Há uma azáfama nova na Rua da Condessa, que sobe do Largo do Carmo em direção à Calçada do Duque. Nova, ou renovada, porque do que se trata realmente é de tentar devolver à cidade os rituais anteriores à pandemia. No restaurante Fado ao Carmo, acabadinho de reabrir no número 52, o fadista Rodrigo e o guitarrista Luís, os novos donos, fazem um balanço de uma batalha, como dois guerreiros, embora apenas um tenha esse nome.
“Tem sido uma festa”, diz Rodrigo Costa Félix (que é cronista de fado na Mensagem). “De repente parecia que estávamos outra vez nos tempos antigos.” Repara no que diz e ri-se da ideia. “Bem, de há ano e meio, não mais. O tempo em que o pessoal do fado se reunia à noite para conversar, tocar ou cantar um pedaço, em ambiente de tertúlia e amizade.”

O Fado ao Carmo não é nada menos que a concretização de um sonho. Dois artistas – um da voz, outro das cordas, do melhor que Lisboa tem, agora transformados também em profissionais da restauração – num renovado restaurante de fado, fora do circuito tradicional. Luís Guerreiro, guitarrista dos maiores nomes do fado, já tocava ali. Entretanto soube que o antigo dono queria vender e os dois aproveitaram o negócio. Rodrigo oficiava no Clube do Fado.
“Agora é trabalhar muito, com os pés assentes na terra”, diz Rodrigo. O que quer que isso signifique agora, tem de incluir o público de lisboetas. Sem descurar os estrangeiros, quando eles voltarem a Lisboa. “Quero acabar com dois preconceitos muito comuns nos portugueses: que a casa de fados se dirige apenas a turistas, por um lado, e que é necessariamente cara, por outro. Em muitos casos, isto não é verdade porque, em lado algum, se janta e vai a um espetáculo pelo preço que se paga aqui.”
Comida portuguesa com certeza
E por falar em jantar, no Fado ao Carmo, a comida estará a cargo do chef Miguel Castro Silva, tradicionalmente um adaptador de receitas portuguesas. “Gosto muito da abordagem dele à nossa cozinha tradicional”, diz o fadista. É ponto de honra da casa que os ingredientes dos pratos e os produtos servidos à mesa serão exclusivamente portugueses, sejam eles refrigerantes, águas tónicas, gins, cocktails ou mesmo whisky. “É o nosso contributo, necessariamente pequeno, para a recuperação da economia nacional. Mas tem um valor simbólico para quem, como nós, trabalha com a Cultura portuguesa. Só o bacalhau terá de vir da Noruega, é a vida”, brinca.
Com três pessoas “emprestadas” do staff de Miguel Castro Silva (duas na cozinha e uma na sala) e um chef já contratado pelo restaurante, António Saraiva, Rodrigo e Luís fizeram questão de abrir antes da maior parte das casas do género, de modo a que, todos juntos, adquiram rotinas e ultimem pormenores. O tempo começa a escassear para trabalho de bastidores já que o telefone não para de tocar com mais e mais reservas. “Já estamos a ter que recusar, até porque só podemos ter metade da lotação, a adesão das pessoas tem excedido muito as nossas melhores expetativas.”
Nestas coisas do fado, importa muito quem canta e toca, sobretudo quando o público é conhecedor. Haverá sempre dois artistas por noite, e aos residentes (os donos da casa naturalmente) se juntará, promete Rodrigo, uma “short list” muito interessante. Neste momento, por causa dos condicionalismos ditados pelo estado de emergência, o “Fado ao Carmo” encerra aos fins-de-semana e abre todas as noites, de segunda a sexta. Num futuro que se espera próximo, encerrará às terças-feiras.

Maria João Martins
Nasceu em Vila Franca de Xira há 53 anos mas cresceu na Baixa de Lisboa, entre lojas históricas e pregões tradicionais. A meio da licenciatura em História, foi trabalhar para um vespertino chamado Diário de Lisboa e tomou o gosto à escrita sobre a cidade, que nunca mais largou seja em jornais, livros ou programas de rádio.
Melhor e maior felicidade e sucesso!!