Receba a nossa newsletter com as histórias de Lisboa 🙂
Planos. Já não vivemos sem eles para saber o que nos é permitido ou não fazer, hoje ou dentro de meses, e até os exigimos. Planos para confinar e desconfinar. E ainda que a pandemia de covid-19 nos pareça longe do fim, o último ano ensinou-nos que prevenir deve vir, de facto, antes do remédio. Por exemplo: esta pode ser a oportunidade de construir uma cidade onde se resolva um dos grandes dilemas de Lisboa, e o turismo e os locais possam coabitar de forma sustentável.
À solução chama-se “turismo responsável”, não é um conceito novo, mas a empreendedora Rita Marques, 30 anos, estuda as suas novas dimensões, que podem ser aplicadas num plano para a cidade pós-pandemia. Formada em Gestão Internacional pela Nova School of Business and Economics e atualmente dedicada ao setor do turismo, é sobre um dos temas quentes de Lisboa que apresenta a sua ideia para o futuro da cidade.
Porque esta é a primeira de uma série de análises de cinco empreendedores de diversas áreas da Startup Lisboa. Desafiámo-los a desenhar, nas suas áreas, uma proposta para quando a cidade retomar o seu ritmo habitual.
Rita é a primeira. E sabe do que fala quando fala de turismo. Entrou na Startup Lisboa em 2015, como co-fundadora da ImpacTrip, uma espécie de agência de viagens que promove experiências de turismo responsável, de curta duração (duas horas, uma tarde ou uma semana), “em que o viajante está envolvido na criação de impacto positivo enquanto viaja”.
Quando o tema sustentabilidade se alia ao turismo, diz Rita, “olha-se muito apenas para a parte ambiental”. “Faz-se campanhas para retirar o plástico descartável, para reduzir as emissões. Isso é tudo positivo, mas a sustentabilidade não se esgota neste conceito ambiental. Para mim, ter painéis solares não é sustentabilidade, é redução de custos. E plantar árvores sem ter uma estratégia definida não é sustentabilidade, é comunicação”, diz, garantindo que o turismo pode ser utilizado “como uma ferramenta para criar impacto positivo” na comunidade.

As opiniões dividem-se entre quem celebra o desaparecimento desta imagem de Lisboa, cheia de turistas, e quem teme sem ela. Os primeiros, sob o argumento de como o turismo veio transformar o mercado de arrendamento e o comércio, trocando muito do que era nacional por uma versão estrangeira com a qual não se identificam. Os segundos, por dependerem deste setor para sobreviver.
Estagnado o turismo na cidade, uma coisa é certa: foi o que mais contribuiu para o silêncio de Lisboa, assim que a vimos fechar portas. O burburinho persistente desapareceu com a chegada da pandemia, ainda que tenha despontado uma vez por outra em cantos da cidade, quando o risco esteve perto de zero.
As estatísticas dão fôlego aos receios: dados da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) relativos ao ano passado mostram que Lisboa foi a única cidade portuguesa a sofrer um recuo no número de unidade de alojamento local (AL) – menos 114, entre as agora 19 358 unidades. No ano anterior, pelo contrário, Lisboa tinha ganho mais de 2300 novos alojamentos locais.
Mas há que falar de voltar a coabitar com turistas. Haverá um dia em que os aeroportos e cais de Lisboa voltam a receber tantos turistas como antes. Há até quem diga que haverá uma explosão no turismo e o que vemos acontecer noutros territórios nacionais já abre caminho ao que pode ser esta cidade sem pandemia: a Madeira já abriu completamente a porta aos turistas (desde que apresentem um certificado de vacinação) e o Algarve regista um aumento crescente nas reservas internacionais, sobretudo de britânicos, ansiosos por voltar a pôr os pés nas praias do Sul.
“As pessoas já não se contentam em preencher a checklist dos dez pontos a visitar numa determinada cidade, querem conhecer as pessoas, perguntar como é que é viver em Lisboa, ter a oportunidade de estar mais com os locais”
Rita Marques, empreendedora
A ideia de Rita seria trabalhar num turismo mais distintivo e sustentável. É o que faz, em pequena escala, a ImpacTrip: os turistas podem escolher de entre vários programas, todos fora da caixa. “Pode ser fazer voluntariado, almoçar num restaurante de uma organização social, viajar num barco movido a energia solar, plantar árvores com a família e fazer um piquenique cozinhado por uma organização social.” O que a imaginação dela e de Diogo Areosa, o outro fundador, permitir.
A ideia desta empresa surgiu depois de Rita ter passado uma temporada na Malásia, onde foi estagiar e onde fez também voluntariado turístico. Conta ela: “Quando voltei, não havia nada deste género, forma nenhuma de as pessoas fazerem turismo responsável. Era um conceito completamente novo. Diziam-nos que as pessoas não querem isto, que querem ir beber mojitos para a praia, portanto, levamos muitos ‘não’, até que começamos a receber viajantes e voluntários internacionais e as pessoas à nossa volta começaram a perceber que, afinal, não era só uma ideia louca que a Rita e o Diogo [formado em turismo] tiveram.”

Uma das experiências era ajudar a mudar a imagem de um bairro mal amado: o Bairro da Torre, em Cascais. Criaram uma tour, com a comunidade local, à volta das empenas e da arte que ali se encontram, “para que as pessoas quisessem lá ir” em vez de contornar o bairro. “Hoje está um bairro completamente diferente. Os jovens mobilizaram-se, não gostavam da forma como o bairro era visto” e aquilo ajudou a vida a mudar.
E a receção dos turistas foi tão boa que provou a Rita que as pessoas querem, hoje, mais do que apreciar um copo de espumante sobre o rio Tejo. “As pessoas já não se contentam em preencher a checklist dos dez pontos a visitar numa determinada cidade, querem conhecer as pessoas, perguntar como é que é viver em Lisboa, ter a oportunidade de estar mais com os locais”, conta.
Considera, por isso, que o futuro do turismo deve passar por aqui. Mas há uma mudança a fazer antes: empregar melhor. “É uma sugestão que talvez não seja tão óbvia. Mas a empregabilidade inclusiva é uma coisa que tornaria o turismo muito mais bem-visto aos olhos da população local. “
Sendo “um setor que emprega milhares de pessoas e, muitas vezes, num regime precário, mal pago e sem grande critério”, a empregabilidade mais inclusiva, de pessoas com deficiência, por exemplo, ou tendo em conta a diversidade, “poderia fazer toda a diferença na perceção da comunidade, de que o turismo pode ser algo muito positivo para o desenvolvimento local”.
A empreendedora alerta que há muita discriminação no recrutamento, por se tratar de um trabalho no qual o trabalhador lida diretamente com o cliente e em que a imagem vai, por isso, ter o seu peso.
De Lisboa a Barcelona vai um pequeno passo no que toca à visão que os locais têm atualmente do turismo: “que é horrível, que torna a vida dos locais miserável e que não é bem-vindo”
Um trabalho que, na sua opinião, pode e deve arrancar no Turismo de Portugal, que está precisamente a trabalhar na estratégia 2021/2023, cujo objetivo é colocar Portugal como um destino sustentável. “Se queremos posicionar a marca Portugal como destino sustentável, esta é uma componente importante para lá chegarmos.” Só isso já ajudava a combater a ideia de que o turismo “é horrível, que torna a vida dos locais miserável e que não é bem-vindo”. O que tanto se transporta “para a experiência do turista”, como impacta “de forma negativa a qualidade de vida” da comunidade residente.
A pandemia “é a melhor oportunidade para repensar a forma como se pensa o turismo em Lisboa”, garante Rita. E ela já leva umas ideias de avanço.
- Siga amanhã as próximas ideias da Startup Lisboa

Catarina Reis
Nascida no Porto há 27 anos, foi adotada por Lisboa para estagiar no jornal Público. Um ano depois, entrou na redação do Diário de Notícias, onde aprendeu quase tudo o que sabe hoje sobre este trabalho de trincheira e o país que a levou à batalha. Lá, escreveu sobretudo na área da Educação, na qual encheu o papel e o site de notícias todos os dias. No DN, investigou sobre o antigo Casal Ventoso e valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020.
✉ catarina.reis@amensagem.pt
É bom sabermos. Obrigado à “Mensagem…”.
Parabéns à Mensagem de Lisboa por dar voz a novas vozes e que são parte muito importante do património vivo desta cidade! Lisboa já merecia um jornal assim!