Às quatro e vinte seis da madrugada de 25 de Abril de 1974, a voz segura de Joaquim Furtado lê, aos microfones do Rádio Clube Português, e ao país, o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA). Maria Jorgete Teixeira, estudante e grávida, não o ouviu e, como fazia todas as manhãs, foi levar a filha Inês, que tinha um ano, à creche.

O testemunho de Maria Jorgete Teixeira, hoje com 74 anos, é o quinto da série “Lisboa que Amanhece”, que pediu o título emprestado a uma das canções mais bonitas sobre Lisboa, da autoria de Sérgio Godinho. Porque foi o que aconteceu naquele dia. Lisboa amanheceu e fez amanhecer o país todo.

Veja aqui o quinto episódio:

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Uma grávida na Revolução

Na altura com 24 anos, estudante de Direito mas suspensa indefinidamente devido ao envolvimento nas lutas estudantis e outras atividades subversivas, Maria Jorgete estava grávida de sete meses e tinha uma filha de um anoa 25 de Abril de 1974.

Vivia no sexto andar de um prédio no Lumiar, em Lisboa, e foi quando chegou à creche da pequena Inês, que ficava perto do quartel da EPAM (Escola Prática de Administração Militar), na Alameda das Linhas de Torres, e deu com a porta fechada que percebeu que alguma coisa estranha estaria a acontecer.

Tentou saber o quê no supermercado do bairro, que tinha um movimento maior do que o habitual para uma manhã de quinta-feira, mas não obteve respostas das pessoas que entravam e saíam esquivas e ensimesmadas.

“Parece que houve aí confusão”, disse-lhe uma, finalmente.

Que tipo de confusão ficou por esclarecer. Foi para casa e ligou a televisão. Também a programação televisiva estava estranha. Ligou a rádio e, enfim, a resposta à inquietação chegou através do comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA). A revolução estava nas ruas, mas o apelo era para que os civis permanecessem em casa.

Um aviso que deveria ser suficiente para deter uma mulher grávida. Mas isso não aconteceu.

Maria Jorgete Teixeira, hoje com 74 anos, residente no Barreiro, professora de português aposentada, escritora, militante do Bloco de Esquerda e dirigente da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta -, da Associação José Afonso e do Não Apaguem a Memória, consciente da sua condição de grávida de sete meses e com uma bebé quase de colo, a princípio obedeceu, mas depois de longas horas “de espera e ansiedade”, que ocupou costurando um saco de ganga a tiracolo e tentando sem sucesso apanhar alguém pelo telefone, não aguentou mais.

A euforia daquele dia

Tinha enfrentado a polícia nas lutas estudantis da Faculdade de Direito de Lisboa, pintado paredes, participado ativamente na oposição à ditadura e por isso “estava em pulgas, como se costuma dizer”.

“Afligia-me estar ali metida naquele apartamento e não saber o que se passava lá fora e então saí. Pedi à minha cunhada para ficar com a miúda e, apesar da minha barriga evidente, de sete meses, fui até à Baixa. Saí no Rossio e já havia aí muita gente. Sentia-se uma euforia coletiva.”

Gente a subir e descer a Rua do Carmo, num movimento contínuo que também Jorgete repetiu várias vezes, até ouvir tiros. A consciência de que não era apenas a vida dela que estava em causa, mas também a da filha por nascer, resolveu voltar para casa.

Consigo levava a certeza de que uma brecha tinha sido aberta e a liberdade, enfim, tinha chegado.

“O que eu senti que tinha ali acontecido era que a liberdade tinha surgido e todo aquele ambiente pesado de repressão tinha desaparecido, era um momento de uma explosão enorme, de um querer sorver aquele ar todo da cidade, aquela liberdade”.

“Lisboa que amanhece”: a série da Mensagem de Lisboa nos 50 anos do 25 de Abril

REVEJA AQUI OS OUTROS EPISÓDIOS DA SÉRIE “LISBOA QUE AMANHECE”:


Catarina Pires

É jornalista e mãe do João e da Rita. Nasceu há 49 anos, no Chiado, no Hospital Ordem Terceira, e considera uma injustiça que os pais a tenham arrancado daquele que, tem a certeza, é o seu território, para a criarem em Paço de Arcos, terra que, a bem da verdade, adora, sobretudo por causa do rio a chegar ao mar mesmo à porta de casa. Aos 30, a injustiça foi temporariamente corrigida – viveu no Bairro Alto –, mas a vida – e os preços das casas – levaram-na de novo, desta vez para a outra margem. De Almada, sempre uma nesga de Lisboa, o vértice central (se é que tal coisa existe) do seu triângulo afetivo-geográfico.


Inês Leote

Nasceu em Lisboa, mas regressou ao Algarve aos seis dias de idade e só se deu à cidade que a apaixona 18 anos depois para estudar. Agora tem 23, gosta de fotografar pessoas e emoções e as ruas são o seu conforto, principalmente as da Lisboa que sempre quis sua. Não vê a fotografia sem a palavra e não se vê sem as duas. É fotojornalista e responsável pelas redes sociais na Mensagem.


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