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A surpresa invadiu os grupos de vizinhos e as redes sociais, na semana passada: uma das árvores mais marcantes da cidade, a oliveira do Largo de São Domingos, junto ao Rossio, fora drasticamente podada. As fotos apareceram, num antes e depois doloroso.


Em Santa Maria Maior, a freguesia de Lisboa com menos árvores e espaços verdes por m2, uma poda deste género levantaria sempre alarme. Ainda mais no caso desta secular oliveira e num lugar essencial da História de Lisboa. Um monumento, bonita e opulenta, de troncos grossos, a oliveira faz parte do conjunto simbólico do lugar: virada para a Igreja de São Domingos, onde se deu o massacre dos Judeus, na Páscoa de 1506, 4 000 «cristãos-novos», judeus recém-convertidos ao cristianismo, assassinados, recordado agora por dois monumentos à tolerância.
Além disso, a sua sombra era lugar da venda – ainda que informal e ilegal – de produtos africanos, na feira de levante que ali acontece junto da famosa ginginha, numa espécie de reviver do papel fundamental da história africana da cidade que este largo sempre teve.

Este comércio é uma reconstituição histórica do sítio onde, desde o século XV, os africanos da cidade encontravam acolhimento e apoio. A Igreja foi sede da primeira confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, “que viria a transformar-se, em Portugal e no seu império, num lugar de devoção e de proteção social de escravos e forros africanos”, como conta o Roteiro Histórico de uma Lisboa Africana, da historiadora Isabel Castro Henriques (edição Colibri, com a associação Batoto Yetu e o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento).
Agora a oliveira já não tem sombra para dar, e também já não há vendedores que se recolham nela. Há meses que a feira que ali se fazia foi proibida, por ser ilegal. E os carros de polícia estacionados no Largo são o aviso silencioso que espanta possíveis vendedores de fazerem de novo banca ali.
Hoje restam apenas as filas de turistas para a ginginha, os clientes do restaurante em frente e as pessoas que passam, indiferentes ao que aconteceu à árvore. Mas como ela não está vedada, há ainda quem se sente entre a terra e o mármore, ocupando a clareira com mochilas, por baixo de sombra nenhuma.
Uma árvore para juntar à história
Além do contacto recente, esta árvore foi aqui colocada como parte da memória que este Largo encerra. E é tanta. Tal como explica um dos textos sobre a Igreja, no site do Convento Dominicano, a oliveira representa, historicamente, os vários ramos da oliveira “enxertados no tronco original”, sendo esta uma árvore do berço de todas as religiões judaico cristãs: Israel.
Não sendo dessa época – foi ali parar na reestruturação do espaço, embora não haja registos – esta árvore imprimiria no seu porte castanho e verde a força de uma memória histórica tão distante e importante. A oliveira não está classificada como arvoredo de interesse público pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Esta classificação é feita em função do “porte, desenho, idade, raridade, relevante interesse público de classificação e necessidade de cuidadosa conservação pela sua importância ou significado natural, histórico, cultural ou paisagístico.” Estar classificada implica uma maior proteção legal e receber uma zona de proteção de 50 metros em torno da base do tronco.
Estando classificada ou não, o que é certo é que a árvore centenária terá sofrido vários danos, no final de julho – e foi essa a razão da poda que causou escândalo. Segundo a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, começou por se dar a queda de um ramo estrutural, no dia 16, e por se lhe seguir uma nova queda de um ramo de grande porte, no dia 28.
As causas não foram possíveis de apurar pelo relatório do Ambiente Urbano da Junta de Freguesia. Não se percebe se foi natural, ou se foi vandalismo. Ou se alguém se empoleirou na árvore.
Logo a seguir, diz a Junta, foi criado um perímetro de segurança em torno da árvore e feita uma “intervenção de urgência”. De acordo com o relatório, “a opção de intervenção definida no local e tendo por base os danos causados, considerou as seguintes ações: retirada de ramos secos, supressão da pernada esgaçada que já não apresentava folhagem (foto 1); supressão de todos os ramos secos e seleção dos ramos com maior vitalidade, melhor inserção e consequentemente maior e melhor capacidade de resposta à intervenção”.
Mesmo assim, a Plataforma em Defesa das Árvores assinala a ilegalidade do ato. Segundo Rosa Casimiro, da Plataforma, o que aconteceu dá pelo nome de «rolagem».
Ou seja, foi feita a supressão de ramos e pernadas, deixando a árvore apenas com o tronco ou com cotos ao longo do tronco. No Regulamento Municipal do Arvoredo de Lisboa, documento aprovado pelas Juntas de Freguesia, é referido que é proibido “efetuar rolagem de árvore, em quaisquer circunstâncias”.
A árvore, que parecia ter falta de rega, estava já incluída no plano de trabalhos do arvoredo da Junta de Freguesia, que estava previsto acontecer até ao final do ano, até porque a árvore já teria alguns danos visíveis no colo e era hábito a ocupação da caldeira com lixo.

Mas a Junta justifica também, em termos técnicos, que “foi tomada a opção de não “acertar “a zona de maior rotura e “esgaçamento”, uma vez que essa ação iria levar a uma superfície de corte ainda mais extensa do que a que a zona de rotura apresentada, o que iria implicar uma maior zona de exposição exatamente na maior área afetada”.
Perante as queixas, a Junta de Freguesia alega a urgência da intervenção. E diz que os serviços do Departamento de Ambiente Urbano passarão a fazer uma rega semanal da Oliveira, e uma monitorização quinzenal até ao fim do ano. Quanto tempo levará até estar frondosa de novo?
*Rita Velez Madeira nasceu em Évora, aprendeu a fazer casa nas viagens de comboio entre as duas cidades, com vontade de escutar e contar histórias, de viver nesse lugar de fronteira que há entre nós e o Outro. Este texto foi editado por Catarina Carvalho.
OMD, adorei esse árvore. Tão lindo. Costumo falar com as senhoras em fazer as minhas compras do chá hibisco aí, embora parece ser um negócio ilegal 🙄. Espero o árvore será salvo
Artigo que impressiona pelo relato claro do comportamento da nossa sociedade e do desinteresse dos responsáveis da junta pelo património vivo da freguesia. Em Lisboa, trata-se a paisagem natural vegetal com total indiferença. Este é mais um exemplo que levou à mutilação da velha Oliveira, quando as juntas acorrem, de forma muito expedita e com carácter de urgência, só quando as provas de destruição fatal sucedem. Nessa altura esquivam-se na justificação para podar drasticamente. No entretanto não cuidam nem protegem as árvores. Sabemos todos destes procedimentos há anos. E a cidade perde arvoredo silenciosamente. Excelente trabalho de investigação e informação sobre o contexto histórico deste exemplar. E notável serviço deste jornal na defesa do nosso património.
Podem também fazer um artigo sobre o abate de uma árvore bela-sombra bastante frondosa que ocorreu na Ribeira das Naus, junto às instalações da Marinha?
Essa outrora belíssima oliveira foi simplesmente vítima de vandalismo, incúria e incompetência , infelizmente tão presentes em tudo o que é verde na nossa cidade de Lisboa.
Vandalismo porque não é natural e usual os danos que se mostram nas fotos, acontecerem a uma árvore como a oliveira. São árvores extremamente resistentes e seculares e os seus troncos não rasgam desta forma (só se fosse eventualmente atingida por um raio o que não aconteceu de certeza). Portanto só pode ser provocado por vandalismo, algum energúmeno que andou pendurado na pobre oliveira de forma primata.
Talvez uma vedação de proteção não fosse mesmo má ideia e também uma jaula para o autor desta alarvidade.
Incúria porque como quase tudo o que é verde (falando de vegetais) nesta cidade (por acaso uma capital da Europa) é totalmente abandonado sem as devidas e imprescindíveis manutenções regulares que obrigatoriamente necessitam em termos de regas, limpeza e podas, etc, e que é visível em quase todos os jardins, relvados, canteiros ou seja espaços verdes da cidade.
Incompetência, porque os que têm o poder de decidir, no geral são mesmo incompetentes. Mandam fazer sem perceber nada do que mandam fazer! Nem uma réstia de sensibilidade lhes sobra. Quem mandou fazer aquele trabalho, aquela miserável mutilação à oliveira, devia visitar por exemplo a região da Beira Baixa, região fértil em oliveiras e que eu conheço muito bem e, apreciar a beleza daquelas árvores, que são cuidadas pelos seus proprietários, pessoas simples do campo, e aprendesse como se trata e mantém uma oliveira de forma saudável.
Chamassem lá o Ti Jaquim e a pobre oliveira não fazia agora a triste figura que os responsáveis pelos espaços verdes de Lisboa andam a fazer já há uns anos.