Há cinco décadas que Isabel Castro Henriques estuda a história africana. A historiadora lançou este mês o Roteiro Histórico de uma Lisboa Africana e explica como os africanos, que chegaram como escravos, intervieram na construção social, cultural e económica da cidade que também construíram.

Depois de ter iniciado os seus estudos na Sorbonne, em França, em 1970, onde estudou o século XV, dedicou-se a descobrir as marcas, escassas e escondidas, desta história. E perceber onde e como começou o preconceito. Esta é a história que agora ajuda a descobrir e revelar – isto, afirma, é mais útil do que destruir ou esconder.

Há quem diga que Lisboa é a cidade mais africana da Europa. Concorda?

Lisboa tem uma história africana que será certamente a mais importante da Europa. Por exemplo, Lisboa teve um bairro africano antes de todas as outras, não há outro Bairro como o Mocambo em lado nenhum. Por outro lado, é evidente que Portugal teve um papel central no tráfico negreiro, introduzindo no país milhares de escravos durante os séculos XVI, XVII, XVIII. Isto além dos que iam para o Brasil e dos muitos que nasciam em Portugal, filhos de mães escravas, até 1773, data em que a Lei do Ventre Livre, do Marquês de Pombal, que liberta da escravatura os filhos das mulheres escravas. Lisboa foi, seguida talvez por Sevilha, a cidade europeia que mais população de origem africana recebeu ao longo dos séculos e que mais marcas africanas tem hoje. Desde a segunda metade do século XV. Portanto, nesse aspeto podemos, sim, afirmar que Lisboa é cidade a mais africana da Europa.

E Lisboa assume bem essa identidade?

Aquilo que se tem feito hoje e o que procura fazer-se no futuro próximo vai nesse sentido: assumir essa identidade, reconhecer e valorizar essa presença africana na construção, na manutenção e na cultura da cidade. Mas não chega, é necessário fazer muito mais.

O que é que quer dizer com “fazer a descolonização da cidade”? É integrar esse reconhecimento de que os africanos e a sua história são parte integrante do tecido lisboeta? O que é que isso quer dizer exatamente?

O conteúdo imediato é o de desconstruir na cidade de Lisboa tudo aquilo que tem que ver com o imaginário da colonização, a que podemos chamar “cultura colonial”. As cidades foram marcadas por todo o período colonial português e descolonizar a cidade será transformar as marcas que existem e são consideradas negativas numa cidade que pretende combater preconceitos, formas discriminatórias e posições racistas e ser uma cidade aberta, multicultural e acolhedora de todos os homens e mulheres de todas as cores e feitios existentes no mundo. 

Defende a eliminação dessas marcas, como estátuas e monumentos?

Não. Eu sou contra a destruição das marcas da história colonial. Acredito que a cidade de Lisboa tem várias histórias. Tem uma história romana, árabe, africana – que queremos dar agora a conhecer – e tem uma história colonial, entre várias outras. A história colonial faz parte da identidade portuguesa. E tal como nunca devíamos ter silenciado as outras histórias, não devemos silenciar a história colonial. Silenciar um aspeto da história global é esconder e limitar a reflexão sobre esse tempo violento e problemático, que é fundamental para podermos assumir, ultrapassar, reconhecer os erros e não voltar a cometê-los. 

Foi esta uma das perspetivas fundamentais do projeto A Rota do Escravo, da Unesco, que era a de quebrar o silêncio. Quebrar o silêncio da escravatura, facto histórico que, em Portugal, foi marcado por um longo e grave silenciamento. Esconder e silenciar é uma maneira de não aprender com a história, de não a reconhecer e sobretudo de não a ultrapassar e assumir. Eu defendo a construção (e não a destruição) de todas as histórias de Lisboa, em particular aquelas que foram esquecidas, como a história africana da cidade.

Ou seja, seria, por exemplo, manter o que existe, mas acrescentar as tais placas toponímicas, para construir um outro conhecimento histórico de Lisboa – incluindo todas as comunidades que fizeram parte do desenvolvimento da cidade?

Exatamente. O meu trabalho tem sido sempre a construção da história. É evidente que entendo que existem monumentos e estátuas que poderão chocar a sensibilidade dos lisboetas… Nesse caso, retirem-se as estátuas, se estiverem muito expostas, e coloquem-se eventualmente em outros espaços, como os museológicos. Os arquivos e bibliotecas também guardam documentos escritos cheios de violência – e nós não vamos rasgá-los, destruí-los. Antes vamos utilizá-los criticamente.

Portanto é contra a destruição das memórias, mesmo que alguns as achem ofensivas?

Sou contra a destruição e pela preservação. Até para ser possível estudar, interpretar e compreender os fenómenos históricos. Esta é a questão fundamental. Da mesma forma que os alemães não destroem os locais do Holocausto, muito pelo contrário, são exibidos aos turistas, observados e estudados, precisamente para que se veja o que aconteceu e não se repita, Portugal não tem que esconder a história colonial. Ela existiu e temos que a reconhecer. Temos de olhar para os monumentos, um a um, e estudá-los como documentos históricos. A história tem de ser estudada, pensada, refletida.

A entrevista, no Jardim Botânico Tropical. Foto: Rita Ansone

Porque e quando começou a estudar a presença africana em Portugal?

Só a partir do ano 2000 e foi então que me apercebi de uma história desconhecida, silenciada e silenciosa. Deparei-me com grandes dificuldades para encontrar documentos escritos, iconográficos, fontes históricas necessárias à elaboração dessa história. Como sabemos, os africanos vieram para Portugal em meados do século XV, como escravos. Vieram despidos de tudo, considerados “mercadoria”, “coisas” destinadas ao trabalho, desumanizados, pelo que as suas vidas em Portugal não suscitaram o interesse dos investigadores, não foram consideradas dignas de registo, nem objeto de estudo.

Os africanos que chegaram a Lisboa nessa época eram todos escravos?

Sim, quase todos. De meados do século XV ao século XVIII, a grande maioria eram escravos. Não quer dizer que não existissem africanos que chegassem como pessoas livres. Por exemplo, no século XVI, havia relações intensas entre a corte portuguesa e o Rei do Congo, que enviava para estudar em Portugal alguns membros da sua casa real. Havia também africanos que estavam ligados à igreja. Outros tornaram-se livres – os forros – e alguns, sobretudo mestiços, assumiram funções relevantes na sociedade portuguesa, em particular a partir do século XVIII. Mas a maioria era escrava e vinha para trabalhar nas tarefas mais duras e desvalorizadas da sociedade portuguesa. 

Como é que os africanos se estabeleceram em Lisboa? Como viviam? 

Chegam como escravos, são desembarcados, avaliados – normalmente na zona do Terreiro do Paço – e comprados. Havia um espaço chamado Casa dos Escravos como havia a Casa do Trigo ou a Casa das Madeiras. Eram vendidos a senhores da burguesia ou aristocracia. Normalmente, viviam nos espaços das casas senhoriais, muitas vezes como domésticos. 

E como se tornavam forros, ou livres, e o que é que isso significava realmente?

Desde muito cedo, verificou-se a alforria. Isto é, alguns senhores davam-lhes a liberdade. Eram mais independentes, embora ocupassem na esfera e na hierarquia social os trabalhos mais desvalorizados. Alguns viviam na casa dos senhores. As ordens religiosas, os conventos em Lisboa, por exemplo, eram grandes consumidores de escravos. Desde o final do século XV, princípio do século XVI, os forros começam a organizar-se e a viver na cidade de Lisboa, nas suas casas, muitas vezes arrendadas. Mas havia também quem tivesse casa própria. Há nota nos documentos, sobretudo de mulheres que têm casa própria, porque possuem mais bens, que normalmente conseguem através da atividade comercial. Vivem nos bairros antigos de Lisboa: na Mouraria, Alfama, Bairro Alto. Há também uma massa importante de africanos (livres) que começa a estabelecer-se, sobretudo no século XVI, numa zona ocidental da cidade, mas considerada já fora do espaço urbano de Lisboa.

No Bairro do Mocambo?

Sim, no Bairro do Mocambo! As fronteiras ocidentais de Lisboa situavam-se, naquela época, onde é hoje a Rua Poço dos Negros, a Igreja de Santa Catarina. Depois temos a Av. D. Carlos I, e, do outro lado da avenida, começava o Bairro do Mocambo, onde é hoje a Madragoa. 

Isabel Castro Henriques no Jardim Botânico Tropical, antigo Jardim Colonial, em Belém. Foto: Rita Ansone

Como é que descobriu esse bairro? É a primeira a falar dele.

Descobri este lugar quando fiz a investigação para o meu livro Herança Africana em Portugal, em 2009. Sabia que o termo é de uma língua angolana – o Umbundu. Conhecia mocambos na história de África. Em Angola e havia também no século XVI em São Tomé. Eram lugares para onde fugiam os escravos das plantações da cana-de-açúcar, no mato. Mocambo significa lugar de refúgio, de proteção, aldeia, e é sinónimo de Quilombo, como os que são bem conhecidos no Brasil, cuja origem linguística é o Kimbundu, também língua de Angola. O que eu sabia dos Mocambos suscitou-me logo um interesse particular e percebi que, com este nome, só poderia ser um espaço africano. Tanto mais que havia, em Lisboa, bairros destinados a comunidades, como a Mouraria e a Judiaria. Não havia nenhuma “pretaria”, embora tenha encontrado uma ou outra referência documental a este termo. Existia então o Bairro do Mocambo, dos africanos.

Recém chegados, recém livres… como é que os africanos se organizaram nesse bairro? E como nasceu?

Foi construído numa conjugação de interesses entre as autoridades portuguesas, que ali os viam ali de certa forma mais controlados, e os africanos. Para eles foi também uma estratégia, viverem numa zona onde eram todos de origem africana – embora de línguas e culturas diversas – e onde podiam, um pouco longe do olhar dos portugueses – preconceituoso e crítico -, praticar atividades culturais, cerimónias e rituais que lhes permitiam manter a africanidade. O bairro foi criado por alvará régio em 1593, e seria o segundo dos seis bairros em que estava organizada a cidade de Lisboa. O bairro vai crescendo e a partir do século XVII aparecem portugueses. Sobretudo ligados às tarefas do mar – pescadores, marinheiros, vendedoras de peixe.

As diversas atividades no Terreiro do Paço, no século XVII, por Dirk Stoop. No canto inferior esquerdo, um provável criado negro, portador de uma espada. Foto: Arquivo Municipal de Lisboa

Também nisto Lisboa foi singular?

O Bairro do Mocambo é certamente único na Europa de então e ao longo dos séculos seguintes. Não havia outro bairro africano e foi também o mais antigo instalado fora de África. Os quilombos e mocambos no Brasil, mesmo em Salvador da Bahia, são todos posteriores ao de Lisboa. Na segunda metade do século XIX, o bairro do Mocambo desaparece e a sua memória perde-se rapidamente no tempo.

Lisboa era uma cidade de múltiplas nações. Nesta época os africanos eram considerados portugueses, lisboetas?

A maioria dos que nasciam em Portugal, se fossem filhos de escravos, escravos eram. Não tinham nacionalidade, nem cidadania. Os forros, que se saiba, durante este tempo, ficam consagrados como forros – que remete para a origem escrava. Penso que só com a abolição da escravatura, em meados do século XIX, é que os descendentes de africanos – já não entravam legalmente escravos em Portugal desde os anos 1761, legislação do Marquês de Pombal, que proibiu – transformaram-se lentamente em portugueses. Embora não lhes fosse dada a cidadania. Ainda hoje continua a ser difícil. 



Consulta sobre a necessidade de se substituir os cavaleiros africanos, que seguravam nas varas do pálio, na procissão do Corpo de Deus, por outros cavaleiros que deveriam ser nomeados pelo rei, 24 de junho de 1672, Lisboa. Foto: Arquivo Municipal de Lisboa

É essa a história que a leva a concentrar em Lisboa, no seu último livro Roteiro Histórico de uma Lisboa Africana?

Sou lisboeta! Mas sobretudo porque havia e há mais documentação escrita e iconográfica sobre Lisboa do que sobre o resto do país. A maior concentração de africanos era nos centros urbanos, e em particular na capital. No século XVI, 10% da população de Lisboa era africana. Quando observamos a história de Lisboa, encontramos mais gente africana visível, os escravos e os forros, nas suas múltiplas atividades económicas, sociais, religiosas. Logo, foi possível recolher mais informação e estudar de forma mais pormenorizada e densa.

Diz que os negros tiveram uma intervenção na vida social, cultural e económica na vida da cidade. Lisboa não seria o que é sem essa presença? 

Acredito que a construção e a evolução da cidade de Lisboa, como qualquer cidade, tem sempre a ver com aqueles que lá vivem e trabalham. E desempenham um papel fundamental na construção da cidade. Logo, os africanos foram uma massa importante de população que tinha funções laborais em todos os domínios. Ocupavam-se do que era rejeitado pelos portugueses, trabalhos desclassificados, considerados inferiores, mas que eram indispensáveis à gestão urbana. Por exemplo, a limpeza da cidade, a distribuição da água, a circulação de informação – os africanos funcionavam como “correio”. 

Referiu também o comércio.

Sim, a atividade comercial era extremamente desenvolvida pelos africanos e em particular pelas mulheres africanas. Percorriam a cidade a pé e vendiam os mais diversos produtos: peixe, pão, bolos, verduras e frutas, sal, cereais, carvão.… E tinham freguesas, clientes habituais, que diariamente as aguardavam para se abastecerem. A atividade comercial era intensa e foi sempre importante. A preservação e manutenção das casas, também. Uma das figuras africanas que percorreu toda a história é a do africano chamado o Preto Caiador, que caiava os edifícios da cidade. Existem inúmeras representações iconográficas em que vemos o caiador africano. Caiavam as casas, preservavam os monumentos, arranjavam calçadas e ruas, tudo o que era a conservação da cidade, e isto era fundamental. 

Imagem do Preto Caiador. Foto: Arquivo Municipal de Lisboa

E sobrava-lhes tempo do trabalho?

Há uma intervenção permanente na parte lúdica, na música, na dança e na religião. Participavam ativamente como membros das confrarias, em particular, nas procissões, nos atos religiosos, que como sabemos se desenvolviam e proliferavam na cidade de Lisboa. Não só como confrades, pois pertenciam a várias confrarias e irmandades – nomeadamente à de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, na igreja de São Domingos em Lisboa, no final do século XV, para acolher precisamente os africanos, escravos ou forros. As confrarias protegiam os africanos, permitiam melhores condições de vida, mais fácil integração na sociedade e relações sociais importantes para desenvolveram as suas atividades laborais. E assim os escravos conseguiam os valores necessários para comprar a liberdade.  

Disse há pouco que a história africana continua a ser mal conhecida, ainda silenciosa. Como poderia ser diferente em Lisboa?

Já é mais conhecida, mais divulgada, graças precisamente a uma série de estudos que foram aparecendo. O que se pode fazer para alargar esse conhecimento é desenvolver sistematicamente projetos diversificados: culturais, musicais, cinematográficos. E no ensino, é fundamental, existe a necessidade de remodelar e renovar os manuais de ensino. 

E fora da escola e do ensino?

Trabalho, por exemplo, com a Associação Cultural e Juvenil Batoto Yetu  num projeto de identificação e explicação dos lugares da memória histórica africana de Lisboa: através de um passeio em tuk tuk, percorrer os sítios da presença africana na cidade. Estamos a desenvolver outro projeto, muito importante, de placas toponímicas explicativas de lugares da cidade de Lisboa onde é possível reconhecer memórias africanas (e agora preservá-las, através das placas). São 20 lugares de Lisboa. O projeto inclui também duas estátuas, uma delas o Busto do Pai Paulino – figura oitocentista importante na defesa das populações africanas de Lisboa -, que está acabada e vai ser colocada no Largo de São Domingos.

Muita coisa mudou nos últimos anos? Podemos considerar que depois da independência das colónias, sobretudo, a presença da comunidade africana em Lisboa passou a ser vista de forma diferente?

Penso que logo a seguir à independência, não houve uma grande atenção em relação à história africana de Lisboa. O interesse pelas questões africanas surge sobretudo a partir do final do século XX. É um problema do século XXI que começa a impor-se, a surgir no contexto intelectual, cultural e social português, nomeadamente através da adesão a formas culturais africanas atuais como a música, a dança, o cinema, as artes plásticas. Isto fez emergir as comunidades de origem africana, quer os afrodescendentes, quer os imigrantes africanos – que existem muitos. Portanto tem havido alguma atenção, mais visibilidade, mais interesse por África. Mas ainda não chega… A população portuguesa foi muito marcada, durante séculos, por uma ideologia desvalorizadora dos africanos.

Isabel Castro Henriques: “Penso que logo a seguir à independência, não houve uma grande atenção em relação à história africana de Lisboa. O interesse pelas questões africanas surge sobretudo a partir do final do século XX. Nomeadamente através da adesão a formas culturais africanas atuais como a música, a dança, o cinema, as artes plásticas.” Foto: Rita Ansone

Um preconceito?

Um preconceito que ainda não desapareceu. Deu origem a uma forte cultura colonial, que ainda permanece. As marcas dessa cultura emergem no tecido social português, através da língua, de representações, de formas de atuação e de vivência. E vemos isso nas dificuldades ainda existentes de um reconhecimento natural da cidadania relativamente às populações afrodescendentes. Quando se observa alguém que tenha uma marca física mais escura, sempre se questiona de onde é, de onde veio. Parte-se do princípio de que não são portugueses, quando na realidade muitos são portugueses. Tão portugueses quanto todos os outros. 

Diz no seu livro que esse preconceito surgiu a partir do século XIX, curiosamente após a abolição da escravatura. Refere que é neste período que são desenvolvidos estudos, por exemplo de Oliveira Martins, que fazem uma desvalorização física, racial e cultural dos africanos.

Penso que esse é um momento do agravamento do preconceito. O preconceito vem desde o século XV com a chegada. Havia um repúdio, o problema da cor da pele, do corpo. Depois, a rejeição das práticas culturais. E depois, uma rejeição social, porque eram escravos. Ainda hoje, privilegiam-se os que pertencem a classes sociais mais elevadas e discriminam-se portugueses das classes sociais mais desvalorizadas. Esse preconceito foi-se modificando e sedimentando em função dos diferentes contextos e conjunturas históricas, sem ruturas, num processo contínuo. O século XIX introduziu uma dimensão fundamental do preconceito que foi a dimensão científica.

Científica como?

A partir daí não era só o físico, o social e o cultural, era também considerado inferior do ponto de vista científico. Esta vertente estava naturalmente relacionada com as teorias que se desenvolveram na Europa. As teorias raciais e de hierarquização cultural dos vários grupos à escala do mundo. E forneceram uma dimensão científica ao preconceito, tornando-o mais robusto e legítimo. O século XX colonial agrava.

Devido à reivindicação da independência?

Exato, contra os africanos que recusam a dominação europeia, nomeadamente no princípio do século XX, com as chamadas campanhas de pacificação em África. No caso português, a guerra colonial a partir de 1961. Os africanos são vistos não como combatentes, mas como terroristas: mais uma formulação extremamente negativa. Logo, o preconceito já vem de trás e daí a dificuldade em eliminá-lo. Está extremamente enraizado na população portuguesa. 


Nascida em Braga, Júlia Mariana Tavares fez de Lisboa casa, com vontade de contar histórias desta cidade cosmopolita e multicultural. Finalista de Ciências da Comunicação da Faculade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa, está a estagiar na Mensagem de Lisboa. Texto editado por Catarina Pires.

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51 Comentários

  1. Parabéns Júlia Mariana Tavares!
    Excelente trabalho jornalística.
    Sigo o trabalho da Professora Isabel Castro Henriques, que creio ser minha vizinha no bairro de Belém.
    É uma pioneira, uma estudiosa e uma intelectual como poucas. Concordo plenamente com todo o seu discurso, porque só se pode discursar sobre aquilo que resiste, que não é alvo de destruição. Para mim é tão óbvio o valor da História que não pode haver nada mais forte acima dela. O vazio não é passível de ser estudado.
    Toda a entrevista é muito boa, sendo que destaco, entre tudo o que a Professora Isabel Castro Henriques afirma, o seguinte: «E tal como nunca devíamos ter silenciado as outras histórias, não devemos silenciar a história colonial. Silenciar um aspeto da história global é esconder e limitar a reflexão sobre esse tempo violento e problemático, que é fundamental para podermos assumir, ultrapassar, reconhecer os erros e não voltar a cometê-los. »
    Bem haja.
    Ulika da Paixão Franco

  2. Uma excelente escritora e uma excelente jornalista. Um trabalho que vou explorar … Obrigado.
    Paulo Cordeiro Salgado

  3. Excelente entrevista, parabéns. Aprendi muito e fiquei com vontade de saber mais.

  4. Excelente trabalho jornalístico esta entrevista a uma historiadora de exceção. A Dra. Isabel Castro Henriques foi minha professora de «História da África Negra» na FLL. Lembro com saudade as suas aulas e com um sorriso de bonomia o facto de usar a bainha dos seus jeans dobrada e subida até meio da perna. Era (e é) uma mulher bastante alta.

  5. Que entrevista tão boa. Muito obrigado. A clareza de pensamento que ajuda a humanizar pela verdade das coisas, sem esconder, abafar, negar ou anular. Pelo contrário, há que revelar para, como diz Isabel Castro Henriques, não repetir.

  6. Que interessante! Parabéns e MUITO obrigada por tudo o que acabei de aprender!

  7. Depende das marcas da história que se destroem. Monumentos a indivíduos que se tornaram notáveis pelo seu papel em actividades ligadas ao fomento da escravatura, racismo e domínio colonial, ou que promoveram a sua base ideológica, na minha opinião devem desaparecer do espaço público.
    Estou plenamente de acordo com o historiador britânico David Olusoga, quando diz no The Guardian de 8 de junho de 2020: – o derrube da estátua de Edward Colston (um sujeito cuja fortuna foi obtida através do trafego de escravos) não é um ataque à História. É História.
    Por outras palavras: se a erecção de monumentos é um episódio histórico, a destruição dos mesmos também o é.
    (The toppling of Edward Colston’s statue is not an attack on history. It is history.)

  8. Conheço bem a entrevistada. Fui sua aluna em 1975/6 e no ano seguinte, tempos tão memoráveis como as suas aulas, desde o seu modo de vestir( vestidos longos coloridos e floridos, blusas brancas com golas bordadas e jeans arregaçadas pela perna acima) aos temas e metodologias de trabalho que seguia e ensinava, de forma muito honesta e discreta, mas, com grande entusiasmo e sabedoria fundamentada. Para nós, acabados de sair do fascismo, aquelas e outras aulas eram um deslumbre…..esta entrevista é muito importante para divulgar todo o seu trabalho pioneiro em Portugal, mal conhecido, por ser uma investigadora discreta e doce, nada dada a circuitos de poder. Está na altura de alguma entidade dar a conhecer de forma organizada e sistemática o seu trabalho intelectual, começar pelos seus livros, fazer “mesas redondas”, cursos na Gulbenkian, CCB, Organização de percursos por Lisboa, guiados por alguém indicado pela Investigadora Isabel Castro Henriques, etc, etc….

  9. Excelente trabalho de jornalista e uma entrevista que projeta o trabalho da professora Isabel Castro Henriques, cujo trabalho é conhecido, profundo e df grande relevância no atual contexto de contestação da memoria histórica. Fiquei desperta para a aquisição do livro. Parabéns.

  10. Li e vou reler. É reconfortante saber que se faz um trabalho tão importante para todos, a par da desumanização crescente a que assistimos.
    Os meus parabéns e gratidão.

  11. Fui seu aluno. Ensinou-me uma parte do passado português que eu desconhecia. Foi muito importante para mim tomar consciência da presença africana. Por aqui, no Alentejo (Estremoz) ela foi enorme. Tenho-a encontrado muito, nomeadamente no aspeto físico de conterrâneos (cabelo crespo), e na toponímia. Algumas pessoas a quem falo nisso ficam estupefactas, Principalmente se têm cabelo crespo. A Hisrória da presença africana deve ser mais divulgada. Alguns racistas que há por aqui perderiam o pio!

  12. Excelente trabalho. Magnífica entrevistada com entrevistadora à altura. Uma rara combinação. Parabéns às duas protagonistas e à equipa de “A Mensagem” pelo trabalho de divulgação e valorização dos valores e da história de Lisboa.

  13. Com todo o respeito pela Senhora Dra Isabel Henriques e pelo seu trabalho de investigação histórica sobre a influência de africanos negros no desenvolvimento de Portugal, que considero importante para a História de Portugal e dos demais impérios coloniais, recuso que seja a dimensão mais relevante para o estudo dos 500 anos da história colonial portuguesa. Antes do mais não foram os portugueses que lançaram a escravatura em África e muito menos no Mundo. Segundo destacados investigadores nos primórdios desse costume universal, consequência das lutas entre povos de diversas origens, os Homens brancos derrotados foram os primeiros a serem tomados como escravos. Se queremos exemplos de barbárie em Portugal podemos investigar a morte no fogo das mulheres brancas declaradas bruxas e os Judeus perseguidos e mortos na Europa, incluindo em Portugal, que atingiu o pico do horror com o holocausto levado a cabo pelos alemães na II Guerra Mundial. A história carece de tempo de reflexão, longe de paixões e ideologias e pressupõe um estudo do contexto político económico e social do tempo em que os factos ocorreram. Não se pode analisar e julgar a civilização romana e o seu principal divertimento de massas – o Circo, à luz das noções e conceitos civilizacionais contemporâneos. Obrigado.

  14. Nao aos iconoclastas. Tenho orgulho na História de Portugal e na colonização portuguesa desde os Descobrimentos. Os nossos antepassados encontraram em África e no Brasil tribos primitivas que se guerreavam entre si canibalizando e escravizando os vencidos. Portugal entregou no continente africano, ainda que abruptamente, territorios vastissimos, desenvolvidos, com excelentes infra-estruturas e criou uma hegemonia a sombra do Direito, da lingua portuguesa e da Igreja Católica, numa politica de miscegenacao. As mais valias da colonização portuguesa, a mais humana do mundo (vejam o ” apartheid na Africa do Sul por ingleses e holandeses, a extinção dos índios na América e dos aborígenes na Austrália), não podem honestamente ser postas em causa.

  15. Descobri com enorme entusiasmo, através desta fantástica entrevista, uma intelectual, investigadora e historiadora portuguesa com uma visão da história caracterizada pela imparcialidade, humanismo, sugestiva de exemplar e pouco frequente (para não dizer rara) honestidade intelectual e discrição. Para além da sua beleza fisica, absolutamente inspiradora. Vou seguir o seu trabalho.

  16. Gostei desta entrevista. Mas quanto à afirmação “Os africanos são vistos não como combatentes, mas como terroristas” (no fim da mesma) não concordo inteiramente. A expressão “terrorista” significa que se utilizou o terror para conseguir certos fins, nomeadamente usando de extrema violência e barbarismo, o que foi exactamente o caso dos que espalharam o terror (precisamente) no norte de Angola, em 1961. Não creio que se possam considerar como combatentes esses homens, dado que não “combateram” contra um exército regular, mas sim chacinaram civis indefesos, tanto europeus como africanos. Mais tarde sim, combateram contra o exército português, e nessa ocasião já se lhes aplicará o termo combatentes.

  17. Sou apaixonada pela cidade de Lisboa, aprendi muito com esta entrevista e despertou o interesse para esta temática da Lisboa multicultural, tão presente nos nossos dias. Muito obrigada!

  18. Excelente entrevista que me permitiu ficar a saber com mais profundidade, como foi a evolução da vinda de africanos para Lisboa!

  19. Excelente artigo que revela a dimensão etnográfica de Lisboa ,a terra das mais desvairadas gentes como diz Fernão Lopes.
    Optimo material de apoio para o estudo da História Portuguesa.

  20. Oportuna entrevista de uma professora especialista em História de África. Fui seu aluno na FLL e aprendi bastante nas suas aulas magníficas. Enquanto em algumas instituições da Universidade de Lisboa se fazia um percurso que circulava à volta dos mesmos temas e da mesma ideologia que se centrava no luso-tropicalismo, como pude constatar mais tarde, ela traçava um caminho novo na História de África no nosso país que agora continua. É um trabalho e um percurso notáveis.

  21. Em Salvador, Bahia, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, fica no Pelourinho. A irmandade preserva a sua história ligada à diáspora negra, a liturgia dos cultos faz uso de músicas dos terreiros de Candomblé, ao som de atabaques. Nesta igreja, é celebrada toda terça-feira uma missa católica que incorporou alguns dos elementos da cultura africana, como as cantorias e danças. Nas datas comemorativas de Santa Bárbara e Iansã, a igreja é o ponto central dos festejos e uma demonstração viva do sincretismo religioso da Bahia.

  22. Grande entrevista, fantástica abordagem, séria, desassombrada, de um tema tão interessante e importante da História do mundo. Falar, assumir, analisar e corrigir, só assim podemos compreender o passado e crescer. Obrigada. Parabéns!

  23. Quando a Senhora., Maria Antónia Fraga , escreve : “Não creio que se possam considerar como combatentes esses homens, dado que não “combateram” contra um exército regular,” falando dos negros que se revoltaram no norte de Angola, em 1961, como devemos considerar os portugueses que lá chegaram no XV° século, e assassinaram, destroçaram famílias inteiras, aldeias e puseram em escravidão esse povo? Quem são os terroristas?

  24. Excelente entrevista, ponderada e muito informativa. Aprendi muitas coisas que desconhecia. Muito obrigado à Senhora Isabel Castro Henriques.
    E também estou de acordo com o Senhor Jorge Leitão quando disse:
    14.08.2021 em 2:30 pm
    Depende das marcas da história que se destroem. Monumentos a indivíduos que se tornaram notáveis pelo seu papel em actividades ligadas ao fomento da escravatura, racismo e domínio colonial, ou que promoveram a sua base ideológica, na minha opinião devem desaparecer do espaço público.

  25. Quantos portugueses sabem que no momento da implantação da república 7% da população de Lisboa era negra de origem escrava? O fato de não restar nada da sua presença em Portugal senão talvez uma praceta, Poço dos negros, cujo nome em bem revelador do desprezo que sempre suscitaram em Portugal, onde simplesmente se apagou a sua história.

  26. Em 2013 Portugal foi condenado pela comissão da ONU dos direitos humanos por racismo e discriminação racial contra a sua população de origem africana e imigrantes africanos no: trabalho, trasportes, serviços públicos, alojamento e até na justiça e na educação. A notícia passou despercebida na mídia. Curiosamente três anos depois o Estado brasileiro foi condenado pela mesma razão. Trata se afinal dum legado histórico comum e transversal a todo o espaço da lusofonia. Assim sendo não será de admirar que o racismo retrógrado que possa emanar dos novos estados africanos possa ter lugar nos próximos tempos, com a crescente tomada de consciência histórica daqueles povos. Daí a importância que têm as políticas criadoras de pontes para contrariar o espetro do racismo.

  27. Já é tempo de denunciar a maior mentira sobre a qual a lusotropicalismo construiu a sua história: o racismo . . Eça de Queiroz

  28. Excelente entrevista.
    Tudo o que se possa dizer acerca do assunto é sempre bem vinda. A história africana no nosso país é muito maior do que o que sabemos. Este mal tem que ser combatido. A entrevista da Professora Isabel Castro Henriques, pela sua clareza, veio abrir as nossas mentes para o combate à ignorância geradora do racismo. Se em Portugal houver alguém que não tenha na sua genealogia um judeu, um oriental ou um negro que se mostre porque certamente será uma raridade. Obrigada Professora.

  29. Uma entrevista muito interessante e bem conduzida.
    Para mim, que sou de História, foi um verdadeiro “abrir de olhos”. A temática é importante e leva a um novo olhar sobre a história de Lisboa.
    Fiquei muito interessada e vou começar a pesquisar e a transmitir aos meus alunos.
    Obrigada Professora Isabel Castro Henriques.

  30. Fiquei satisfeito por ver, finalmente, uma historiadora escrever sobre um tema que , ao contrário do que se julga, nunca foi tabu … antes foi um tema ignorado e desvalorizado! Parabéns, pois , à Dra Isabel Henriques por ter estudado as marcas africanas em Lisboa e defender a sua manutenção e estudo ! Haja Deus … que nem todos os universitários se revêem nas ideias tolas de destruir o Monumento dos Descobrimentos ou o Mosteiro dos Jerónimos !
    Dito isto, discordo da leitura de vários panegíricos acima que vêem, na obra agora divulgada, a defesa de uma tese, igualmente tola e “talisbânica”, que a História de Portugal em África , se resumiu à escravatura …A Dra Isabel foca um “detalhe” importante da história de Lisboa , acentuando, contra os ignorantes , a importância do conhecimento da nossa História, para nossa glória e para correcção de erros do passado ! Amigos ou neo-professoras ou incautos leitores , leiam o Roteiro que será tanto mais útil quanto mais lerem e relerem a História de Portugal !

  31. Só para esclarecer que “Poço dos Negros” se referia a um poço que pertencia aos frades negros (os jesuítas).

  32. Quando o Senhor Joaquim de Freitas Pereira [15.08.2021 em 4:10 pm] escreve: “como devemos considerar os portugueses que lá [a Angola] chegaram no XV° século, e assassinaram, destroçaram famílias inteiras, aldeias e puseram em escravidão esse povo?”,
    eu responderia: podemos considerá-los comerciantes.
    Porque no século XV — infelizmente — os escravos eram considerados mercadoria comerciável.
    E convém notar que os portugueses compravam os escravos a africanos negros do litoral os quais periodicamente faziam razias no interior do continente para “caçar” escravos.

  33. Magnífico estudo e entrevista. A História de Portugal é grandiosa e, apesar de muitos episódios condenáveis, digna de louvor e glória. É inadmissível que energúmenos psiquicamente fanáticos, organizados ou agindo em solitário (como a recente vandalizadora do Padrão dos Descobrimentos), vandalizem e destruam monumentos evocadores de uma história que de todo ignoram. Uma réplica barata dos talibans.

  34. Finalmente! Este poderá ser o ponto de partida para desenterrar os fantasmas do colonialismo que não nos têm permitido encarar sem complexos a nossa história. A ignorância obriga-nos a enterrar os pés no passado sem espaço para ver mais do que é voz corrente. Que esta seja a alavanca que nos coloca do lado certo da história. Obrigada professora. Vou estar atenta .E se Africa e o seu povo lá, estão no meu coração, conhecer melhor o que foi a sua vida cá, será um marco fundamental para todos..

  35. Cumpre, e bem, o seu papel de historiadora lusa. O que acho relevante nas afirmações é o fato de per si, a narrativa, diga-se, abundantemente construtiva, constituir uma nova visão desapaixonada dos portugueses começarem a lidar com o tabu do racismo

  36. A entrevista é excelente, por que a entrevistada é excelente. Num tempo em que em História pululam os “antropologistas” que carecem completamente de sentido histórico, é um matar saudades “ouvir” a Profª Isabel!
    Nada tenho de substancial a dizer da entrevista, a não ser agradecer a notícia do bairro Mocambo, que desconhecia inteiramente. Mas já os comentários que se lhe seguiram me merecem algumas notas:
    1 – Os combatentes independentistas eram designados de terroristas por que essa é a designação que a parte contrária dá sempre aos guerrilheiros em todas as épocas e partes do mundo. Nada mais. Mas vale a pena lembrar que o soldado comum usava uma abreviatura de “terrorista”, “turra”, que os independentistas devolviam com o epíteto “tuga”, que tem aí a sua origem e já pouca gente o sabe.
    2 – Não é preciso lembrar, e a Profª Isabel não o nega nem afirma por não ser esse o seu tema de conversa aqui, que Portugal não ia a África fazer escravos, mas sim comprar. Nem outra coisa teria sido possível a algumas dezenas de marinheiros, por vezes uma ou duas centenas de soldados portugueses, com armas equivalentes às africanas (excepto o mosquete de mecha que pouca eficácia tinha)! O facto é que o esclavagismo era uma instituição africana enraizada e com mercados (“feiras”) activos, onde os portugueses compravam. Até por que cedo foi proibido escravizar gente a não ser em casos excepcionais de “guerra justa”. Por isso, os escravos trazidos para Lisboa (ou o Brasil) eram adquiridos já escravos.
    3 – Pelo motivo exposto atrás, o “apagamento” de estátuas homenageando antigos portugueses esclavagistas requer a falsificação da História, branqueando o papel dos próprios poderes africanos na produção dos escravos e apagando a proibição antiga pelo Papa e reis católicos de fazerem escravos que os portugueses cumpriam. Note-se que nisto os EUA tiveram uma História diferente: a América do Norte importou relativamente poucos escravos (comparada com o Brasil), e no entanto tem hoje uma enorme minoria negra com problemas de integração – por que os americanos efectivamente fizeram criação de escravos, sobretudo depois da invenção da máquina fiadora de algodão, como quem faz criação de gado! Mas isso é uma história muito diferente da nossa e da do Brasil.

  37. Que aconteceu aos cerca de cinco mil africanos que viveram em Lisboa durante os séculos 15 a 19 e ainda eram algo visíveis no início da República? Desapareceram? Creio que não: foram assimilados na população geral (branca) por miscegenação que diluiu as diferenças raciais mas permanecem presentes no genoma de muitos milhares de pessoas que nem suspeitam terem antepassados africanos e hoje fazem parte da herança comum lisboeta.

  38. Luís M. Alvim Serra, o resultado da miscigenação está patente na composição do ADN dos portugueses. Tem havido vários estudos sobre o assunto, de há 17 anos para cá, e em 2009 a Gradiva publicou até um livro sobre isso, “O Património Genético Português”, de uma investigadora especialista no tema.
    Um dos estudos, publicado numa revista científica em 2008, concluía que em linhas gerais os portugueses do Sul (os “mouros” como lhes chamam os portistas) tinham 15% de genes norte-africanos, mas os do norte também tinham 10%! 2/3 de origem masculina, e 1/3 de origem feminina.
    Quanto a genes africanos subsaarianos, a percentagem era entre 3 a 11%, todos de origem feminina.
    Claro que presentemente a miscigenação é muito mais intensa e esses estudos tornam-se mais difíceis, como instrumento de investigação histórica…

  39. Muito bom que uma colega portuguesa aborde a construção de uma Lisboa negra e escravizada.
    Precisamos mais do que nunca colocar o dedo nas feridas históricas e fazê-las sangrar para expor a podridão da colonização de portugueses e demais colonizadores europeus que assassinaram se do n piedade destruindo nas Américas e Áfricas!

  40. Excelente entrevista a uma grande senhora que sem peias desmistifica o que foi a Escravatura em Portugal e nas Ex/Colónias (actualmente Países Independentes)!Nasci na capital de Moçambique,percorri o País porque o meu pai era funcionário dos CFM e observei o “tratamento “dado aos negros por não pagarem o Imposto de Palhota e outros incidentes que na altura me intrigaram e mais tarde compreendi que eram absolutamente revoltantes.

  41. Não concordo com alguns pensamentos de Isabel Castro Henriques no final da entrevista:
    “Os africanos são vistos não como combatentes, mas como terroristas: mais uma formulação extremamente negativa.”

    Em 1961, eu era uma criança com seis anos, que vivia no norte de Moçambique. Quando vi corpos de brancos (e de alguns negros) retalhados à catanada pela UPA, no norte de Angola, obviamente que
    fiquei aterrorizado. Quem fez isso foi apelidado de terrorista. Mais tarde foi abreviado para “turra” e depois surgiram nomes muito mais simpáticos. Atualmente em Cabo Delgado (norte de Moçambique) os que decapitam pessoas, são denominados por insurgentes.
    Já agora, presumo que “tuga”, seja a abreviatura, tal como “puto”, de Portugal.
    A sul da ilha de Moçambique, existe a baía de Mocambo.

    Outro aspeto que não concordo, é quando ao falar de preconceito, diz que “quando se observa alguém que tenha uma marca física mais escura, sempre se questiona de onde é, de onde veio. Parte-se do princípio de que não são portugueses, quando na realidade muitos são portugueses”.
    E então, qual é o problema? Não podemos tapar o sol com a peneira!!
    Eu, por exemplo, sou um curioso pela origem geográfica dos apelidos. Se encontrar um Nabais, faço mal em lhe perguntar se é da área da Guarda/Castelo Branco?
    Cheguei a Portugal em 1969 e não havia cá negros. Os que havia, ou eram futebolistas (e contavam-se pelos dedos) ou estudantes. Vieram depois em 1970, de Cabo Verde, para as obras do Metro, da estação de Roma para Alvalade. Quando eu via um negro na rua, mudava de passeio, para lhe perguntar de onde era, na esperança de ser moçambicano. Estava a ser racista? Estava a cometer algum Pecado?

    Quanto a temas aqui tratados há uma grande ignorância, quanto à escravatura. Para muitos foi só nos EUA e outros , vá lá… também no Brasil. Telegráficamente, direi que em Moçambique (leiam José Capela), havia quem “vende-se o corpo”, isto é, oferecia-se como escravo e quem fosse escravo e proprietário de escravos.
    No auge do poderio português, Fernão Mendes Pinto, que ia de barco de Lisboa para Setúbal é aprisionado por piratas argelinos. A ironia, é um europeu ser vendido como escravo em África.
    E que tal irmos a Roma partir as estátuas de Júlio César e Octávio César Augusto, que nos escravizaram?

    Entretanto, no regresso das caravelas, os portugueses (e espanhóis) levaram para África o abacate, o amendoim, o ananás, a batata, a batata-doce, o cacaueiro, o cajueiro, o girassol, a goiabeira, o milho maiz, o tomateiro, a papaeira, o tabaco e… a mandioca.

  42. Em 1961 no norte de Angola, a UPA retalhou à catanada negros e brancos que foram apanhados de surpresa. Alguns foram mortos nas cantinas (lojas do mato)pelas costas. Foram apelidados de terroristas. “turras”, foi uma abreviatura. Hoje em Cabo Delgado (norte de Moçambique), os que decapitam pessoas, são denominados, de INSURGENTES

  43. Entrevista muito boa, trabalho de Isabel Castro Henriques tem imenso valor. Tudo o que seja recuperar História esquecida, ou mesmo negada, enriquece-nos, promove a nacionalidade dum modo positivo, reforça a nossa identidade e contribui para a Compreensão e a paz. Mto bom

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