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A mobilidade partilhada tem sido uma das maiores inovações nas viagens de curta distância nas cidades, mudando a forma como as pessoas circulam. Com a chegada da pandemia, muitos governos promoveram e incentivaram sistemas de transporte individual e elétrico, a fim de evitar o potencial contágio da covid-19 nos transportes públicos. Em países como Itália, o governo atribuiu mesmo um bónus de até 500 euros para a compra de uma trotineta elétrica ou de uma bicicleta. E, com o fim da pandemia, a micro mobilidade elétrica continuou a ser a principal forma de reduzir o tráfego e a poluição nas grandes cidades, mas não há falta de controvérsia na sua gestão.

Ao mesmo tempo, desde 2020, as grandes e médias cidades europeias assistiram à chegada de empresas multinacionais de trotinetas partilhadas que lançaram os seus serviços de transporte partilhados através da utilização de aplicações em smartphones. O sistema operacional mais difundido das trotinetas partilhadas é também chamado “free floating”: o utilizador pega na trotineta e estaciona-a onde quiser, dentro de uma área operacional na qual pode circular livremente. Esta área operacional é geralmente acordada entre as empresas e a administração local, no exterior da qual a trotineta está bloqueada e não pode circular. 

Ultimamente, em Lisboa, temos visto várias mudanças relativamente à gestão da partilha de trotinetas. A partir de janeiro de 2023, passámos de um sistema de flutuação livre para um sistema com estações fixas, com lugares de estacionamento bem definidos e sinalizados, marcados por “racks”, onde as trotinetas só podem estacionar em determinados pontos. Mas, para ser eficaz, este sistema deve ser capilar, com centenas de pontos de estacionamento, “um a cada 100 metros”, dizem as operadoras do setor.

Neste momento, graças a esta mudança, a situação em Lisboa melhorou em termos de decoro urbano, criando uma ordem na cidade sem a presença de dezenas de veículos que obstruem os passeios ou, pior ainda, tombados em cada esquina. O número deles também foi reduzido para 1500 por operadora.

Mas, em Paris, vai haver um referendo. Coloca-se a questão de manter ou não as trotinetas para partilhar. Os pontos sobre os quais a administração da presidente da Câmara Municipal quis debruçar-se são: segurança, decoro urbano, impacto ambiental questionável e falta de proteção para os trabalhadores do sector. 

Em Paris, houve três mortos e 459 feridos em trotinetas privadas e partilhadas durante 2022. Face à demonização das trotinetas como principal fonte de perigo e acidentes nas ruas da cidade, as três empresas que operam (Lime, Dott e Tier) trouxeram à tona os resultados de um estudo realizado pela empresa de consultoria “6t” em nome do município parisiense: a percentagem de utilizadores de trotinetas de fluxo livre que sofrem um acidente é de 26%, um valor que quase duplica (51%) para os ciclistas que utilizam o Vélib, o serviço de bicicletas gerido pelo município.

Apesar disto, e ainda que Paris tenha registado mais de dois milhões de utilizadores, só em 2022, para um total de 15,5 milhões de viagens entre os seus vinte “arrondissements”, parece que o município gerido por Anne Hidalgo (presidente da Câmara) não considera as trotinetas um substituto válido para o automóvel em termos de redução da poluição e do tráfego, numa perspetiva de descarbonização em que a União Europeia se move desde 2020.

Ao mesmo tempo, o vereador e consultor de mobilidade, David Belliard, disse acreditar que as baterias de lítio das trotinetas são altamente poluentes na fonte, na extração de minerais e que, vindas quase inteiramente da China, não podem ser consideradas verdadeiramente “green”.

Do outro lado, as operadoras de trotinetas garantem que o ciclo de vida das baterias é de cinco anos, tal como a duração de vida das próprias trotinetas, e a sua regeneração tem lugar em França e não na China.

Paris vai a referendo sobre o uso de trotinetas na cidade. Foto: Unsplash

Do lado da oposição parisiense, há um coro de acusações contra a presidente da câmara, que após ter perdido as eleições presidenciais de abril de 2022, atingindo apenas 2% dos votos, procura “maquilhagem política” através deste referendo para relançar a sua carreira. A oposição não se opõe à partilha de trotinetas, e considera-a uma alternativa viável às viagens de carro. Especialmente porque, a pedido da administração, o sistema se tornou“station based”, reduzindo significativamente a desordem nas calçadas da cidade gerada pelo fluxo livre.

O que sabemos deste referendo que vai realizar-se a 2 de abril é que a campanha eleitoral está a entrar no tema, com as operadoras que oferecem minutos gratuitos para se ir votar.

Sabemos também que, em toda a Europa, a controvérsia em torno da gestão das trotinetas é muito visível. Enquanto as empresas são a favor de um sistema de livre circulação “free floating”, preferido pelos utilizadores e, portanto, mais rentável, as administrações locais desaprovam-no devido à incivilidade dos cidadãos de todas as nacionalidades na utilização destes veículos, especialmente quando estacionam.

O problema não está, como se diz erroneamente, na perigosidade do veículo, mas sim na perigosidade das pessoas que o conduzem, que não o utilizam de forma consciente e responsável. 

A flutuação livre não parece adequada para satisfazer as necessidades de decoro urbano das grandes cidades com centros urbanos muito turísticos. Cidades como Lisboa criaram um sistema extensivo de pontos de estacionamento onde as trotinetas podem ficar de forma ordenada, enquanto muitas outras administrações em toda a Europa não querem saber de investir em infraestruturas para criar pontos de estacionamento, deixando o serviço a flutuar livremente, com todos os inconvenientes que isso implica.

A questão da sustentabilidade, contudo, permanece crítica: embora seja verdade que o motor elétrico não polui o ar, encher as cidades com trotinetas de alumínio e baterias de lítio que são produzidas na China (com minerais parcialmente extraídos no Congo) por uma duvidosa cadeia de produção sustentável, não parece ser a solução ótima para se definir “impacto zero”.

Por último, a proteção dos trabalhadores do sector: as grandes empresas multinacionais de trotinetas chamam-se a si próprias startups em busca de rentabilidade, agora que o mercado está em declínio e os investidores estão a deslocar-se para outros mercados. A facilidade com que contratam e despedem pessoal coloca um problema ético e moral sobre a dignidade dos trabalhadores do sector. Empresas como a Bird, Tier, Dott e Link despediram de repente cerca de 15% da sua mão-de-obra no último ano e a duração média do emprego nestas empresas é de cerca de dois anos.

Se é verdade que em Paris a cadeia de abastecimento que trabalha no mercado das trotinetas elétricas conta com cerca de 800 pessoas, que estão agora em risco de despedimento (em caso de rejeição no referendo), também é verdade que a grande dependência destas empresas dos mercados financeiros não faz delas uma segurança para a mobilidade do futuro.

Veremos agora quais os resultados do referendo de Paris e que impacto terá a nível europeu na utilização de trotinetas nas cidades. 


*Lorenzo Andraghetti, 37 anos, foi Investigador em Ciências Políticas na Universidade Nova de Lisboa e posteriormente jornalista em política internacional. Nos últimos anos, tem trabalhado em Itália como Public Policy Manager, na área da mobilidade elétrica, adaptando soluções de mobilidade partilhada aos centros urbanos. Reside atualmente em Bolonha, mas regressa a Lisboa sempre que pode. É fã de samba.


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1 Comentário

  1. Em Lisboa reina a democracia pelo que câmara faz o que lhe apetece sem consultar os moradores.
    Muita conversa mas medidas a sério não há. Continua o parqueamento selvagem e a circulação nas vias pedonais. Claro que a culpa não é da trotinete mas de quem a conduz, mas é culpa da polícia que nada faz.
    Quem anda de trotinete, e de bicicleta também, pode fazer tudo que nada lhe acontece. Desde circular em contra-mão até passar sinais vermelhos.
    Quem mais sofre são os peões. Não se pode andar descansado num passeio em Lisboa sem levar com uma porcaria destas, e os meninos têm sempre razão.
    É uma palhaçada!

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