Muita tinta correu e muito mudou no projeto de renda acessível previsto para o Alto do Restelo e publicamente apresentado pela Câmara Municipal de Lisboa há dois anos. Ali estariam para nascer nove torres de habitações com preços que se acredita estar à medida dos bolsos dos lisboetas que não estão a encontrar solução no mercado de arrendamento. Mas o projeto foi sendo alterado em resposta às preocupações dos residentes desta zona que há muito não via surgir nada de tamanha envergadura.

Este loteamento prometia trazer à zona mais densa da freguesia cerca de 1400 novos residentes e um crescimento de 8,4% na população de Belém. E isso parecia significar demasiada altura, demasiados prédios, demasiada gente, pouco estacionamento, poucos transportes e falta de equipamentos para servir a população. As queixas multiplicavam-se e subiam de tom.

Agora, após as alterações que foram aproximando o loteamento às reivindicações da população e depois de uma alteração de modelo, que tornou o projeto de promoção totalmente municipal, a concretização no terreno parece estar refém da divulgação de um relatório municipal que teima em não sair.

No momento em que se questiona o compromisso da câmara com o processo de loteamento para o Alto do Restelo, o município prepara alterações ao modelo de concessão a privados, dando passos atrás, agora vertidos para o modelo inicialmente escolhido para este projeto. E a Câmara Municipal de Lisboa tem sido acusada pela oposição de abandono do projeto.

O município, após a apresentação pública do projeto de loteamento, abriu a discussão do futuro do território à população. Gonçalo Matos, coordenador e fundador do núcleo Vizinhos de Belém, esteve, desde o início, envolvido nas várias fases de participação pública do projeto e considera que a discussão ali nascida teve o dom de “combater o défice de participação grande” verificado na freguesia.

Garante que as pessoas reconhecem os avanços feitos e acredita que “o projeto não vai ser abandonado”. O que agora pode acontecer, refere, é uma alteração “por decisão política”. Essa alteração poderá ocorrer tanto na morfologia do loteamento, como no modelo escolhido para a produção de habitação acessível.

Recorde-se que, de acordo com a Carta Municipal de Habitação, apresentada no passado mês de fevereiro, a promoção de habitação a custos acessíveis em Lisboa faz-se a partir de três modelos diferentes: através de parcerias com privados, em que o município cede direitos de superfície para construção com a garantia de construção de uma percentagem de fogos com rendas acessíveis, através de promoção exclusivamente pública e através de incentivos fiscais a privados.

Atualmente, a freguesia de Belém, a que pertence o bairro do Restelo, é das que tem menos oferta de habitação municipal entre as 24 freguesias da cidade. Fonte: Carta Municipal de Habitação/CML

“Vedado e baldio não faz falta”

“Se há muitos pormenores que dividem opiniões, há uma coisa que une toda a gente: vedado e como baldio, não faz falta”, atira Gonçalo Matos.

E assume que o potencial da zona está a ser desperdiçado.

Num raio de 300 metros, encontramos a Escola Secundária do Restelo, a piscina municipal, uma igreja, uma repartição das finanças, uma farmácia, um espaço espaço verde de grandes dimensões, lojas e a recém inaugurada unidade de saúde do Restelo, uma estrutura projetada para o futuro, com capacidade para mais de 15 mil utentes e capaz de acolher a procura atual e futura da freguesia.

A azul, a área ocupada pelo loteamento do projeto de renda acessível para o Alto do Restelo. Para a área a azul, está previsa a construção de 391 fogos de renda acessível. Acima desta área, está prevista a construção de dois edifícios fora do loteamento, totalizando 69 fogos habitacionais de renda acessível. Fonte: Google Earth

No Plano Diretor Municipal da cidade, a zona do Alto do Restelo é definida como Polaridade Urbana – ou POLU. Trata-se de uma área “com elevada acessibilidade por transporte público, onde se preconiza um modelo compacto de ocupação do território e a localização de funções urbanas de maior centralidade”.

Assim, em 2021, depois de surpreendidos com o anúncio da construção de nove edifícios e de mais de 600 fogos habitacionais numa zona de baldio e na área mais densamente povoada do bairro, foram vários os moradores a organizar-se e a forçar a discussão pública do projeto. 

Mais estacionamento, mais espaços verdes, menos construção mas mais rendas acessíveis

A volumetria, que preocupava os moradores na proposta inicial, era já inferior ao máximo permitido pelo Plano Diretor Municipal (PDM). Para o loteamento 8, que ocupa o vazio urbano delimitado pelas Rua Gregório Lopes, Avenida da Ilha da Madeira e Rua Mem Rodrigues, previa-se um volume de edificabilidade de 1,7, quando o valor máximo permitido pelo PDM é de 2.

Desde então, houve duas propostas de alteração: a primeira previa um índice de edificabilidade de 1,3 e a última 1,1 – representando uma diminuição de 31% da edificação daquele terreno.

Segundo o último relatório referente ao primeiro processo de consulta pública, publicado em abril de 2022, os níveis agora previstos para o Alto do Restelo são “iguais ou inferiores aos índices verificados na envolvente próxima”.

Na altura, a volumetria e a altura dos edifícios propostos também levantavam dúvidas de compatibilização da proposta de loteamento com o sistema de vistas do município. A vista a partir do miradouro do Parque Recreativo dos Moinhos de Santana sobre a foz do rio Tejo é uma de 85 que o PDM da cidade protege. Se, na altura, a Câmara Municipal de Lisboa garantia já que os prédios para ali previstos, alguns com 15 andares, garantiam a preservação da vista, a realidade é que agora este potencial conflito terá desaparecido por completo com a redução da altura dos edifícios propostos no projeto de loteamento.

O que mudou desde a primeira versão do loteamento?

Da consulta pública e da alargada discussão forçada pelos moradores, resultaram grandes alterações. Os prédios, que antes tinham 15 andares, mingaram e passaram para menos de metade, acomodando aquela que era a maior preocupação ouvida durante o período de auscultação da população – a volumetria.

Apareceu a promessa de mais estacionamento, mais espaços verdes, menos residentes, mas mais rendas acessíveis.

Hoje, está ainda por resolver uma das grandes reivindicações: a aposta na rede de transportes públicos, de forma a procurar reduzir a dependência automóvel e a pressão que existe ao nível da infraestrutura viária. Para ali, promete-se a chegada de uma linha de metro ligeiro de superfície, mas ainda não há garantias.

À esquerda, simulação visual da primeira proposta de loteamento para o Alto do Restelo. À direita, a terceira e última proposta de loteamento. Usar botão circular no centro para deslizar entre as simulações e verificar as diferenças entra a primeira e a última versões.
  • De 629 fogos para 460 (-27%)
  • De 400 casas de renda acessível para 460
  • De 1384 novos habitantes para 1012
  • Redução do número máximo de pisos, de 15 para 6/7
  • Criação de 510 novos lugares de estacionamento (316 em cave) e manutenção dos existentes atualmente
  • Construção de duas creches, com capacidade para 168 crianças
  • Construção de dois pavilhões desportivos: um afeto à Escola Secundária do Restelo, para uso partilhado com população e modalidades amadoras do clube Belenenses, e outro no terreno entre a Rua Gregório Lopes e Rua Antão Gonçalves, para usufruto público e das modalidades amadoras do Belenenses
  • Construção de centro de dia com capacidade para 60 pessoas
  • Construção de centro cívico, com biblioteca e sala de conferências/teatro
  • Integração do metro ligeiro de superfície no projeto (LIOS Ocidental), reformulação da rede viária, criação de ciclovias e percursos pedonais e de zona de coexistência no corredor do LIOS, na Rua Antão Gonçalves
  • Redução da área de habitação, de 39870 metros quadrados para 32777 metros quadrados
  • Redução da área de comércio, de 7201 metros quadrados para 2699 metros quadrados, com eliminação de grande superfície (supermercado) para “privilegiar o comércio local”
  • Aumento da área de equipamentos, de 4690 metros quadrados para 5419 metros quadrados
  • Aumento da área de espaços verdes e pedonais, de 24919 metros quadrados para 26469 metros quadrados

Para Gonçalo Matos, as visões da autarquia e dos moradores têm vindo a aproximar-se.

Se, numa fase inicial, “a falta de informação, o ruído que se gerou, dificultou um pouco a parte de ver o lado positivo” e dificultou a aproximação da população ao projeto, o representante do grupo de vizinhos afirma que, com a progressão do processo participativo, “a animosidade foi decrescendo, também porque começou num auge muito grande”.

“Penso que estamos perto de fechar a questão do loteamento”, diz, afirmando que “as pessoas conseguem reconhecer o avanço” nas negociações e sublinhando os ganhos alcançados na multifuncionalidade do projeto de loteamento.

Questionado sobre o lado positivo do processo de consulta pública, Gonçalo não tem dúvidas: “enquanto inicialmente tínhamos um projeto que acentuava o caráter de dormitório do Alto do Restelo, em que a percentagem da habitação era muito predominante, fomos introduzindo equipamentos e funcionalidades que equilibraram o uso de habitação com o uso de equipamentos e comércio”.

Mapa com os equipamentos já existentes e previstos no âmbito do loteamento do Alto do Restelo. Fonte: CML

Por agora, a grande reivindicação do Vizinhos de Belém para o avanço do projeto que não deu ainda garantias de materialização prende-se com a concretização do LIOS Ocidental, a linha de metro de superfície que vai ligar Carnaxide, em Oeiras, a Alcântara – e às linhas de Cascais e de Cintura, bem como com à linha vermelha do metropolitano, com expansão anunciada para ali.

Numa altura em que o traçado já está finalizado e após negociações entre a Metropolitano de Lisboa e as autarquias de Lisboa e Oeiras, o grupo de vizinhos da freguesia de Belém receia que o projeto do LIOS não encontre financiamento que garanta a sua concretização. “Tem de haver um esforço claro para que [o projeto] não morra na praia. Morrer na praia é ficar sem financiamento e não há, neste momento, um compromisso”.

Ponto de situação: “Estamos no momento certo”, mas quais os planos autárquicos?

Gonçalo Matos considera que este é o “momento certo” para avançar. “Penso que o executivo não exclui este ano resolver o assunto de alguma forma. Temos pena é que o processo não seja mais rápido. Estamos com o distanciamento eleitoral, que já se provou ser fundamental para discutir mais abertamente, corrigir os erros, sem parecer que estamos a arranjar algum tipo de solução para eleições. Foi o que contaminou, de parte a parte, a discussão”.

Apesar da impressão positiva revelada pelo fundador do grupo Vizinhos de Belém, muitas têm sido as críticas à Câmara Municipal de Lisboa, acusada pela oposição de abandono do projeto. Pedro Anastácio, vereador do PS, fala mesmo no cancelamento do projeto por parte da autarquia.

Durante a apresentação da Carta Municipal de Habitação, o presidente da CML, Carlos Moedas, afirmou estar a ser trabalhada uma revisão do modelo de concessão no âmbito do Programa Renda Acessível (PRA), depois de os concursos para a construção de habitações acessíveis no modelo de concessão a privado previstos para Benfica e Parque das Nações não terem sido adjudicados, por ter sido considerado pelo júri que as propostas apresentadas no concurso público não se revelaram “aptas para adjudicação”.

Apesar do momento de ponderação da política de produção de habitação acessível da cidade, a vereadora com a pasta da habitação, Filipa Roseta, garante que o projeto do Alto do Restelo não foi abandonado pela câmara municipal, esperando-se agora os resultados do último período de consulta pública.

Novo modelo de habitação?

Depois da primeira fase de auscultação pública, em junho de 2021, que contou com 568 contributos de cidadãos e várias entidades, o projeto de loteamento do Alto do Restelo sofreu, em julho desse ano, uma mudança no modelo de produção de habitação.

Passou, por proposta do PCP, de um modelo de concessão a privados, em que seriam construídos 629 fogos habitacionais, sendo 64% desses de renda acessível (400) e os restantes 229 colocados no mercado livre, para um modelo de produção de habitação exclusivamente municipal. Ou seja, o loteamento deixou de integrar o Programa de Renda Acessível (PRA) para integrar o Programa de Arrendamento a Custos Acessíveis (PACA) da CML.

Entretanto, o projeto de loteamento, que foi desenvolvido pela Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), esteve na programação da empresa municipal para 2022 a conclusão da fase de estudo prevista para 2024. No relatório de atividades de 2023, o loteamento do Alto do Restelo continua a constar das atividades previstas, com um orçamento de 50 mil euros, mas deixa de constar a referência ao lançamento do concurso de projeto.

Segundo o relatório publicado pela CML, a autarquia reuniu em julho de 2021 com representantes do Vizinhos de Belém, da Associação de Moradores e Amigos das Freguesias de Santa Maria de Belém e São Francisco Xavier (AMBeX) e do Grupo de Moradores, tendo estas entidades dado conta de “que o projeto se aproximaria daquilo que é o entendimento da população local” no caso de serem incorporadas três reivindicações chave: a redução do índice de edificabilidade, a redução do número médio de pisos para seis e a redução da superfície de pavimento de habitação e o aumento da superfície destinada a outros usos.

Assim aconteceu, considerou, na altura a CML, com a proposta de loteamento aprovada a 30 de julho de 2021. Os vizinhos confirmam essa aproximação.

“Foi-se dando a devida importância ao projeto através da exigência que as pessoas colocaram. À medida que as pessoas se foram apercebendo da oportunidade que isto pode representar para o Alto do Restelo, foram trabalhando nesse sentido”

GONÇALO MATOS

O “relatório que não sai” e um projeto empatado

Já em 2022, de 17 de maio a 26 de junho, foi lançado o segundo período de consulta pública. É o relatório de ponderação deste período o documento em falta que permitirá dar continuidade ao processo de loteamento.

Ana Jara, vereadora na Câmara Municipal de Lisboa eleita pelo PCP, sublinha que sem a divulgação do relatório da última fase de consulta pública, “o presidente não pode dizer que a população foi contra”.

Por agora, o processo parece estar preso por um relatório que ainda não saiu.

“O projeto tem toda a capacidade de seguir. Está preso por um relatório de ponderação que não sai”. Ana Jara afirma que é o relatório do último período de consulta pública a “prender” o avanço do loteamento do Alto do Restelo.

 “É um projeto que está feito, definido, chegar àquele grau de definição levou tempo, foi um investimento técnico da câmara. É uma oportunidade que está a ser desperdiçada”, afirma a vereadora.

Ana Jara encontra nas duas etapas de consulta pública um projeto que “mudou drasticamente – e bem. Tem muito menos volumetria, tem um urbanismo mais cuidado” e incorpora hoje “uma promessa de tratamento das questões dos equipamentos necessários para acolher na freguesia a população que viria preencher aquele loteamento com mais famílias”.

A vereadora aponta o facto de “até hoje não termos relatório de ponderação da participação” como o principal entrave ao avanço do PACA do Alto do Restelo e considera que a demora na divulgação do documento “indicia uma forte negligência da parte de quem detém os poderes em conduzir o processo”.

Uma vez tornado público, o processo deverá tomar o rumo “que o relatório ditar – é uma ponderação que é a posição da população”.

A Mensagem colocou um conjunto de seis questões à Câmara Municipal de Lisboa e ao gabinete da vereadora do Urbanismo, Joana Almeida, sobre o calendário previsto para a divulgação do relatório, o atual estado do projeto de loteamento e eventuais alterações ao mesmo, tendo recebido a seguinte resposta:

“A Câmara Municipal de Lisboa continua a analisar o projeto de loteamento do Alto do Restelo. A mais recente participação pública foi um momento muito importante e registou-se um volume elevado de contributos, com uma percentagem significativa de contributos de oposição ao projeto. Todos os contributos estão a ser ponderados para se encontrar a melhor solução possível.”
CML

Apesar de ainda não haver uma previsão relativamente à publicação do relatório de ponderação da última consulta pública, Gonçalo Matos acredita que este sairá “ainda neste primeiro semestre” e que “o resultado da consulta pública não pode ser mais objetivo”.

Gonçalo Matos, fundador e coordenador do grupo Vizinhos de Belém, núcleo local da associação de moradores Vizinhos de Lisboa, participa nos processos de consulta pública do loteamento do Alto do Restelo desde o início. Acredita que este “é o momento certo para avançar” e explica à Mensagem a existência de uma aproximação gradual entre a proposta do município e as reivindicações dos moradores para aquele território. Foto: Rita Ansone

“Da nossa parte, segue-se disponibilidade total para discutir diferentes visões, mas sempre com a coerência que houve até agora: um projeto multifuncional, como este foi crescentemente chegando lá, um projeto que represente uma oportunidade para justificar outros investimentos e que traga mais qualidade de vida aos moradores que cá estão, ao ponto de estar perfeitamente capaz de atrair novos.”

GONÇALO MATOS

Apesar de o atual executivo, liderado por Carlos Moedas, não garantir um horizonte temporal para o avanço do processo de loteamento e de salientar a existência de “uma percentagem significativa de contributos de oposição ao projeto”, Gonçalo Matos não tem dúvidas de que o processo vai avançar.

Considera que o desenho e os elementos atualmente propostos na última versão conhecida da proposta de projeto de loteamento podem estar próximos da versão final do loteamento, mas sinaliza a possibilidade de serem ainda efetuadas mudanças na morfologia do projeto e no modelo de produção de habitação acessível.

Para que o projeto se concretize – tratando-se atualmente de um modelo de produção de habitação exclusivamente público orçado em 80 milhões de euros – Gonçalo acredita que o modelo teria de mudar para garantir uma execução rápida do projeto, mas lembra que “a câmara tem sempre a hipótese de se endividar”. Caso não o faça, sugere uma execução por fases, “quase edifício a edifício”.

Agora, diz, aguarda-se “uma decisão política”.

Recorde-se que este ano, o orçamento total do município para a habitação é de 122,3 milhões de euros.

Prioridade da câmara noutros territórios?

“Podíamos fazer um bairro no Restelo, mas vamos fazer um bairro no Beato, um sítio marcado pela criminalidade e pela droga”. Estas são declarações da vereadora da habitação, Filipa Roseta, numa alusão recente ao estado do loteamento do Alto do Restelo.

Para Ana Jara, indiciam a escolha de uma visão política para a intervenção na habitação em Lisboa. A vereadora do PCP não se revê, contudo, na posição de Filipa Roseta. 

“Uma coisa não exclui a outra. Nós podemos reabilitar os bairros e construir de novo no Restelo. Não precisamos de reabilitar os bairros e esquecer o Restelo. A câmara tem territórios por urbanizar, como no Restelo e em outras partes da cidade. São recursos à disposição da câmara, como serão os bairros municipais com alguns lotes que não estão construídos. Tudo faz parte de uma estratégia. Uma coisa é produzir diversidade social, dar direito à habitação a famílias que neste momento não têm direito à habitação em Lisboa, outra coisa é reabilitar os bairros municipais.”

ANA JARA

Para Ana Jara, pode estar em causa uma questão de “programação do ponto de vista social – o critério das famílias que ali passam a residir – isso foi um problema levantado por alguns”.

“Não sei se é ainda um problema levantado por alguns, nomeadamente por quem tem capacidade de executar esta política. Isto parece-nos ser a questão maior. Que aquilo deve ser construído, já me parece que não é uma questão. Agora, aquela população para aquela freguesia é que é uma questão”, diz, referindo-se ao facto de o Alto do Restelo ser atualmente caracterizado por preços elevados no mercado imobiliário.

A solução está num Plano de Pormenor para o Alto do Restelo?

A existência de uma linha orientadora do desenvolvimento daquele território poderia ter evitado toda a crispação e divisão criados pela apresentação do projeto de loteamento há dois anos. É, pelo menos, nisso que Gonçalo Matos acredita.

Considera que no momento de apresentação do projeto “não foram geridas as expectativas”. “Ainda hoje não estão geridas. Quando se espera nada, é muito difícil aparecer com algo verdadeiramente revolucionário sem preparar as pessoas sobre aquilo que pensam do seu próprio território. Ao nível do urbanismo, isso faz-se, por exemplo, com um Plano de Pormenor, que envolva as pessoas na sua conceção.”

Sobre a reação inicial adversa dos moradores, Gonçalo acredita que o “conflito mediático” aconteceu quando, “sem nenhuma perspetiva de que algo aconteça, [os moradores] se confrontaram com um projeto com 15 dias de discussão, para aprovar a escassos meses de eleições autárquicas e no qual, de início, não viam o enquadramento geral”.

O terreno em processo de projeto de loteamento, delimitado pelas ruas Gregório Lopes, Avenida da Ilha da Madeira e Rua Mem Rodrigues, encontra-se vedado. Foto: Rita Ansone

Antes ainda de passar pelo processo de loteamento, Gonçalo Matos gostava que o futuro do território tivesse sido pensado de uma forma estruturada através da construção de um instrumento urbanístico.

Para ali, diz, falta um Plano de Pormenor do Alto do Restelo, capaz de diagnosticar as “necessidades” do território, ou uma Área de Reabilitação Urbana (ARU), “semelhante à que há no Parque das Nações, também a propósito do Programa de Renda Acessível, e em que se diga muito claramente quais os compromissos da câmara para o futuro aqui, incluindo, nesses compromissos, a construção deste empreendimento”.

O grupo Vizinhos de Belém garante que os moradores não querem perpetuar a existência do vazio urbano que existe na freguesia e querem ajudar a dar um destino ao terreno, com a criação de habitação acessível e a multifuncionalidade negociada com a autarquia, o mais rapidamente possível.

“Se há uma nova visão para aqui, para o nosso território, vamos discuti-la. Não vamos é deixar as coisas acumularem-se indefinidamente no tempo. Esta freguesia é uma gaveta cheia de projetos e nós não queremos ter aqui uma oportunidade perdida que sirva para justificar a apatia, a falta de investimento. E muito menos sermos nós o bode expiatório dessa inação. Não somos e não seremos”

GONÇALO MATOS

Frederico Raposo

Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.

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