Nas plataformas, o sol brilha e quem espera prefere a sombra. Na manhã da última quinta-feira, já passada a hora de ponta, as pessoas que aguardavam o comboio já o faziam sem grande pressa. Estamos em Alcântara-Mar, estação da linha de Cascais que de um lado tem a Doca de Santo Amaro e, do outro, o Calvário e o centro de Alcântara, com o movimento próprio de uma centralidade na cidade.
O edifício da estação, ao nível das plataformas, tem as portas abertas e lá dentro estão operadores comerciais da CP a vender bilhetes e a dar informações, bem como dois agentes da polícia que por ali circulam. Mas aqui nem tudo ajuda a compor o cenário normal de uma estação ferroviária.
O túnel que passa por baixo esconde uma realidade bem menos saudável. Inaugurada em 1972, a passagem apresenta uma imagem que surpreende os mais incautos e leva ao suster da respiração de quem por ali já está habituado passar. O túnel que liga as duas plataformas da estação está numa situação de quase abandono há mais de duas décadas, apesar de desempenhar uma dupla função: também permite às centenas de pessoas que ali diariamente passam vencer a linha de comboio – a barreira que separa a frente ribeirinha do resto da cidade.
Em 2013 como em 2022: “Fora de serviço”

Com a ausência de elevadores e com as escadas mecânicas fora de serviço há mais de uma década, o acesso ao túnel e às plataformas não está ao alcance de pessoas com mobilidade reduzida.
Vinda da plataforma, a equipa da Mensagem desceu as escadas e testemunhou o cheiro nauseabundo do túnel, ainda antes de alcançar o último degrau. A iluminação é eficiente e àquela hora da manhã a insegurança não se faz sentir, já que o movimento de pessoas é, apesar do espaço que não convida, constante – o mesmo não poderá ser dito a outras horas do dia.
O espaço está degradado: as pequenas intervenções de limpeza têm efeito curto, com a situação a regressar rapidamente à insalubridade que tem vindo a caracterizar aquele túnel nos últimos anos. O mural pintado há uns anos, com os recortes da paisagem urbana de Lisboa, já não pode ser apreciado – novos grafitis cobrem as paredes da estação, uma vez mais.
Se em 2009 uma reportagem do Diário de Notícias dava conta do túnel que apresentava como a “miséria de Alcântara”, em 2013, João Ferreira, que utilizava a estação para chegar às praias da linha de Cascais, dava de caras com um cenário de “destruição e vandalismo” e com o abandono a que a estação e os seus equipamentos se encontravam sujeitos.
Nove anos depois, João Ferreira vive agora nos Países Baixos, mas recorda-se do estado “deplorável” em que encontrou a estação. “Senti uma grande indignação. Tirei fotos e enviei-as para a REFER, para a câmara de Lisboa e para a CP”. Na altura, soube que estaria a ser equacionada a substituição das escadas mecânicas por rampas em cada lado da linha de comboios. A intervenção não chegou a realizar-se e nada mudou desde então.


Em 2013, o café que ocupava o espaço comercial existente no túnel fechou portas e não terá sido o primeiro a ter este destino. O gradeamento fechado e o interior esvaziado eram evidências de um espaço pouco querido e cuidado e o papel colado no vidro não deixava dúvidas quanto à razão do encerramento: “A nossa atividade encontra-se suspensa, sem data prevista de abertura. É necessário reunir as condições mínimas de segurança e higiene da área do túnel”.
“Achei interessante que o dono do café tenha desistido do estabelecimento. Não deixa de ser sintomático do estado da estação, porque o dono do café teria todo o interesse em fazer negócio, mas não existiam as condições mínimas”, conta João Ferreira.
Nas escadas mecânicas, um papel afixado esclarecia o que era, por si só, uma evidência: “Fora de serviço”. Em 2013, a base de um destes equipamentos estava alagada e nove anos depois o cenário mantém-se inalterado – o abandono da estação cristalizou-se e é difícil encontrar diferenças.
Em 2013, o cenário encontrado por João Ferreira no túnel era idêntico ao atual.
Um ano antes da reportagem do Diário de Notícias, em 2008, era demolida a passagem pedonal superior que desde 1991 assegurava aos passageiros a ligação direta entre as estações Alcântara-Mar e Alcântara-Terra, ligando a Linha de Cascais à Linha de Cintura.
Também essa passagem havia sucumbido a falhas de manutenção, que inutilizaram as passadeiras mecânicas, e à falta de segurança. Talvez falte ali a presença constante de estruturas com trabalhadores, como bilheteiras ou casas de banho, diz-nos João Ferreira, facto que se verifica noutros túneis, como o da estação de Algés, a poucos quilómetros.
Modernização da Linha de Cascais: esperança?


A organização de defesa do consumidor DECO tem desde 2016 um portal dedicado à apresentação de queixas por parte dos utilizadores de transportes públicos. Entre os vários operadores de transporte, é a CP a que regista mais queixas no país, à frente da Carris e do Metropolitano de Lisboa. É em Lisboa e no Porto, as maiores cidades do país, que se concentram as queixas sobre o estado das estações.
“Os consumidores notam que as estações não têm higiene, não têm segurança, têm receio de viajar e de entrar no comboio”, afirma Paulo Fonseca, coordenador do departamento jurídico da DECO. “Existem também muitas queixas relativamente a pessoas que têm mobilidade condicionada e que não conseguem aceder às estações e desistem”, acrescenta.
O representante da organização de defesa do consumidor gostava que o transporte ferroviário deixasse de ser “o transporte menor em Lisboa” e que passasse a ser visto, também para os lisboetas e não apenas para quem vive fora dos limites do concelho, “como uma alternativa ao metro”.
Paulo Fonseca lamenta a fraca frequência de comboios na estação vizinha de Alcântara-Terra, lembrando que aqui o comboio pode mesmo ser mais competitivo do que o metropolitano, oferecendo um exemplo prático: “Se estou em Alvalade e quero deslocar-me para Alcântara-Mar, por que é que tenho de apanhar o metro e o autocarro? Certamente que o percurso é superior a meia hora. O transporte ferroviário entre Roma-Areeiro e Alcântara-Terra demora 15 minutos”.
Recorde-se que, durante os fins de semana, não há comboios nesta estação, impossibilitando a ligação da Linha de Cascais à Linha de Cintura e que, durante a semana, a frequência é de meia hora.


Apesar de incerto, o túnel da estação Alcântara-Mar pode estar prestes a sofrer uma requalificação. Não só está prevista a criação da ligação ferroviária entre a Linha de Cascais e a Linha de Cintura, através de um túnel ferroviário, como está também prevista a modernização da Linha de Cascais na sua totalidade.
Esta obra, segundo a própria IP, vai contemplar obras de melhoria nas 17 estações e apeadeiros da linha, até 2029. O foco das intervenções a realizar nas estações será, diz a empresa pública, “a melhoria das acessibilidades às plataformas, do conforto, comodidade e qualidade do serviço prestado ao passageiro, mas também o reforço dos índices de segurança”.
Para a DECO, esta deve ser a prioridade. Paulo Fonseca assume que a expectativa, “com a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência [era a de que] houvesse um investimento maior que não seja visto como um investimento muito largo só na ferrovia, mas nas condições das infraestruturas: tornar a estação mais agradável, mais atrativa e mais segura”.
Futuro da Ferrovia em Lisboa
A Mensagem contactou a Infraestruturas de Portugal (IP), entidade que gere a infraestrutura da Rede Ferroviária Nacional, mas não obteve, até ao momento, respostas às questões colocadas. A IP fez saber, no entanto, que a entidade responsável pela gestão do túnel é a Câmara Municipal de Lisboa (CML).

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Frederico Raposo
Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.
✉ frederico.raposo@amensagem.pt
Na estação ” gemea”, Alcântara Terra, não há WC. A IP/ CP, acha que não tem a obrigação de prestar esse serviço aos utentes. Alugou os espaços da Estação a escritorios, que se veem ” obrigados” a deixar usar as suas pp Wc aos passageiros mais “aflitos”. Não admira portanto o cheiro nauseabundo que se sente na proximidade das estações.
Nem falaram do facto de a casa de banho e da antiga bilheteira estarem entaipadas desde há muito. (Da bilheteira nem há sinal de alguma vez ter existido.)