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Aqui há umas semanas, ouvi alguém contar que, numa aldeia do interior – dessas onde já não há crianças nem escolas –, passa na sua velha bicicleta, de três em três semanas, um barbeiro, aparelhado com a mesma parafernália de há séculos, para rapar aos velhotes barbas preguiçosas ou arrependidas, ou então cortar-lhes as farripas na nuca e deixar-lhes as duas patilhas do mesmo tamanho.
As mulheres há muito que se acostumaram a usar o cabelo apanhado com ganchos ou escondido num lenço; e, quando os caracóis da testa lhes começam a bater nos olhos, chatos como o vento da serra, pedem simplesmente a uma vizinha mais jeitosa a mercê de umas tesouradas.
Quando eu era pequena e passava as férias grandes a banhos em São João do Estoril, na Praia da Poça, muito antes de haver auto-estrada, supermercados a sério e outros luxos democráticos, também me lembro de ir cortar o cabelo com o meu irmão ao barbeiro, porque não havia cabeleireiros por ali e, em casa, fosse por falta de jeito familiar, fosse por excesso de irrequietude da minha parte, a franja ficava sempre às escadinhas…
Hoje, vivo no entanto numa zona de Lisboa em que os cabeleireiros brotam como cogumelos, oferecendo todo o tipo de serviços. Das tintas às nuances, dos alisamentos às permanentes, das extensões aos tratamentos para a queda…, é como se todas as mulheres que cresceram com o sonho de serem donas de um «salão» tivessem realmente convergido para as duas ou três ruas à roda da minha casa, onde não é nada fácil comprar um carrinho de linhas, pôr uma pilha num relógio ou achar um bom tacho de inox, mas, havendo tempo, dinheiro e loucura, qualquer pessoa pode ser loira, ruiva ou morena na mesma tarde.
Curiosamente, como diria com uma pontinha de desdém a minha mãe quase centenária – que, evidentemente, é do tempo dos rolos, de ripar o cabelo e do fixador –, nunca por aí se viu tanta gente despenteada…
Mas, se já sabíamos que as mulheres são por natureza vaidosas e gostam de se pôr bonitas e parecer mais novas, preste-se a devida atenção à profusão de estabelecimentos para cuidar do visual masculino que abriram na mesmíssima zona.
Não só ressuscitaram as antigas barbearias de bairro com as suas cadeiras janotas de pedal e encosto – com aquele pilar vermelho e branco que, qual chupa-chupa, fica a espiralar à porta para chamar público –, como também fizeram a sua entrada em cena umas lojas sofisticadíssimas que dão pelo nome de «barbólogos», têm sofás de couro e paredes apaineladas, e oferecem aos clientes, enquanto esperam vez, a Interview – como quem ri da pífia bisbilhotice dos cabeleireiros femininos –, ou um ristretto para homens de barba rija.
E falo de barba rija, porque a maioria dos cavalheiros vai agora ao barbeiro não para tratar do cabelo, mas da barba, que, grande ou pequena, com mosquinha a enfeitar o queixo ou farta à lenhador, é preciso aparar todas as semanas com a maquineta adequada.
Já o cabelo é quase sempre para rapar, fazendo de qualquer jovem um calvo avant la lettre, o que é bom para os que perdem o cabelo cedo, mas se presta a algumas confusões noutros casos.
Uma colega minha, que nunca tinha visto o primo de uns amigos senão com o couro cabeludo à mostra (e já o conhecia há muitos anos), quando o descobriu cabeludo achou que devia ser um irmão mais novo e não o cumprimentou, o que caiu mal; mas depois, ao perceber a confusão, meteu água outra vez, dizendo-lhe que o implante ficara fantástico.
Por seu turno, a minha mãe – que trabalhou anos a fio como voluntária no IPO e assistiu à queda de cabelo provocada pelos tratamentos de quimioterapia em dezenas de pessoas –, vendo um dia um amigo do meu irmão que era pivot da televisão a dizer as notícias com a cabeça rapada, ficou devastada e começou logo a fazer telefonemas alarmistas; foi preciso jurar-lhe a pés juntos que se tratava apenas do «penteado» da moda…
Mesmo assim, desconfiou, porque – ainda que o povo reze que é dos carecas que elas gostam mais – não se lhe metia na cabeça que alguém escolhesse a calvície, que não favorecia nem os mais bonitos; por isso, assim que apanhou o meu irmão a jeito, mandou-o fechar a porta do quarto e perguntou-lhe à queima-roupa:
– Agora a sério: se não foi cancro, foi o quê… tinha piolhos?

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Maria do Rosário Pedreira
Nasceu em Lisboa e nunca pensou viver noutra cidade. É editora, tendo-se especializado na descoberta de novos autores portugueses. Escreve poesia, ficção, crónica e literatura infanto-juvenil, estando traduzida em várias línguas. Tem um blogue sobre livros e edição e é letrista de fado.