Depois de alguns meses a resistir, Lisboa tornou-se o epicentro da pandemia de covid-19 em Portugal. Era inevitável?
Sim, o vírus chegou a Portugal pelo norte e houve esse efeito geográfico inicial, mas o normal é que os vírus tenham uma disseminação mais preponderante nos lugares onde existe maior densidade populacional e maior movimentação de pessoas, que é o caso de Lisboa e Vale do Tejo, porque o vírus precisa de pessoas para se replicar e de contacto entre elas.
Em que medida é que a pandemia está a mudar a cidade? Como habitante, que impacto acha terá em Lisboa?
Estamos num período de transição. Com a pandemia, há menos gente na rua, há mais máscaras no chão, as lojas estão fechadas, mas isso tudo vai desaparecer e vai voltar ao normal quando a pandemia passar e não falta muito tempo para passar. Não vejo nenhuma diferença estrutural ou funcional na cidade que seja irreversível, Lisboa está só mais parada, mais vazia, não há trotinetes… o que é uma alegria para mim (riso), mas isso é transitório.
Também não há turistas. Outra alegria para si?
Não, mas a invasão dos turistas é um problema das cidades europeias. Eu percebo que sejam importantes para a economia, mas há um limite e esse limite foi largamente ultrapassado em cidades como Roma, Barcelona ou Lisboa. Eu lembro-me, quando ia a Roma, de ficar impressionado com o facto de as pessoas quase não conseguirem andar na rua, sobretudo nos centros históricos, tais eram as multidões.
“Acho que vai haver uma grande explosão do turismo em Portugal e na Europa, porque as pessoas estão com uma ânsia enorme de ir para os cafés, de ir para a praia, de viajar, o confinamento só aumentou o apetite”
PEDRO SIMAS
Acha que voltaremos a ver essas multidões ou as pessoas, por causa da experiência da pandemia, num sentido de auto-preservação, passarão a evitar grandes concentrações?
Ao contrário do que muitos analistas dizem, mesmo em termos de tráfego aéreo e de viagens, eu acho que vai haver uma grande explosão do turismo em Portugal e na Europa, porque as pessoas estão com uma ânsia enorme de ir para os cafés, de ir para a praia, de viajar, o confinamento só aumentou o apetite. Poderá haver um condicionamento inicial por causa da economia, porque as pessoas foram afetadas financeiramente pela pandemia, mas no geral estou convencido que vai haver uma grande explosão do turismo. Alguns analistas dizem que a economia vai recuperar em V, mas eu partilho a visão de que vai recuperar em K, há coisas que não vão recuperar e outras que vão recuperar exponencialmente e uma delas é o turismo. Percebe-se isso vendo como as pessoas aproveitam qualquer flash de oportunidade de desconfinarem.
Serão os loucos anos vinte do século XXI. Quando é seguro que isso aconteça?
Há duas fases que são importantes. A primeira tem que ver com as vacinas, que se mostraram muito eficazes na proteção relativamente à doença severa ou morte e que tem uma explicação científica muito simples: há duas componentes do sistema imunológico, uma é a parte dos anticorpos, que essencialmente previne a infeção, outra é a parte celular, que elimina a infeção do nosso organismo, protegendo relativamente à infeção grave e a morte. O que está a verificar-se é que as vacinas são mais eficazes a proteger da infeção grave e da morte do que a prevenir a infeção. A partir do momento em que tenhamos uma proteção de 100 por cento dos grupos de risco com a vacinação, o problema da pandemia está resolvido em termos de hospitalizações, doença grave e morte. Não paramos a disseminação pandémica do vírus, porque não atingimos a imunidade de grupo, mas a doença deixa de ser um problema.
Qual é a outra fase?
Havendo um valor residual de internamentos e mortes, a sociedade percebe o problema como resolvido e aí poderá existir um momento de desconfinamento, que tem de ser ponderado e moderado, mas por vacinação ou infeção natural a imunidade de grupo será então atingida rapidamente e nessa altura regressamos à normalidade. Mais do que a vacinação futura, será a reinfeção e a circulação do vírus endémico que irá manter-nos protegidos contra a doença grave. Quando acabarmos a segunda fase do plano de vacinação, penso que estaremos quase numa situação normal.
Haja vacinas. Falemos da sua relação com Lisboa. Cresceu aqui?
Nasci em Lisboa, em Arroios, mas saí muito cedo porque o meu pai era engenheiro na EDP e fomos para África, para a construção da barragem de Cahora Bassa, e depois, quando voltámos, fomos para Setúbal, para a construção da Central Termoelétrica de Setúbal. Regressei a Lisboa quando entrei para o Técnico. No ano seguinte, mudei para Medicina Veterinária e aluguei um quarto na Estefânia. Sempre adorei Lisboa. Depois, fui para Cambridge, onde vivi dez anos e antes de voltar novamente a Lisboa, vivi três meses no Porto, mas, quando se é lisboeta, sente-se falta do céu azul.
A tal luz de Lisboa?

Sim, Lisboa tem um céu azul, umas cores, uma relação com o rio Tejo, uma luz única… já viajei muito e não há igual. Quando olhamos de cima para a Igreja do Loreto, aquele azul do céu e aquela pedra branca, é tão bonita. Em Lisboa, vivi na Praça de Londres, depois na Artilharia Um e depois no Príncipe Real, muitos anos, até comprar uma casa na Figueira do Guincho, de fim de semana, pela qual me apaixonei e onde acabei por ficar muito tempo. Voltei para Lisboa há seis anos, quando o meu filho mais velho entrou para o Técnico. Já não quis voltar para o Príncipe Real por causa dos turistas e do barulho à noite e da confusão, era tudo muito invasivo. Então, vim para as Avenidas Novas e gosto muito de viver aqui. Tenho tudo à porta. Sinto-me aqui como em alguns bairros de Nova Iorque ou Boston, em que há cultura, há bons restaurantes, há escritórios, há lojas, há as linhas todas do Metro, há ciclovias e há Monsanto não muito longe.
E como vê a evolução da cidade, para melhor, para pior?
O lado mais positivo é que Lisboa está mais bonita, os edifícios estão a ser restaurados, ainda há muito para restaurar, mas há uma valorização do património arquitetónico e de toda a zona ribeirinha absolutamente fantástica. Há vinte anos, quando colegas meus estrangeiros vinham cá diziam sempre que Lisboa tinha um potencial enorme de desenvolvimento da zona ribeirinha que não estava aproveitado e isso foi feito e é muito bom. Por outro lado, Lisboa estar a tornar-se mais verde, no sentido de aumentar e privilegiar os espaços verdes. Temos Monsanto, temos requalificação da Praça de Espanha e em Monsanto parece-me que está a ser feito um esforço de criar ciclovias e limitar o trânsito automóvel. Mas nesse campo ainda há muito por fazer. As ciclovias ainda estão muito condicionadas pelo trânsito automóvel que continua a ser dominante e condiciona o desenho das mesmas. Eu sou ciclista e considero que o desenho das ciclovias em Lisboa ainda é muito pouco seguro.
Como habitante, como vê a gentrificação da cidade?
Com alguma preocupação, no que isso significa de empobrecimento cultural e social. Lisboa é cada vez mais dos turistas e menos dos lisboetas. Hoje, andamos na Baixa e já não sentimos o cheiro das bifanas, as tascas e cervejarias tradicionais desapareceram ou descaracterizaram-se. O Ramiro, por exemplo, que era um sítio onde eu ia desde os tempos da faculdade, transformou-se noutra coisa. Ao Ramiro iam desde proxenetas e prostitutas a treinadores e jogadores de futebol, políticos, cientistas e universitários, toda a sociedade se juntava numa cervejaria que tinha uma energia fantástica, os empregados não andavam, corriam, e eram malabaristas das imperiais e não se percebia como é que aquilo não caía tudo e não chocavam uns com os outros, o cheiro a alho e a marisco era uma coisa única. Hoje é uma desilusão para quem conheceu. As lojas descaracterizaram-se, os restaurantes a mesma coisa. Estar em Roma ou em Londres ou em Lisboa é quase igual. Eu gosto muito de cozinha requintada e internacional, mas também gosto de uma boa bifana e daquela comida genuinamente portuguesa e do ambiente verdadeiro da tasca e isso está a desaparecer e é pena.
“Eu sou democrata e defendo que todos tenham possibilidade de viajar, mas tem de se criar um equilíbrio e a única forma de o fazer é regular a oferta de alojamento”
PEDRO SIMAS
O excesso de turistas está a descaracterizar a cidade?
De alguma forma sim. Eu criei um negócio no Chiado, uma geladaria, durante três anos, e notei isso, que os lisboetas estavam a ficar um bocado ressentidos com os turistas.
Como é que acha que se pode criar um equilíbrio que devolva Lisboa aos lisboetas, mantendo o turismo, que é uma fonte de receita importante para a cidade?
Limitando e criando regras no alojamento. Apostar num turismo de qualidade em vez de quantidade. Eu sou democrata e defendo que todos tenham possibilidade de viajar, mas tem de se criar um equilíbrio e a única forma de o fazer é regular a oferta de alojamento. Penso que a Câmara Municipal de Lisboa já está a tentar fazer isso e muito bem e penso que essa regulação não é contrária à ideia de democratização do turismo e das viagens.
É importante trazer mais gente e gente mais nova para viver na cidade?
Sim, eu só na minha rua tenho vários hotéis e ainda alojamento local. Arriscaria dizer que há mais alojamento do que residências e seria importante transformar parte disto em habitação. Repare, se a pandemia contribuísse para essa mudança, seria um efeito positivo no meio de tanta coisa negativa, que se transformassem alguns dos projetos hoteleiros em projetos residenciais.

Catarina Pires
É jornalista e mãe do João e da Rita. Nasceu há 49 anos, no Chiado, no Hospital Ordem Terceira, e considera uma injustiça que os pais a tenham arrancado daquele que, tem a certeza, é o seu território, para a criarem em Paço de Arcos, terra que, a bem da verdade, adora, sobretudo por causa do rio a chegar ao mar mesmo à porta de casa. Aos 30, a injustiça foi temporariamente corrigida – viveu no Bairro Alto –, mas a vida – e os preços das casas – levaram-na de novo, desta vez para a outra margem. De Almada, sempre uma nesga de Lisboa, o vértice central (se é que tal coisa existe) do seu triângulo afetivo-geográfico.
A uma entrevista especial e actual, uma jornalista de cinco estrelas! Que bem sabe ler estas linhas, corretas, deontologicamente agradável, positiva e sem sobranceria, claro! A Catarina continua a mimar-nos com a sua frontalidade e coerência e o Pedro Simas a dar a sua contribuição para tranquilizar as populações. Aos dois PARABÉNS.
Gostei muito dos dois… Pedro e Catarina
Gosto de Lisboa do rio se não morasse ao pé do rio neste momento que estamos atravessando seria mais difícil, passeio a beira rio nai há ninguem , há gaivotas falo com as gaivotas. Não sou de Lisboa , mas já vivo cá à maus tempo que na minha terra. Adoro viajar mas so aguento esta fora o maximo 15 dias. Adoro o sol de Lisboa o rio quando está lua cheia não ha igual. Estava farta do turismo qyando pensei issi alto no fua seguinte a cidade estava vazia, fiquei vom remorso. Ja não gostava de ir à baixa nso havia as coisas que eu gostava, is retroseiros as sapatarias. Nao me importo que não haja, não gosto de estar assim.
Sou Alentejana, e moro em Palmela. Gosto muito do meu Alentejo ….. mas quando vou a Lisboa, sinto FELICIDADE, adoro a cidade, atravessar o Tejo de barco, ir visitar os monumentos, percorrer as ruas a pé na nossa linda calçada, entrar nas lojas de comércio local que ainda mantém a tradição de antigamente. Um bem haja por este lindo texto que descreveu, também já trabalhei em Lisboa.
Depois de viver 35 anos no estrangeiro voltei para Portugal . Vivo na Ericeira , mas tanto aqui ,como em Lisboa, sinto uma grande tristeza com a descaracterizaçao que está a acontecer no nosso país. Será que as pessoas não se apercebem do que está a acontecer? Lisboa pertence aos Lisboetas e Portugal pertence aos Portugueses. Se assim não fôr, torna-se um lugar banal ,com comida de má qualidade, cheio de lojas de surf e souvenirs baratas. Entretanto as lojas icônicas de Lisboa vão fechando e cada vez mais estrangeiros vivem na cidade, tornando quase impossível para qualquer cidadão Português viver na capital. Turismo sim ,mas com responsabilidade e moderado. Salvem a alma de Portugal, só nós Portugueses é que o podemos fazer!