Foto: Rita Ansone

Não se definem de esquerda nem de direita, “que é uma coisa que faz muita confusão às pessoas, que querem sempre pôr tudo em gavetas”. “Olhamos mais para a dicotomia conservadores-progressistas”, explica Tiago de Matos Gomes, ex-jornalista e dirigente do partido Volt em Portugal. E é neste último núcleo, o dos progressistas, que dizem encaixar-se.

É provável que qualquer um de nós já se tenha cruzado com esta onda roxa. A cor de alguns cartazes espalhados pela cidade e a cor com que foram tingidas camisolas do grupo das arruadas – a chamada campanha de rua. Nestes cartazes, as caras dos candidatos surgem sempre a preto e branco, anunciando aquela que é a premissa do Volt: “O que importa não são os candidatos, são as ideias”.

Estas são as primeiras eleições autárquicas de um partido apenas constituído como tal em junho de 2020, em Portugal, mas que já conta com um eurodeputado alemão – Damian Boeselager.

Um partido que sai para “beber copos” com os eleitores

Em tudo procuram romper com a política tradicional, diz o candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Tiago de Matos Gomes, 46 anos, ex-jornalista, frisa que “os partidos moderados, no início da democracia, foram fundamentais para o estabelecimento dela e deram resposta às necessidades prementes de um país que sai de uma ditadura para uma democracia e, portanto, de certa forma, devemos muito ao PS, ao PSD, ao PCP, ao CDS, por termos uma democracia relativamente saudável”. Mas, “ao longo do tempo, têm vindo a perder a capacidade de perceber os problemas das pessoas”.

Tiago de Matos Gomes, dirigente do Volt Portugal. Foto: Rita Ansone

Isso e “a funcionar muito à século XX”. Quer com isto dizer: fazem campanha “em 2021 como se fazia em 1980”, com outdoors a encher a cidade: “Sete ou oito no Marquês de Pombal, uma zona nobre de Lisboa”. Para o candidato, não é mais do que “poluição visual”.

Então, como é que o Volt faz campanha? Nas ruas, durante o dia, em visita aos residentes e trabalhadores da cidade. Mas sobretudo quando o sol se põe, sentados às mesas dos bares do centro, “a beber copos com as pessoas”, “a falar com elas de forma descontraída, sem formalismos”.

A estratégia é óbvia: apanhar a camada mais jovem, na sua maioria afastada da política – são os jovens entre os 18 e os 30 anos quem menos vota em Portugal. Por isso ficaram conhecidos como o “partido Erasmus”. “Isso vem do estereótipo de que a malta do Volt é toda jovem, universitária, com curso superior, classe média ou média-alta e que viaja muito pela Europa – é verdade em parte, mas esta não é a maioria dos membros do Volt em Portugal”, responde o candidato.

Recusam-se a ser “o partido dos jovens”, ainda que admitam que trabalham para os representar e finalmente trazê-los para as urnas. Tiago de Matos Gomes diz que pessoas de gerações mais antigas são “muito úteis” à sua causa, “porque a experiência é fundamental nestas coisas”.

O partido está agora a caminho dos 250 membros. Chegam “pela causa da Europa”, a grande bandeira da criação do Volt, mas também “pela questão ambiental [combate às alterações climáticas] e pelos valores da inclusão”.

Tudo começou com o Brexit

Reino Unido, 23 de junho de 2016. Um referendo sobre a permanência do país na União Europeia dividia opiniões e gerava debates por todo o mundo. Era o início do Volt. Nas trincheiras, guerrilhavam a vontade de sair e ficar, esticando entre si uma corda que rompeu já fora da Europa: se viajar de Lisboa para o Reino Unido, a partir de outubro deste ano, só com passaporte; este país está fora da UE.

Foi muito antes de ser conhecido o desfecho deste capítulo que três amigos de longa data, preocupados com o extremismo e populismo que o Brexit estava a trazer para cima da mesa, decidem criar uma plataforma política. Um alemão, Damian Boeselager, um italiano, Andrea Venzon, e uma francesa, Colombe Cahen-Salvador. Três jovens pan-europeus, com ideais federalistas.

Ainda sem pretensões de tornar o Volt um partido, agiram com uma certeza: queriam fazer qualquer coisa para combater nesta guerra.

Começaram em páginas no Facebook para juntar vários europeus, primeiro nos países respetivos. Foi na Alemanha que a iniciativa “começou a ganhar grande tração”, o que o dirigente do Volt em Portugal justifica dever-se ao histórico e consequente “grande apego à liberdade” deste país. Em março de 2017, é formalizado o movimento.

Entretanto, Tiago de Matos Gomes marcava outros caminhos, embora também pela Europa. Por esta altura, integrava um movimento pan-europeu chamado “Stand up for Europe”.

Se tivesse que importar algum exemplo do resto da Europa para Portugal, Tiago de Matos Gomes diria “o civismo e cuidado com o espaço público”

A ligação aos valores europeístas, diz, germinou aos 16 anos, na Escola Europeia de Bruxelas, onde fez o ensino secundário, até aos 19 anos. Filho de pai militar, antigo representante diplomático do Exército Português na NATO, viu-se obrigado a trocar Lisboa, onde nasceu, por uma outra capital.

Apesar do cargo ocupado pelo pai, diz que em nada foi influenciado por ele na sua visão política. Era “neutro”, devido ao seu posto diplomático, e não fazia questão de discutir política, mesmo sendo irmão de um capitão de Abril. Pelo contrário, a mãe, assistente social de profissão, já o terá influenciado mais.

O candidato estudou três anos em Bruxelas durante a adolescência e diz ter sido fundamental para a visão europeísta que hoje tem. Foto: Rita Ansone

Mas onde a Europa ganhou força nos seus valores atuais foi na escola que frequentou em Bruxelas, diz. “Foi a convivência, perceber que os europeus são muito mais parecidos do que aquilo que julgam” e a união que as gerações mais novas assumiam, mesmo perante o histórico de guerra e discórdia dos pais e avós.

Tiago de Matos Gomes recorda uma aula de História para explicar do que fala: “Lembro-me de estarmos a falar sobre Segunda Guerra Mundial, uma aula dada por um professor escocês. Ao meu lado, tinha colegas alemães e franceses, cujos avós tinham estado no exército nazi ou na resistência francesa contra os nazis. E os netos eram amigos, saíam da sala e iam brincar para o recreio juntos, jogar à bola ou beber copos. Percebi, na prática, que uma Europa unida é possível, mesmo com culturas e histórias diferentes. Mais tarde, percebi que a Europa não fazia sentido funcionar como agora. Por isso é que sou federalista.”

Voltou a Lisboa já como estudante universitário, para se formar em Ciências da Comunicação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Exerceu jornalismo durante 20 anos no Diário de Notícias. Até que o Volt acontece. 

Em novembro de 2017, uma amiga apresentou-o a um italiano que lhe falou do Volt, com a intenção de o trazer para Portugal pelas mãos de Tiago. Resistiu até Andrea Venzon (um dos fundadores) vir a Portugal e o convencer de que “era um partido com futuro”.

Lisboa mais verde, mais inclusiva e preparada para “o grande sismo”

Da Europa para Portugal, o Volt concorre nas eleições autárquicas à presidência de três municípios: além de Lisboa, Porto e Tomar. Esta é a primeira prova de fogo do partido. Embora o candidato Tiago de Matos Gomes admita ser uma espécie de “ano zero”, o ano para enraizar o nome do partido no país e dar a conhecer os seus ideais.

Há cerca de 20 páginas de propostas para Lisboa. Querem menos carros, redução do limite de velocidade em toda a cidade, mais ciclovias e uma rede de transportes públicos pensada a nível metropolitano e não só municipal. Para eles, Lisboa precisa de reduzir as podas das árvores, plantar mais e implementar com urgência a ZER (Zona de Emissões Reduzidas). Querem mais investimento na habitação para os sem-abrigo e um programa de reconhecimento das qualificações profissionais dos refugiados.

Equipa do Volt em descanso, depois de uma arruada junto ao Mercado de Benfica. Da esquerda para a direita: Rebeca Gradíssimo (candidata à Junta de Freguesia da Penha de França), Tiago de Matos Gomes (presidência da CML), Miguel Macedo (Assembleia Municipal) e Luís Almeida (Junta de Freguesia da Estrela). Foto: Rita Ansone

São ambientalistas e acreditam que o debate sobre o combate às alterações climáticas na cidade ficou aquém nesta campanha. “Falou-se muito de ciclovias, mas nunca pelo lado do ‘porquê’. Porque é que precisamos de ciclovias? Quando não se explica, as pessoas reagem mal”, diz o candidato à presidência.

E, sobre ciclovias, Tiago não tem dúvidas: a sua implementação é para continuar, combinada com melhores transportes públicos.

“Falou-se muito de ciclovias, mas nunca pelo lado do ‘porquê’. Porque é que precisamos de ciclovias? Quando não se explica, as pessoas reagem mal”

Tiago de Matos Gomes, candidato do Volt

Diz andar muito a pé pela cidade, a partir da zona onde mora, a freguesia da Estrela, e ser adepto de transportes públicos e partilhados. Conta que tem um carro na garagem para viagens mais longas e que há meses em que não o vê, sequer.

Reconhece, porém, ser “um privilegiado por viver no centro de Lisboa” e poder assumir este estilo de vida. “Eu sei que uma pessoa que mora em Massamá, no Cacém ou no Seixal tem muito mais dificuldade para vir trabalhar para Lisboa e que é muito mais prático vir de carro. E é preciso pensar de forma metropolitana. As pessoas ficam muito espantadas quando eu digo isto, mas Lisboa não é o concelho de Lisboa. Lisboa é a sua área metropolitana e é assim que a sua política deve olhar para ela”, afirma.

Mas nem só as alterações climáticas ficaram esfumadas desta campanha, diz. No debate com os restantes candidatos, na RTP e na Antena 1, chamou a atenção para um tema que também gostaria de ver mais discutido: o risco sísmico a que Lisboa está sujeita. “São os políticos a não querer falar de coisas desagradáveis, porque não dá votos. Não acredito que Carlos Moedas ou Fernando Medina não achem este um assunto importante. Não querem é assustar as pessoas.”

Tiago de Matos Gomes fala da urgência em apresentar propostas mais concretas. Como a calendarização de simulacros sísmicos, a implementação de novas soluções construtivas e a criação de uma equipa técnica municipal para prestar apoio à população.

Leia aqui o programa eleitoral do Volt:

Durante a campanha, confessa, reforçou uma outra missão: combater a pobreza energética em Lisboa. “Foi um dos temas que mais me chocou. Falei com uma senhora que estava em pânico com o frio que ia sofrer este inverno, que ia estar mais frio na sua casa do que se dormisse na rua. É inconcebível que isto aconteça numa capital europeia”, remata.

Se tivesse que importar algum exemplo do resto da Europa para Portugal, diria “o civismo e cuidado com o espaço público”. Ter jardins limpos, atenção ao detalhe. E aponta para o ambiente aqui, no movimentado Jardim da Estrela, onde decorreu a entrevista. Educar os cidadãos é por via do exemplo, acredita: “Quando já está sujo, não te importas de sujar mais um bocado, é só mais um papel no meio de 600. Mas quando vês uma rua limpa tens vergonha de deitar um papel para o chão”.

A isto chama “humanizar a cidade”.

Tudo o que precisa de saber sobre as eleições autárquicas 2021

As eleições ocorrem dia 26 de setembro, este domingo. Nas urnas, ser-lhe-ão distribuídos três boletins de voto. Saiba aqui para que serve cada um.

Se ainda não sabe o local onde irá votar, pode consultar através deste link ou enviando um SMS para o 3838 com RE (ESPAÇO) Número de Identificação civil (ESPAÇO) Data de Nascimento, no formato AAAAMMDD – Por exemplo: RE 987897987 20021225

Não sabe em quem votar? Consulte aqui o resumo de outros programas eleitorais


Catarina Reis

Nascida no Porto, Valongo, em 1995, foi adotada por Lisboa para estagiar no jornal Público. Um ano depois, entrou na redação do Diário de Notícias, onde escreveu sobretudo na área da Educação, na qual encheu o papel e o site de notícias todos os dias. No DN, investigou sobre o antigo Casal Ventoso e valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020. Ajudou a fundar a Mensagem de Lisboa, onde é repórter e editora.

catarina.reis@amensagem.pt

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