Nesta receita, há chocolate esfarelado, mas o açúcar… é o café. E cozinhar este brownie parece ser um exercício de paciência para os jovens à volta da bancada – porque cada ingrediente tem o seu tempo para entrar na batedeira e criar a espuma perfeita, e esse tempo é algo para que os tempos modernos não preparam. Mas cozinhar um brownie também pode ser um exercício de responsabilidade – até mesmo um doce pode continuar a sê-lo com ingredientes mais saudáveis.

São ensinamentos como estes que Luísa Mafei serve às colheradas. Esta chef de cozinha trouxe-os ao festival de cultural urbana, o Iminente.

Foi chamada ao bairro do Rego, nas Avenidas Novas, um dos cinco bairros onde o festival tem levado workshops nos últimos meses, para amenizar uma emergência mundial e local: a má alimentação.

Há vários anos que o festival tem posto os holofotes nas preocupações da cidade onde acontece – Lisboa. Este ano, assumiu que também a gastronomia pode ser a arte que salva.

Foto: Líbia Florentino

Portugal está no grupo de países mais afetados pela obesidade infantil. E embora as cantinas escolares estejam a caminhar para ementas cada vez mais ricas em nutrientes, em Lisboa hoje existem mais opções de fast-food ao redor das escolas. As crianças e jovens consomem mais alimentos fora de casa, principalmente de alto valor energético e com mais gordura saturada, o que terá, como se sabe, repercussões drásticas na sua saúde.

No bairro do Rego, brownie a brownie, na cozinha da associação do bairro Passa Sabi, Luísa Mafei explicou como “a cozinha afetiva” também pode ser “saudável”.

Este é um dos vários workshops que o Festival Iminente tem levado a cinco bairros de Lisboa, através do Projeto Bairros. Na Quinta do Loureiro (Vale de Alcântara), no PER 11, no PER 7 (Alta de Lisboa), no bairro do Rego (Avenidas Novas) e na Quinta do Lavrado (Vale de Chelas), artistas conceituados e emergentes juntam-se a crianças e jovens para uma partilha inédita de experiências e de transformação real, através da arte.

Vídeo: Líbia Florentino

Muito mais que saladas

“Queria trazer empratamentos muito bonitos, pratos sofisticados, mas depois pensei que deveria primeiro perguntar o que eles gostam de comer.” A resposta dos jovens correu entre hambúrgueres, bolos e chocolates. E Luísa soube que o importante era ensiná-los “que podemos continuar a comer a comida que amamos comer, mas em versões que sejam não só mais saudáveis, como mais sustentáveis, mais amigas do ambiente e dos animais”.

Disse logo: “‘Ninguém vai ter que comer alface ou abóbora”. Porque comer bem “é muito mais que saladas”. E, no dia em que os visitamos, estavam a preparar o tal brownie.

O brownie que é, aqui, o que Luísa chama de “cozinha afetiva”: aqueles alimentos e pratos que nos dão conforto ou que associamos à nossa cultura. O desafio é como recriá-la com alimentos tão saudáveis e saborosos quanto possível.

Fotos: Líbia Florentino

De atriz a chef

A relação de Luísa com a comida está intimamente ligada com um período de transtornos alimentares pelo qual passou. A brasileira natural de São Paulo, agora com 36 anos, começou a cozinhar quando ainda era atriz – fez uma conversão de carreira há mais ou menos sete anos – e enquanto iniciava o “caminho de cura”.

No processo de recuperação, a ciência não era simples, mas a lista de ingredientes era sempre a mesma para o melhor resultado possível: uma alimentação à base de vegetais, que decidiu estudar profundamente, e até de forma académica.

Num site e no seu Instagram, criou o projeto Cozinha Afetiva, “numa tentativa de recriar os pratos afetivos da memória mas em versões à base de vegetais”. Dá workshops, faz consultoria, partilha receitas e, nesta página, ensina sobre vegetais que nem sempre encontramos nos supermercados mas que existem no nosso país – “já cozinhou flor de courgete?”, perguntava há dias aos seguidores.

Em 2018, reencontrou o namorado de infância, com quem começou a pensar mudar de país: o cunhado já por cá andava, por Lisboa, mas foi quando um restaurante português respondeu ao currículo de Luísa que ela decidiu atracar na capital portuguesa.

Era para ser uma experiência de apenas um ano, mas desta vez Luísa não mediu bem a dose dos ingredientes: está cá há cinco. E agora fez a diferença no Iminente.

O Festival Iminente, com a edição Iminente Takeover, acontece nos dias 14 e 15 de outubro, no Terreiro do Paço, com entrada livre. Consulte aqui o cartaz.
A Mensagem é parceiro oficial.


Catarina Reis

Nascida no Porto, Valongo, em 1995, foi adotada por Lisboa para estagiar no jornal Público. Um ano depois, entrou na redação do Diário de Notícias, onde escreveu sobretudo na área da Educação, na qual encheu o papel e o site de notícias todos os dias. No DN, investigou sobre o antigo Casal Ventoso e valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020. Ajudou a fundar a Mensagem de Lisboa, onde é repórter e editora.

catarina.reis@amensagem.pt


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