A cidade voltou a tremer. O sismo de Lisboa de 3.4 na escala de Richter sentido esta semana foi muito leve, durou apenas segundos e não deixou rasto de danos para trás. Mas é sempre um susto para os lisboetas a quem lembra catástrofes passadas e a previsão mais que certa de que haja um, a sério, no futuro. Só a prevenção pode servir de arma, dizem os especialistas, os mesmos que sabem que nem a ciência conseguirá prever data ou consequências.

É por isso que desde há uns tempos uma equipa de especialistas está a trabalhar com a Câmara Municipal de Lisboa num programa de prevenção onde se inclui um indicador de vulnerabilidade sísmica. Ou seja, uma escala que dirá aos lisboetas qual o grau de resistência dos edifícios a um abalo.

Como funciona um indicador de vulnerabilidade a um sismo?

Imagine um sistema através da qual seria possível avaliar a força da nossa casa para resistir a um sismo – é isso que se compromete a ser o indicador de vulnerabilidade sísmica. Foi desenvolvido por especialistas do Instituto Superior Técnico (IST), do Centro Europeu de Riscos Urbanos e da Universidade de Lisboa. O desafio foi lançado pela Câmara Municipal de Lisboa, que mais teme o tema, e integra o programa municipal de promoção de residência sísmica. Está sob coordenação da direção municipal de Habitação e Desenvolvimento local, com os serviços municipais de urbanismo, proteção civil, gestão patrimonial e sistemas de informação.

Índice está inserido num programa de prevenção da Câmara Municipal de Lisboa. Foto: Site CML

Através deste indicador, será possível analisar a estrutura de um edifício e, a partir de cerca de 40 parâmetros, atribuir-lhe uma cor do semáforo: quanto mais perto do vermelho, menos seguro será. Um pouco à semelhança da famosa matriz de risco de covid-19. Os parâmetros, esses, são absolutamente técnicos e têm a ver com o sistema de construção, o ano em que foi construído e os materiais escolhidos.

Carlos Sousa Oliveira, professor Catedrático do IST na Área da Mecânica Estrutural e Engenharia Sísmica

“Dá vermelho? A casa deve ser reforçada”, diz Carlos Sousa Oliveira, professor de Mecânica Estrutural e Engenharia Sísmica do IST e um dos autores do indicador. O resultado, claro, “pode jogar com o valor das casas, com o mercado imobiliário. Além de que os interesses que existem para que os resultados de um determinado edifício sejam bons ou maus tornam as coisas frágeis nesta área”, diz o especialista.

Essa é uma das razões que tem levado ao cuidado na implementação destes processos – este, por exemplo, ainda não foi posto em prática, apesar de estar há anos em estudo. O trabalho bebeu num modelo anterior, de Francisco Mota de Sá, tendo sido alargado e calibrado.

Até então, a única informação referente ao edificado partia dos resultados do Censos (de 2011), embora “muito simplificada” e com base em inquéritos. “Esta é mais rica que a do Censos. Quem preenche esta ficha é um técnico e demora cerca de meio dia a fazer a avaliação, entre todos os andares”, explica o especialista.

O protótipo está pronto e, de acordo com o investigador, aguarda apenas algumas afinações. Entre elas, definir quem deverá ficar encarregue de preencher a ficha de avaliação do edifício que se traduz, depois, num semáforo. “Tem de ser alguém com know-how e, por isso, já demos cursos a engenheiros da autarquia”, explica.

20% do edificado em Lisboa é de construção anterior a 1919, segundo o último Censos (2011)

Mas levanta outra questão, mais complexa e que pode muito bem implicar uma revolução no parque urbano de Lisboa. O que fazer com o edificado que se situar no ponto vermelho deste semáforo, que obrigações devem seguir-se?

A cidade está preparada?

Este indicador já está a ser utilizado em algumas infraestruturas, na cidade, mas o plano é abranger a todo o património. Em 2020, foi criado um grupo de trabalho que acompanha as questões do risco sísmico na Assembleia Municipal de Lisboa e que tem como objetivo, até ao final deste ano, fazer um relatório sobre a monitorização sísmica urbana. O sismo desta semana apenas aviva essa necessidade porque lembra que este é um risco real.

Além da criação deste indicador, o programa municipal contempla uma atualização da carta de solos na cidade e um manual de boas práticas. Por exemplo, é possível tomar atitudes nas nossas próprias casas: não ignorar as instruções dos móveis que compramos e, quando são altos, prendê-los devidamente às paredes.

A diferença de construções, em Lisboa, é muito evidente a olho nu. Vista da Torre das Amoreiras. Foto: Américo Simas/CML

Nenhuma cidade está preparada, esta seria a resposta mais rápida seria. Mas há exceções em que a infraestrutura se portará melhor em caso de catástrofe. O trabalho de terreno que antecedeu a criação deste indicador de vulnerabilidade sísmica, com vistorias a vários edifícios, mostrou que Lisboa não é a exceção. Num mapa de semáforos, o vermelho predominaria.

“Ficamos com a perceção de que havia coisa muito má. Estamos convencidos de que vai haver muitas casas no vermelho”, diz Carlos Sousa Oliveira. Os censos de 2011 dão conta de que cerca de 40% dos prédios são anteriores a 1945, sendo 20% anteriores a 1919. Quanto mais antiga a construção, menos segura poderá ser. Mas há exceções: na Baixa, “a construção pombalina é boa”. Problema: pode estar mal conservada. “Encontramos várias casas em que mantiveram a fachada, mas, atrás, fizeram tudo em betão armado”.

A terrível moda do Open Space

Outro problema em Lisboa é a moda do open space. João Azevedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica, diz que o hábito de derrubar paredes para amplificar espaços nas casas pode condenar os edifícios todos – “não só a sua casa”. “Por todo o lado, vemos obras destas em Lisboa. E não temos capacidade para impedir que estas coisas aconteçam”, diz.

João Azevedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica (SPES)

É na lei que se escavam as primeiras fragilidades. O próprio quadro legal para proteger os edifícios e regulamentar a atuação da construção só chegou a Portugal em 2019. Falamos de um decreto conhecido como Eurocódigo 8 e que surge como forma de uniformizar a segurança dos edifícios em toda a Europa. Foi transposta para Portugal em 2010, até que, finalmente, em 2019 foi promulgado. Está em fase experimental e ataca exatamente os riscos de reabilitação.

O que diz esta lei é que há determinados parâmetros a seguir na hora de reabilitar uma casa, para que esta se torne segura. Como, por exemplo, o uso de lajes fungiformes que “têm um comportamento sísmico ainda não totalmente esclarecido”, lê-se no documento. Apesar de necessário, diz o especialista Carlos Sousa Oliveira, é um decreto “muito exigente e que sai mais caro”, vindo trazer desafios à sua aplicação. “Felizmente também há muitas ferramentas e técnicas novas.”

“Lembro o sismo de 1969, há pouco mais de 50 anos, que fez alguma destruição em Lisboa e em que o Hospital de S. José teve de ser evacuado. Imagine, em caso de sismo, termos de abandonar os nossos hospitais.”

JOÃO AZEVEDO, PRESIDENTE DA SPES

Por metro quadrado, alerta, podemos ter à volta de 600 quilos de betão. No dia em que um sismo abanar os nossos tetos, se a casa não estiver preparada, é este o peso que cairá sobre nós. Prevenir passa pela nova construção e pela requalificação da velha. Mas não só: priorizar pode salvar vidas.

O engenheiro João Azevedo recorre ao passado para discutir o que importa para o futuro. “Lembro o sismo de 1969, há pouco mais de 50 anos, que fez alguma destruição em Lisboa e em que o Hospital de S. José teve de ser evacuado. Imagine, em caso de sismo, termos de abandonar os nossos hospitais.” Proteger toda a cidade pode não ser possível, mas ainda vamos a tempo de proteger as infraestruturas capitais para cuidar da população depois do desastre ou diminuir os danos: além de hospitais, quartéis de bombeiros, escolas e abastecimento de eletricidade.

“A maioria não está” protegida, garante. “Textualmente, é verdade que sai mais caro” criar estruturas protegidas, mas “o custo é ridículo face ao acréscimo de segurança que nos dão”.

Porque é Lisboa tão vulnerável a um sismo?

Então, e como se torna um edifício à prova de sismo? “Não há uma fórmula mágica, cada edifício tem as suas vulnerabilidades”, explica. É de alvenaria que se fazem as casas antigas, um modelo não muito seguro, “altamente comum em Lisboa”. Depois, lembra, “há os edifícios gaioleiros, uma imitação da gaiola pombalina, mas muito frágeis”. “Mesmo esses já estão completamente esventrados, porque se foi destruindo e acrescentando coisas – muitas vezes por questões estéticas.”

A memória também pode ser uma arma, embora não pareça ser um recurso muito utilizado. Um documento redigido pelo Instituto Superior Técnico dizia isso mesmo e apontava três principais razões. A primeira é uma questão de memória: não há muitos portugueses que possam dizer que tenham sentido sismos de grande impacto, com exceção daqueles que residem nos Açores, ilhas fustigadas por abalos. Depois, há incutida esta ideia de que pouco se pode fazer para proteger uma cidade, o que é falso. E, por outro lado, os portugueses acreditam que a proteção de edifícios foi tida em conta por quem constrói, o que pode não acontecer. Lisboa e Vale do Tejo são, de facto, as áreas mais frágeis do país.

Investigador e professor na Faculdade de Ciências da UL, Luís Matias

Luís Matias, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que há anos estuda a perigosidade sísmica, explica que o risco de Lisboa se deve sobretudo “à concentração de atividade económica e de habitação em Lisboa”. “O risco nesta região (Lisboa e Vale do Tejo) é, por essa razão e não pela atividade sísmica.” A região de Portugal de maior risco sísmico alinha-se com outras zonas do país, como o Algarve e o Baixo Alentejo.

O risco deve-se muito à falha tectónica existente no vale do Tejo, como explica o presidente da SPES João Azevedo. “Temos dois tipos de sismos. Aqueles como o que aconteceu em 1755, que ocorrem a uma grande distância, em que o epicentro é a sul do Algarve e que tendem a ser muito grandes. Podem ter magnitude de oito para cima. Depois, temos os sismos que são gerados numa falha que existe no vale do Tejo, que não serão tão grandes – terão magnitude máximas na ordem dos seis ou sete -, mas como são muito perto podem causar muita destruição. Como é o exemplo do sismo de 1531.”

Que exemplos de lá de fora podemos copiar?

Resolver problemas passa por procurar soluções. Por isso, perguntamos a estes especialistas, que fazem dos seus dias o estudo desta ciência, o que se faz no estrangeiro que possa servir de exemplo a Portugal.

João Azevedo aponta uma solução técnica, que dá “patins” aos edifícios. É o chamado “isolamento de base” e “é como se puséssemos os edifícios em cima de uns patins, são literalmente umas borrachas que permitem que, quando há um sismo, a infraestrutura vibre como um todo, muito lentamente, “como se tratasse de um pequeno abanão”. A vantagem “é que não só o edifício não colapsa como, por exemplo, um cirurgião que está a operar na altura do sismo pode continuar”.

YouTube video
Vídeo faz a demonstração da diferença de comportamento de um edifício com e sem isolamento de base

O sistema já é obrigatório em diversos países na construção de hospitais, como Perú e Turquia. E mesmo em determinados países em que não é obrigatório já nem se pondera a não aplicação, de tão comum que se tornou esta prática. No Japão, situado no “Anel de Fogo” do Pacífico, uma zona de elevada atividade sísmica e que este sábado está com alerta de tsunami após um sismo de 7.2, a maioria dos edifícios são construídos com este sistema. Na Nova Zelândia e na Itália também. Nos EUA, são extremamente comuns: um dos capitólios de um dos estados, um edifício antigo, já sofreu esta intervenção. Em Lisboa há pelo menos um edifício com isolamento de base: o Hospital da Luz, em Lisboa.

Se a técnica não é mais utilizada, é porque a própria comunidade técnica ainda não está sensibilizada para a sua importância. Por poupança, não deve ser desculpa. “Por o edifício estar sobre este sistema, não vai estar sujeito a tantas ondas sísmicas e, por isso, pode haver uma poupança na parte de betão armado”, poupando neste material, explica o especialista.

“Estatisticamente, sabemos que, por cada sismo muito grande ocorre um certo número de sismos pequenos e ainda muitos mais de uma magnitude ainda menor.”

JOÃO AZEVEDO, SPES

Mas proteger uma cidade pode ir muito além da prevenção no edificado. O professor catedrático Carlos Sousa Oliveira fala-nos de um alerta sonoro de sismo, uma tecnologia que os japoneses “andam a estudar há milénios”. Explica que “há umas primeiras ondas que andam mais depressa do que as outras” e “se conseguirmos detetar essas primeiras ondas (as conhecidas ondas P), vemos que trazem consigo a assinatura do que vem a seguir” e conseguimos ganhar tempo de reação.

“Com dois segundos de registo, conseguimos saber se é um sismo grande e qual o seu epicentro. Aqui, em Lisboa, 20 segundos seria o suficiente para conseguirmos meter-nos debaixo de mesas ou para, num hospital, não faltar a luz num bloco operatório.” É uma prática no Japão e também no estado norte-americano da Califórnia. “Nós estamos numa situação em que tal é possível fazer, por isso, devemos fazê-lo já.”

O que significou este sismo?

Às 9:51 da manhã desta quinta-feira, em Lisboa, em algumas casas os candeeiros abanaram, o quadro na parede tremeu, um susto. O sismo foi sobretudo sentido em Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa. Minutos depois, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) confirmava o que todos já adivinhavam: o epicentro deste abalo foi a cerca de 10km a noroeste de Alcochete e ocorreu precisamente na mesma zona do em que se originou o sismo de em 1531 em Lisboa e também o designado sismo de Benavente, em 1909.

O engenheiro Fernando Carrilho, chefe de divisão de Geofísica do IPMA, explica que a origem foi “um movimento súbito de uma estrutura, que nós chamamos de falha tectónica, que ocorre em profundidade, entre os 10 e os 15 quilómetros, que se traduz na libertação de ondas sísmicas que se propagam a distâncias grandes, mas apenas sentidas pela população nos primeiros quilómetros”.

A intensidade, na escala Richter, foi de 3.4, um sismo pequeno. Sem danos e nem todos o sentiram. Fernando Carrilho esclarece que “a forma como as pessoas sentem o sismo traduz-se em efeitos pessoais [se está num andar mais alto, por exemplo, sentirá mais do que estando num rés-do-chão] e este não é suficientemente grande para ser sentido por toda a gente”. Num mesmo edifício, uns podem sentir e outros não. De acordo com os testemunhos submetidos na página do Centro Sismológico Euro-Mediterrânico, foi sentido durante dez segundos.

Afinal, este fenómeno não é anormal por estas bandas. O chefe de divisão de Geofísica do IPMA tranquiliza e lembra que, “não há muitas semanas, houve um sismo de 2,7 a sul Oeiras e que foi sentido por muita gente em Lisboa”. Em Portugal continental, tipicamente temos entre cinco a 20 sismos por ano sentidos – muitos no Algarve, onde são mais frequentes. “Desta magnitude, às vezes até atingem a magnitude 4.” O que não impede que possa ocorrer outros de maior magnitude, frisa.

Reconstituição do sismo de 1755, do Smithsonian.

Mas quer isto dizer que estamos mais perto de ver acontecer uma catástrofe? João Azevedo, presidente do SPES, há anos ligado ao estudo do impacto dos sismos, chama as estatísticas para abordar o tema. “Estatisticamente, sabemos que, por cada sismo muito grande ocorre um certo número de sismos pequenos e ainda muitos mais de uma magnitude ainda menor.” Estamos, por isso, no meio termo entre dois grandes sismos, embora a ciência ainda não consiga dizer a que distância do próximo. Entre um e outro “pode demorar milhares de anos em alguns sítios, mas dezenas de anos noutros”.

O que ocorreu esta quinta-feira não passa de “um aviso de que a falha está lá”. Mas Fernando Carrilho remata: é importante discutir o assunto para a prevenção, mas há que não gerar alarme, porque “só pelo facto de ocorrer um sismo como este, não representa nada de especial, não é anómalo”.

Os sismos são calculados segundo a sua magnitude. Podem ser micro (menos de 2.0), muito pequenos (2.0-2.9), pequenos (3.0-3.9), ligeiros (4.0-4.9), moderados (5.0-5.9), fortes (6.0-6.9), grandes (7.0-7.9), importantes (8.0-8.9), excecionais (9.0-9.9) e extremos (superior a 10)

Caro leitor, agora que chegou ao fim deste artigo, conte-nos o que gostaria de ver explicado ou relatado sobre o risco sísmico em Lisboa:


Catarina Reis

Nascida no Porto, Valongo, em 1995, foi adotada por Lisboa para estagiar no jornal Público. Um ano depois, entrou na redação do Diário de Notícias, onde escreveu sobretudo na área da Educação, na qual encheu o papel e o site de notícias todos os dias. No DN, investigou sobre o antigo Casal Ventoso e valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020. Ajudou a fundar a Mensagem de Lisboa, onde é repórter e editora.

catarina.reis@amensagem.pt

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