Vhils a terminar o mural. Foto: Chris Costa/ Vhils Studio

Já foi inaugurado o mural de Vhils feito sobre a fotografia de Roger Kahan cuja história Ferreira Fernandes descobriu na Mensagem de Lisboa. E foi também lançado o livro com toda a história publicado no âmbito do 136º aniversário do Porto de Lisboa.

É suposto um jornal intervir numa cidade – perguntam os leitores? É suposto um jornal local ser como um vizinho, respondemos. Este vizinho, desta vez, vem ajudar a reparar uma falha histórica. É que tendo sido Lisboa, a partir de meados de 1940, o único porto europeu de onde se partia, fugindo do horror da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, não havia até agora um só lugar onde esse momento estivesse marcado. Onde se dissesse: FOI AQUI. Só em Lisboa, havia, justamente chamados, refugiados. Porque com esperança.

Ferreira Fernandes e Vhils. Foto: Inês Leote

Foi isso que contou o Ferreira Fernandes nesta reportagem, depois de uma investigação em que descobriu a história do fotógrafo e das fotografias mais conhecidas dos refugiados da Segunda Guerra Mundial que passavam em Lisboa. Passando por aqui no outono de 1940, também ele refugiado, Roger Kahan foi a maior testemunha dessa passagem e dessa esperança. Foram as fotos dele que partiram para a América, ainda reticente em intervir e onde morava a maior esperança para combater o nazismo. 

Foto: Inês Leote

Roger Kahan chegou de Paris, fotógrafo, judeu, fugindo. E Lisboa foi-lhe porto, como sempre foi, e com bondade, o que nem sempre teve. E ele, uma vítima, transcendeu-se, transformado na mais brilhante testemunha de Lisboa, num terrível momento do mundo.

Ferreira Fernandes foi descobrir Roger Kahan através de uma história antiga que escrevera para o Público, e escreveu sobre a foto da refugiada, solitária, no cais a Rocha Conde de Óbidos, sentada sobre uma mala, a aguardar o embarque. Ao lado dela, o marco do correio n.º 591 – que ainda hoje lá está, descobriu ele. “Foi mesmo aqui!!”, gritou, ao telefone, para a equipa da Mensagem.

Na reportagem, o FF lançou o repto: “Que bom seria, junto ao marco do correio, e na casa abandonada que assistiu a tanto, se Vhils esculpisse o que muito bem entendesse sobre a memória que Roger Kahan nos deixou”.

Vhils aceitou.

Fomos então falar com quem era óbvio falar: a Administração do Porto de Lisboa (APL). Fomos recebidos com uma troca entusiasmada de ideias, até porque a APL tinha três objetivos, no âmbito das comemorações do seu 136º aniversário: “Abrir o porto à cidade, reconhecer a História e ser um porto com coração, de acolhimento, e esta história enquadra-se nas três”, diria o presidente, Carlos Correia.

A foto de Roger Kahan vai ser alvo de uma intervenção de Vhils. Foto: Roger Kahan

E assim criámos, todos juntos, o primeiro monumento dedicado à Lisboa dos Refugiados na Segunda Guerra Mundial. Para dizer, finalmente, FOI AQUI. E assim colmatar essa falha.

Os intervenientes não cumpriram mais do que é o seu trabalho: a Mensagem de Lisboa foi criada porque os seus amam Lisboa; a APL gere uma história admirável; e Vhils, apesar da carreira internacional, é um artista das ruas, bairros e das gentes lisboetas.

Com a foto de Kahan reinventada por Vhils, o Cais da Rocha Conde de Óbidos cura-nos da falta de memória. O artista Alexandre Farto decidiu aplicar um técnica que tinha apenas usado no Festival Iminente no ano passado. Inovadora e que acrescenta o dramatismo de uma imagem antiga.

Está numa parede virada para o cais, o Tejo e a tradicional história dele: permitir que se parta. Exemplos como os da generosidade luminosa do encontro entre Lisboa e o fotógrafo Roger Kahan não nos livram da escuridão quase geral, mas previnem-nos e fortalecem.

Rona Coster. Foto: Inês Leote

Juntou-se a toda esta história “um pouco maluca”, como ela diz, Rona Coster – a nora de Roger Khan, que depois de ir para os EUA mudou de nome e passou a ser Roger Coster – que veio de Aruba para presenciar este momento de homenagem. “O Roger nunca falou de Lisboa, de Portugal, nada. Era um homem que andava para a frente, e viveu várias vidas”, conta ela, que já tinha estado em Lisboa sem nunca saber o que aqui tinha acontecido. Agora, cada dia aqui é uma emoção.

A obra foi inaugurada dia 31 de outubro, na cerimónia que celebra também o 136º aniversário do Porto de Lisboa. Fo também apresentado o livro de Ferreira Fernandes que conta a história toda, a riquíssima história de Roger Kahan.

Vhils a acabr o mural. Foto: Inês Leote

Dia 9, será apresentado o documentário que conta tudo isto, com realização de Humberto Giancristofaro – e que em breve a Mensagem irá também divulgar. E haverá uma conferência para debater porque não se fala mais de histórias como estas. Será pelas 15:30, na Gare de Alcântara, com Ferreira Fernandes, a jornalista do Expresso Manuela Goucha Soares e os especialistas Francisco Seixas da Costa, José Ruah e Irene Pimentel.


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3 Comentários

  1. Só uma pequena nota;
    Lisboa tornou-se não o único porto (a Suécia também recebeu refugiados, assim como a Irlanda), mas certamente o de maior movimento de passagem de refugiados a partir do final dos anos 1930 e durante os primeiros anos da década de 1940. Em meados dos anos 1940, após o fim da guerra, já muito poucos refugiados passavam por Lisboa.

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