De madrugada. Foi assim, timidamente, que no final de abril os novos elétricos articulados de Lisboa começaram a chegar às oficinas da Carris, em Santo Amaro. Vindos de Espanha, da fábrica da construtora espanhola CAF, os elétricos com 28,5 metros de comprimento são transportados um a um, por camiões com atrelados excecionalmente longos e com todo o cuidado. Seguiram-se os testes, no início de maio, e hoje os novos elétricos foram oficialmente apresentados à cidade e aos lisboetas.
Anunciada em 2021, a compra de 15 novos elétricos articulados para a frota da Carris representa o maior investimento feito por Lisboa na sua rede de elétricos modernos, no valor de 43,4 milhões de euros.
Os novos veículos vêm juntar-se aos 10 adquiridos em 1995, mais do que duplicando a frota ao serviço da linha 15E, que atualmente faz o trajeto Algés – Praça da Figueira. Destes 10, a Mensagem sabe que atualmente apenas seis estarão em operação.
Os novos veículos da Carris são mais compridos que os veículos articulados da série 500-510 que entraram ao serviço da empresa em 1995 e que medem 24 metros. Com o maior comprimento, vem também maior capacidade de transporte de passageiros. Os novos elétricos permitem o transporte de 221 passageiros, mais do que os 201 dos atuais veículos.
A partir de hoje, entram em circulação três dos seis novos elétricos que já chegaram à Carris.
Hoje sem espaço para estacionar a crescente frota de elétricos de Lisboa, a Carris anunciou hoje um investimento de 50 milhões de euros na expansão e restruturação do parque de material e oficinas de Santo Amaro – a única instalação de parqueamento e manutenção de elétricos da cidade.


O 15E pode ir mais longe?
O aumento substancial da frota agora em curso pretende responder à constante situação de sobrelotação verificada na linha 15E, em parte causada pelo aumento da atividade turística de Lisboa nos últimos anos.
Mas vêm também possibilitar a já anunciada expansão da linha: a entrada ao serviço dos novos elétricos vai permitir a expansão da carreira 15E a ocidente, à Cruz Quebrada, prevista pela Carris e pelo presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais, já para 2024, e a oriente, a Santa Apolónia, cuja extensão espera ainda o final das obras do Plano Geral de Drenagem. No futuro, afirma a Carris, esta linha poderá vir a chegar até ao Parque das Nações, percorrendo toda a frente ribeirinha da cidade.
Em agosto, a Carris confirmava ainda ao jornal Público a intenção de aumentar a frequência da linha 15E. “Em conjugação com o parque existente, haverá um claro aumento da frequência e da oferta de serviço com esta tipologia de veículo”, avançava a empresa de transporte público de Lisboa.
A recente aposta na rede de elétricos por parte da Carris vem contrariar o desinvestimento verificado desde 1960. A rede elétricos de Lisboa tem 31 quilómetros e contava, até à entrada ao serviço dos novos elétricos, com 55 elétricos e seis carreiras ativas, mas chegou a ter cerca de 75 quilómetros de carril, 450 veículos e 30 carreiras.

Para funcionar em todo o seu potencial, a linha 15E ainda tem alguns desafios no seu percurso. Carlos Gaivoto, mestre em sistemas de transportes, ex-diretor na extinta Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa (AMTL) e quadro superior na Carris, considera fundamental que o elétrico circule sempre num canal exclusivo para a circulação de transportes públicos.
Atualmente, tal não acontece por várias ocasiões ao longo do trajeto desta linha, como em Belém- em Pedrouços ou na Junqueira, que este ano viu perder 350 metros de corredor BUS – ou em Alcântara.
Em 1992, a Carris apresentou um plano de ordenamento da circulação e estacionamento que propunha um trajeto integralmente dedicado à circulação da linha 15E e restantes veículos de transporte público a operar nesse eixo.
É a partir deste plano que Carlos Gaivoto defende ser necessário fazer obra que dê prioridade ao transporte público. “Recuperava-se muito espaço público, para o transporte coletivo e para os modos suaves”, diz.
Carris sem espaço para estacionar todos os elétricos?
No passado mês de agosto, era denunciada a “falta de planeamento” na expansão das instalações da Carris de Santo Amaro, em que está toda a frota de elétricos da cidade. Uma situação que está a colocar em causa a utilização da totalidade dos elétricos ao dispor.


Em setembro de 2022, a Carris confirmava à Mensagem a intenção de intervir no parque de material e oficinas da estação de Santo Amaro, anunciando para aquele espaço – o único parque de elétricos da cidade – “uma grande intervenção, de modo a assegurar o parqueamento e a melhoria das condições de manutenção dos novos elétricos”.
Ao longo dos últimos anos, o projeto acabou por não ver a luz do dia, alegadamente por erros técnicos no projeto, impedindo a construção de novas instalações de parqueamento capazes de acomodar o aumento expressivo da frota de elétricos.
Por este motivo, a Carris foi obrigada a enviar veículos em estado operacional para a sua sede, em Miraflores, onde não há carris, situação que coloca veículos operacionais fora de circulação. Entre os veículos deslocados, estarão, segundo noticiava o jornal Público, pelo menos um elétrico articulado, de 1995, e 11 elétricos clássicos.

À Mensagem, Carlos Gaivoto, da Carris, confirma a existência de um plano para parquear os novos elétricos no parque de Santo Amaro e evitar que seja necessário transferir mais elétricos operacionais para Miraflores, impedindo que sejam forçados a ficar fora da operação de transporte de passageiros.
“Na estação de Santo Amaro há uma área [prevista] para o estacionamento dos [novos] elétricos articulados. Há um layout e neste momento o projeto estará a ser feito. Já está a haver elétricos que foram colocados fora dos carris – os que estavam avariados ou acidentados” – esses estão inativos. “É preciso fazer a obra para parquear os elétricos”, afirma Carlos Gaivoto.
Na cerimónia de hoje em Santo Amaro, a Carris confirmou o projeto de expansão: serão investidos cerca de 50 milhões de euros na expansão e restruturação do parque de material e oficinas da estação de Santo Amaro, bem como no núcleo museológico da Carris. As obras devem arrancar em 2024, anuncia a empresa.
Uma estreia que leva meses de ensaios
A chegada do elétrico protótipo, numa madrugada do dia 28 de abril, foi acompanhada por técnicos da Carris, entusiastas da ferrovia e por uma equipa de técnicos da construtora espanhola CAF, que ficou em Lisboa para acompanhar os testes aos novos veículos.
Os ensaios ao primeiro dos novos elétricos começaram no início de maio e serviram para ver como se comportava no troço Algés – Cais do Sodré (não chegando ao terminal da Praça da Figueira, devido à recente obra de pavimentação da Rua do Arsenal e à obra de reparação do coletor pombalino da Rua da Prata, ainda em curso), mas também para afinar detalhes no interior do veículo.
A partir daqui, foram chegando, espaçadamente, novos veículos e neste momento já se encontram estacionados nas oficinas de Santo Amaro, em Alcântara, seis dos 15 novos elétricos que a Carris vai receber. Na inauguração dos elétricos que teve lugar hoje nas instalações da Carris em Santo Amaro, foi anunciado que o sétimo elétrico chegará na próxima segunda-feira, seguindo-se depois ensaios com o mesmo.

As marchas de ensaio e de treino de guarda-freios dos novos veículos, que começaram por realizar-se apenas durante a madrugada, passaram entretanto a decorrer durante o dia, em condições reais de operação e com a constante presença e supervisão de técnicos da Carris e da CAF, que assegurará contratualmente a manutenção.

Frederico Raposo
Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.
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Álvaro Filho
Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.
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É urgente a extensão da linha a percorrer toda a frente ribeirinha, com é desejável a recuperação de algumas das perdidas ( estupidamente) com os velhos amarelos, para manter a mobilidade aliada à história e identidade da cidade.
Fiquei muito entusiasmado com a possibilidade de o elétrico 15, regressar á Cruz-Quebrada, vivo lá á 47 anos e desde o ano de 1996 que não vejo lá passar os elétricos, faz muita falta este meio de transporte direto, desde a estação de Santa Apolónia até á Cruz-Quebrada, é mais eficaz!!!