Sempre que estiver com a estima em baixo e duvidar das suas capacidades, pense no metro de Lisboa. Mais especificamente, na estação da Baixa-Chiado e as suas escadas rolantes. É o que faço quando o chefe ralha comigo ou uma das duas ex-mulheres – se não ambas – reclamam, provavelmente com toda razão, da forma como crio ou mal-crio os nossos filhos.
Fecho os olhos, respiro e penso que poderia ser mil vezes pior, que mais vexatório do que ser um funcionário aquém ou um pai duplamente relapso, seria se fosse o responsável pelas escadas rolantes de Baixa-Chiado.
Somando os dias nas duas décadas e meia de vida da estação, devem ter funcionado plenamente, numa conta otimista, sei lá, por um mês.
Coitados dos operários que lá trabalham. Odiados, vilipendiados, derrotados por motores, engrenagens e correias que teimam em não funcionar. Chego a pensar que as empresas levantam andaimes não para isolar as constantes obras dos transeuntes, mas para garantir o anonimato dos funcionários, evitando-os da humilhação pública.
Noutro dia, calhou de ter conseguido utilizar as escadas rolantes por completo ao escalar a sua saída mais íngreme, no Chiado, ao pé d’A Brasileira. Quando deixei a estação, um vendedor abordou-me tentando repassar um bilhete, não sei se da lotaria ou do euromilhões, mas recusei assim mesmo, afinal seria inútil, já tinha gastado toda a minha sorte.
A regra é não-funcionar, mesmo. Sempre que venço ofegante as dezenas de degraus – talvez isso explique, senhor primeiro-ministro, pelo menos os jornalistas que se dedicam a Lisboa, como eu – além de maldizer até a quinta geração os (ir)responsáveis por isso – reflito que colocar uma escada rolante para funcionar não é o mesmo de enviar um satélite para o espaço.
Deve ser simples, não tem mistério.
No meu Recife – que já foi capital do Brasil holandês, mas nunca uma capital europeia – as escadas rolantes funcionam desde os anos 1950. Talvez tenha mudado, faz tempo que não as subo, talvez lá também tenham deixado de operar, para imitar a nova moda no reino, das escadas rolantes estáticas.
Mas se é assim tão simples, então qual seria o motivo de não funcionarem?
Só pode ser de propósito, a pensar na saúde física e mental de quem as usa.

O metro de Lisboa é na Europa, quiçá no mundo, o sítio onde se pode testemunhar com mais frequência passageiros a correr. Muitos deles, mais velozes do que os próprios comboios. Uma legião de talentos do atletismo desperdiçada, almas em disparada, não em busca do ouro olímpico, mas de não perderem o transporte, pois o metro seguinte, sabe-se lá quando virá.
Campeões frustrados dos cem metros rasos. Frustrados passageiros dos sem-metro rasos.
Lembro-me de quando a linha Verde circulava com três vagões e ocupava apenas metade da estação – por causa de Arroios? Da cena dos turistas desprevenidos na conexão com a linha Vermelha, na Alameda, dezenas deles à espera na metade errada do cais a arrastarem malas em polvorosa como num estouro de bisontes.
Do sorriso patético de quem conseguiu entrar na carruagem, vitorioso, o cartão de visita do que o esperava no metro em Lisboa.
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Novamente, porém, no quesito grande prémio sem-metro rasos de atletismo, a Baixa-Chiado destaca-se. A acústica da estação não colabora e é comum avistar passageiros aflitos, alertados pelo eco do atrito das rodas de um comboio a chegar, partirem em desabalada carreira pelos corredores que, finalmente, fazem jus em assim serem chamados: corredores.
Homens de maletas 007 em punho, velhotes abarrotados de sacolas, mulheres equilibrando-se em saltos Luís XV e mães arrastando filhos, todos em velocidade furiosa pela estação para, no fim, constatarem que foram ludibriados por uma ilusão-auditiva e o metro em questão, afinal, aportava no cais oposto ou era de uma outra linha.
Mas já não importa, o exercício foi feito, as calorias gastas, o coração em frenética sístole e diástole, os músculos acionados, retesados. E se somar as sessões de step nas escadas rolantes estáticas, então, seja no modo iniciante em direção à Rua do Crucifixo, seja no avançado, a caminho do Largo do Chiado, o sistema cárdio devidamente exercitado.
Isso não é uma estação, convenhamos, está mais para um ginásio.
O Ginásio da Baixa-Chiado.
Muito se comenta sobre a epidemia de obesidade na Europa e suspeito que os metros pontuais nas demais cidades europeias são os responsáveis pelo sedentarismo dos seus cidadãos, somado às escadas rolantes que, vejam só o perigo para a saúde pública, teimam em funcionar perfeitamente.
Numa recente ida a Roma, fiquei escandalizado: ninguém a correr no metro. Nenhum turista num leve trote ou um mísero padre a arrastar as alpercatas mais apressado, a fim de não perder as últimas novas da confissão. Nada. A pontualidade era tamanha que os famosos carteiristas romanos conseguiam organizar uma escala de trabalho regulada pelo horário dos comboios.
Em Lisboa, não. Tudo é diferente, graças aos atrasos e às longas esperas nas estações, estamos cada vez mais saudáveis.
Noutro dia, encontrei um amigo a correr pelo Campo Grande e perguntei se estava a treinar para alguma maratona.
– Que nada, é para não perder o metro – respondeu, consultando a pulsação no relógio.
Estava em forma, deu para notar.
Se duvidar, também tem treinado nas escadas rolantes estáticas da Baixa-Chiado, mas não quis dizer.

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A dos Olivais também e a de São Sebastião para lá caminha.
Toda a razão. O metro de Lisboa foi concebido por engenheiros e arquitectos que não usam habitualmente transportes públicos. Incompetentes! É penoso ver idosos e pessoas com malas a subir escadarias olímpicas. Um desprezo profundo e ódio pelo utente. Mas muito preocupados com a arte e a arquitetura – maldito Siza Vieira! E põem pianos nas estações em vez de assegurarem um serviço público minimamente decente. Ninguém tem mão na empresa?
P
as escadas rolantes da estação do Pragal de comboios sofrem da mesma “doença”. pagamos impostos, pagamos passes, começo a achar que brevemente teremos de pagar para andar nas escadas rolantes. é o país que temos…..
Fantástico escritor!
Parabéns bom artigo
Eu sou umas das corredoras e step nas escadas rolantes uma vergonha ,como podem ter sido arranjadas e estarem sempre avariadas e empresa deve ser de uma incompetência
Infelizmente não é só a da Baixa-Chiado, a dos Olivais também, não sei se haverá outras nas mesmas circunstâncias, deixei de andar de Metro por causa disso, sou uma pessoa de Mobilidade Reduzida e é perigoso nestas circunstâncias utilizar as escadas rolantes.
Quando a Estação da Estrela estiver a funcionar sendo a mais profunda da Europa, haverá mais oportunidades desportivas. Rato e Baixa-Chiado parecerão estações-ginásio para anciãos. Sim, subir 72 metros passará de mera sessão cardio para a Grande Maratona que terminará no Monte Olimpo da Lapa, onde fica a Estrela. Ou isso, ou ficaremos a ver estrelas.
Oh, Maria Deolinda , aqui Aurora Novarino, do Brasil. Você é a minha colega – OC – do MRE? Mesmo nome, meu Deus, que bom !se confirmar. Tudo de bom! Abraço carinhoso.
Infelizmente, não é só a estação da Baixa-Chiado, também há outras estações de metro e comboios, nessa situação, seja com escadas rolantes ou elevadores.
É uma tremenda falta de respeito com os utentes/passageiros.
“Somando os dias nas duas décadas e meia de vida da estação, devem ter funcionado plenamente, numa conta otimista, sei lá, por um mês”
ERRADO
Quando a estação foi inaugurada, e durante os primeiros meses, estiveram sempre a funcionar, depois…. bem depois sabem o que aconteceu, pelo artigo acima.
Isto realmente já dura à decadas, mas SURPREENDENTEMENTE, este facto foi verificado por mim, e por várias vezes, essas avarias, misteriosamente desapareceram no ano passado durante as Jornadas Mundiais da Juventude.
Será coincidência???? Deve ser de certo.
Não acredito que as avarias e falhas permanentes das escadas, a falta de mão de obra, e peças, miraculosamente tenham sido resolvidas nesta data tão “importante” para a imagem de Portugal.
De qualque modo os médicos dizem que subir escadas faz bem à saúde, portanto, meus senhores subi escadas, pelo menos até à próxima visita importante para a imagem de Portugal.