Golfinhos Tejo
Foto: Raquel Coelho

Dia sim, dia não, em turnos contínuos de quatro horas, entre as 8:00 e 16:00, um grupo de pelo menos dois observadores – estudantes de biologia – estão a postos no último andar da Torre VTS, do Centro de controlo e tráfego marítimo de Lisboa, em Algés. Estão munidos com binóculos para o varrimento da área do rio Tejo até ao Bugio, a cada cinco minutos, de telescópio para observação ao pormenor, e câmara de filmar para que nada fuja ao registo. Na mira, têm uns cetáceos já bem conhecidos do Rio Tejo: os golfinhos.

O dia da nossa visita era de chuva, mas nem por isso deixou de ser possível avistar dois grupos de golfinhos comuns, com as suas crias, logo pela manhã. E, desde o ano passado, já se avistaram muitos mais.

Estamos há um ano a observar golfinhos no Rio Tejo e já podemos tirar algumas conclusões, sobretudo no que toca ao melhor sítio para os ver. Foto: SeaEO Tours

“Hoje (16 de março), completamos um ano de observação científica sistemática da presença de golfinhos e da distribuição espácio-temporal destes cetáceos no estuário do Tejo. Dos 151 dias de registo confirmámos avistamentos em 40 destes dias.” Celebram assim as investigadoras Ana Rita Luís do MARE-Ispa (Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida – um dos polos do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente) e Ana Henrique (da Associação Natureza Portugal/World Wide Fund for Nature -ANF/WWF, a ONG de conservação da natureza que lançou o projeto Golfinhos no Tejo/CETASEE Tejo).

Estamos há um ano a observar golfinhos no Rio Tejo. E já podemos tirar algumas conclusões, sobretudo no que toca ao melhor sítio para os ver: “Os avistamentos ocorrem principalmente na margem Sul (onde as águas do Tejo são mais profundas), junto à Trafaria, Porto Brandão, Terminal Cova a Vapor e Banática, zona industrial onde os cargueiros normalmente atracam”. Quem o diz é Iolanda Silva, estudante de mestrado do Ispa que irá apresentar os resultados preliminares destas observações na European Cetacean Society Conference, na Galiza, já em meados de Abril.

Do que vêm à procura?

“Estou a desenvolver uma avaliação do impacto da presença de embarcações no comportamento dos golfinhos. Estes animais têm atitudes bastante definidas e quando há embarcações nas imediações há três possibilidades de interação: neutra; positiva (quando os golfinhos se aproximam da embarcação) e negativa (quando um grupo coeso se dispersa e mergulha mais longamente)”, explica a estudante de mestrado em biologia marinha e uma das voluntárias veteranas do projeto Golfinhos no Tejo.

Os golfinhos comuns adentram o estuário do Tejo regularmente e os comportamentos observados indicam que vêm em busca de presas para alimentação – principalmente lulas e pequenos peixes pelágicos como a sardinha, corvinas jovens e corvinata, uma espécie exótica que se encontra agora nas águas do Tejo.

Ainda que mais raros, há dias em que o espetáculo é mais aliciante, quando os cetáceos se atrevem a saltos na água. E há diversos estilos:  bowriding (quando os golfinhos nadam junto à proa de uma embarcação), skimming (quando deslizam de barriga na superfície da água, como os pinguins), saltos frontais e laterais e, mais raramente, batimentos caudais – que tanto podem significar um código de hierarquização entre o grupo como uma reação frente ao que está a acontecer ao redor.

Os comportamentos observados indicam que estes cetáceos vêm em busca de presas para alimentação. Foto: SeaEO Tours

“Temos registo de avistamentos longos, de até quatro horas, e percebemos os diferentes comportamentos – como a socialização e a deslocação”, explica ainda Iolanda Silva.

Cada avistamento é detalhado num formulário, no qual são registados o horário, a espécie, a composição do grupo, o tamanho de cada elemento e o comportamento (reações e interações). São também anotados o azimute (localização e direção), a presença de embarcações na proximidade e a sua tipologia (navios, cacilheiros, embarcações marítimo-turísticas, veleiros e embarcações de pesca).

“Houve um dia no Verão passado em que um cacilheiro parou no meio do rio para deixar passar um grupo de golfinhos!», conta a investigadora Ana Rita Luís, confirmando que tendencialmente as pessoas respeitam a presença dos golfinhos no Tejo.

Explica que “há grupos estáveis que visitam o estuário regularmente”, mas neste projeto não houve “meios para identificação dos animais, pois a distância de observação é muito grande e não conseguimos verificar as características das barbatanas dorsais que são basicamente a impressão digital de cada um”. E acrescenta que outro fator identitário é o assobio de cada golfinho, pois cada um tem um assobio-assinatura. 

Ana Rita Luís é investigadora do MARE-Ispa (Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida – um dos polos do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente). Foto: Ispa

*Texto corrigido às 16:40 de 31 de março de 2023


*Nysse Arruda é jornalista especializada em náutica, autora de diversos livros sobre regatas oceânicas internacionais, fundadora e curadora do Centro de Comunicação dos Oceanos-CCOceanos – uma série de palestras livestream e presenciais a abordar os mais diversos temas relacionados com os oceanos, conectando os países de Língua Portuguesa e tornando Portugal um polo de partilha de informação atualizada sobre os oceanos.


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