as zonas de Santos e Cais do Sodré.
Em 2008, uma reportagem do jornal Público intitulada Em Alcântara os comboios da ponte só servem para ver passar dava conta do trajeto diário de Iris Coelho, uma funcionária administrativa, então com 35 anos, com um “estranho hábito”. “Todas as manhãs passa nas imediações do emprego, em Alcântara, vinda da margem sul, mas só lá entra mais de um quarto de hora depois, após uma voltinha a Campolide”.
Hoje, a realidade é a mesma. Apesar de o apeadeiro do Alvito estar construído, o comboio não passa ali e obriga quem tem Alcântara como destino a andar para a frente para, depois, voltar atrás.



Com outros investimentos em mobilidade preparados para aquela zona da cidade, a abertura da estação Alvito-A ao serviço de passageiros é, para a IP, uma hipótese que “eventualmente, faz todo o sentido”. “Seria um daqueles investimentos que a IP, com certeza, concretizando-se os primeiros, iria colocar como prioridade”.
Estação do Alvito: uma “mais valia oculta”
Depois de partir de debaixo da futura estação de metro de Alcântara, o futuro metro de superfície (LIOS Ocidental) poderá vir a ter passagem pela estação Alvito-A, aumentando a sua relevância e atratividade no mapa de transportes da cidade.
A hipótese é confirmada pela IP, que revela um pedido feito pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), “há uns três ou quatro anos, para avaliar um conjunto de novas estações [ferroviárias]”. “Chamaram a estas estações a quinta linha do metro”, tendo sido propostos, pela própria autarquia, “quatro possíveis locais: uma na zona do Calhariz de Benfica, outra no Beato, outra nas Olaias e esta do Alvito”. A ideia, diz a IP, é a de que as pessoas “possam usar o caminho de ferro como usam o metro, com paragens mais frequentes ou mais próximas”.
Entre as hipóteses estudadas entre IP, CML e Metropolitano de Lisboa, estaria a possibilidade de “o LIOS passar na estação terminal do metro [em Alcântara] e seguir para o Alvito e, depois, para a zona Ocidental de Lisboa”.
No Alvito, o LIOS poderá vir a ter “uma paragem por baixo da estação”. “Se chegarmos aí, a IP está em condições para adequar a estação”. “Será a maneira mais fácil de se chegar à margem sul ou vice-versa. É uma pessoa chegar ao Alvito, apanhar o LIOS até Alcântara-Terra e, daí, ir para a Linha de Cascais”, diz a IP.

Com o Metropolitano de Lisboa, foi proposto outro desenho: a paragem do LIOS – Linha Intermodal Sustentável ser construída “mais cá em baixo, perto do cruzamento entre a Avenida de Ceuta e o acesso da ponte”, precisamente onde se situará a futura estação do metropolitano.
O Plano de Urbanização de Alcântara, apresentado pela CML em 2011, previa a construção de um funicular para ligar a zona da atual estação Alcântara-Terra à estação Alvito-A.

No futuro, com o metro de superfície a cruzar a encosta da cidade entre Alcântara e Oeiras, passando pela Ajuda, Miraflores e Linda-a-Velha, uma hipotética abertura da estação Alvito-A representaria “uma correspondência bastante interessante”, diz Fernando Nunes da Silva, professor catedrático em Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico (IST) e ex vereador da mobilidade na CML.
O especialista na área da mobilidade sublinha uma das vantagens: “as pessoas que viessem de comboio da margem sul poderiam imediatamente apanhar o metropolitano para fazer a transversal de Lisboa”.
A mesma opinião tem Manuel Tão, que reconhece “mais valias tangíveis” na abertura da estação do Alvito, que surgem com o aparecimento de “um eixo pesado ou semi pesado que cruze [a cidade]. Seja o LIOS, seja o prolongamento da linha vermelha”. Será, diz, “um fator que passa a conferir à estação Alvito uma valência comercial que hoje não tem”.
Ligação da Linha de Cascais à Linha de CIntura
A estação do Alvito pode mesmo ser encarada como uma “mais valia oculta”. É esta a visão do especialista em ferrovia, que acredita que “a partir do momento em que junto ao Alvito exista qualquer coisa como um eixo sobre carris, a estação ganha uma importância muito interessante”.
É uma estação que precisava de “um eixo distribuidor” para ganhar interesse, considera. E, de repente, foram anunciados três: o LIOS, a chegada da linha vermelha a Alcântara e a ligação da Linha de Cascais à Linha de Cintura.
“Se tivermos o LIOS a passar lá e um interface, é tudo mais fácil – vamos ter mesmo de abrir aquilo ao público”, afirma Manuel Tão.
Alcântara: futuro interface intermodal da cidade
O metro de superfície vai chegar a Alcântara, com uma potencial passagem pelo Alvito – já que o percurso não estará, ainda, fechado – e é uma de três grandes revoluções na mobilidade da cidade anunciadas para a zona.
A esta, juntam-se a expansão da linha vermelha do metropolitano até ali e a ligação da Linha de Cascais à Linha de Cintura, com o encerramento da atual estação Alcântara-Terra e a construção de uma nova estação enterrada. Estes fatores confluem num cenário que tornará aquela zona de Alcântara num verdadeiro interface intermodal da cidade.


Em processo de consulta pública até ao dia 2 de junho, o prolongamento da linha vermelha, com terminal na futura estação de metropolitano de Alcântara, vai mudar a face de uma das principais centralidades da frente ribeirinha.
Num pequeno raio de influência, podem vir a coexistir elétrico, metro de superfície e três estações ferroviárias: Alcântara-Mar, Alcântara-Terra e a possibilidade de abertura de Alvito-A – importantes investimentos que permitirão o transbordo entre vários meios de transporte e o cruzamento de Lisboa nos seus eixos norte-sul e este-oeste.
Em ensaios gráficos e desenhos técnicos recentemente tornados públicos no portal de participação do Ministério do Ambiente e Ação Climática, é possível constatar a posição da futura estação do metropolitano – será construída em viaduto, atravessando o atual nó rodoviário. Nos perfis disponibilizados, é ainda possível verificar que o desenho proposto coloca os carris do futuro metro de superfície a passar exatamente por baixo dos carris da futura estação de metro.

“Alcântara tem capacidade para ser um fulcro do transporte metropolitano, mas também um distribuidor a nível urbano”, avança Manuel Tão.
02.05.2022 16h07 *Acrescentada informação relativa ao Plano de Urbanização de Alcântara de 2011 – sugestão de leitor

Frederico Raposo
Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.
✉ frederico.raposo@amensagem.pt
Muito bem visto.Ligar a linha de Cascais há linha do Sul e a do Norte será bem vinda para as Populaçôes que necessitam de poupar tempo. Haja vontades.Felicidades para todos os intervenientes.Bem hajam.
Existe alternativa ao cenário aqui apontado pelo ML, bem como ao cenário da IP para a ligação da Linha de Cintura à Linha de Cascais e ainda à condição pós-moderna aqui desenhada. Ao problema da intermodalidade responde-se com a interoperabilidade ferroviária e ao problema dos custos da dispersão urbana responde-se com outro modelo de ordenamento do território e urbanismo – saber construir a “urban ecologic transit village” (UETV) de alternativa ao policentrismo. Nem PNPOT responde a este, nem o PNI respondeu àquele. Para ambos os problemas, a tecnologia ferroviária tem uma solução mais eficiente e muito mais económica (cinco a dez vezes mais barata por cada Km de construção) mas, há quem insista na estrutura e hierarquia da rede ferroviária rígida, penalizando as deslocações com o transbordo e de custo/km elevadíssimo. A integração e a memória urbana, nesta condição pós-moderna, aqui são, mais uma vez, desrespeitadas – basta ver como o PUA vai destruindo a memória de Alcântara. Lisboa e a AML podem cumprir metas de sustentabilidade e de resiliência e de neutralidade carbónica até 2050 se adoptar outro modelo da exploração do sistema ferroviário (2020-2030). A solução do LRT e do Tram-Train (ver as recomendações do projecto SINTROPHER, interRegIVb, 2014) para Lisboa e para cada município da AML colocam esta resposta aos desafios do plano da regeneração urbana (modelo UETV a ser aplicado por PDM) e ao nível da redução dos efeitos e custos negativos da dispersão urbana (Litman, 2015). É por isso que continuo a afirmar que as redes de Eléctricos (Transporte Colectivo em Sístio Próprio: LRT e Tram-Train) interoperáveis com as ILDs de comboio e de metropolitano são o caminho duma AML sustentável e resiliente (ver exemplo da rede Metro do Porto) – trata-se de aumentar a proximidade das populações dentro das comunidades urbanas de residência e de actividade, ultrapassando a actual turbulência do desperdício em Distância, Tempo, Emissões, Energia e Saúde, provocada por este modelo compósito, do monofuncionalismo e do policentrismo que só sustenta a dispersão e especulação urbana. Em relação ao investimento de 300 M€ em 1,5Km (Rato ao Cais Sodré)…com esse dinheiro daria para construir 20km de LRT dentro de Lisboa…
Não me leve a mal, mas essa infraestrutura existe desde que a ponte é ponte.
Alcântara-terra, provavelmente a mais tenebrosa estação de comboios que conheci em Portugal.
Um péssimo cartão de visita para os turistas que circulam junto ás docas e beira-rio.
Quem tem responsabilidades nesta matéria, de modo algum deixa degradar tanto uma estação de comboios num país que quase nada produz e que se tornou “turisto-dependente”.
Caso para dizer, pior impossível…
Fez-me recordar o Bronx em New York nos anos 60/70.
Tenho muitas dúvidas que alguém se atreva a utilizar aquela estação e zonas inferiores durante a noite.
Muito mau.
Um interessante conjunto de notícias sobre projectos de valor desigual. Os de maior valia prendem-se com a ligação da linha de Cascais à linha de Cintura e com a quadruplicação desta última.
Contudo, a ligação entre as duas linhas, em simultâneo com a exploração corrente ou reforçada do serviço operado pela FERTAGUS, coloca problemas de capacidade, uma vez que o actual sistema de comando e controlo da circulação do nó ferroviário deLisboa, não permite adicionar mais de 4 comboios por hora no percurso até Campolide. Impõe-se pois a modernização desse sistema para aumentar a intensidade da exploração em toda a linha de Cintura. O que não impede o aplauso a esta nova dinâmica.