Marcelo com o livro da BD da Mensagem, Crónicas de Lisboa. Foto: Líbia Florentino.

Em casa, nos jardins do Palácio de Belém, Marcelo nunca foi tão Marcelo. Passando em revista os stands das editoras enfileirados em mais uma Festa do Livro de Belém, o Presidente da República caminha entre os convidados na velocidade a que as selfies permitem, sempre com um sorriso, um afago, incansável no papel de anfitrião do evento literário que criou, em 2016, logo no primeiro ano do primeiro mandato. 

Uma festa de livros que se realiza tradicionalmente em junho, no limiar das férias escolares. A ideia de Marcelo Rebelo de Sousa foi justamente a de fechar um ciclo e abrir outro, entre agosto e setembro, ou nas palavras do próprio, “entre o fim de verão e o começo do outono, quando Lisboa é muito nostálgica e, às vezes, ventosa à noite”.

Numa conversa nos corredores da Festa, Marcelo fala da sua Lisboa que inspira, mas também dos seus problemas:

O que em Lisboa daria um bom livro?

Lisboa tem tudo, tem o rio e, logo ao lado, o mar. Lisboa tem a história, tem a gastronomia lisboeta que é muito própria, tem a música  lisboeta que é muito própria. Há fado noutros pontos do país, mas o fado lisboeta é o fado por definição. Tem depois os encontros culturais imensos.

Eu já sou velhinho, caminhando para os 75, e conheci várias Lisboas,a Lisboa da ditadura, a Lisboa da revolução, a Lisboa da abertura ao mundo, a Lisboa do final do século passado e da viragem do século, sempre diferente, com as pessoas a chegarem e a partirem, a chegarem e a partirem, a chegarem e a partirem. O que torna Lisboa imprevisível, quer dizer, uma Lisboa que muda, que há várias Lisboas e essa imprevisibilidade é uma riqueza que dá vários livros, mas também dá filmes, dá música, dá encanto.

A literatura tem a ver com a educação e como estamos no início do ano letivo, há algo que o perturba em relação ao tema em Lisboa? 

Todo ano letivo é uma aventura.  Eu sou professor e para mim era uma aventura, porque é diferente do ano anterior, tudo muda, no mundo, na Europa, à nossa volta, e essa mudança é protagonizada, sobretudo, pelos mais jovens, depois envolve as famílias. Mas é uma mudança em que os professores têm um papel fundamental. Há muito professor que se aproxima do limite da idade, que entrou a seguir à revolução da democracia, bem jovem, alguns nomeados provisoriamente, precariamente, e a precariedade é sempre um problema grave para quem trabalha na causa pública, mas sobretudo para o professor, que está se aproximando do limite da idade. 

E isso explica uma certa sensação de frustração nos docentes?

Somado à questão anterior, há também ainda muito professor novo e há novas formas de organização das escolas. Aquilo que era a convivência em comunidade escolar, há 50 anos, 40 anos, agora não é mais, é diferente.  Isso dá agitação, isso dá confronto de ideias, ou por razões de estatuto profissional, ou por razões de organização de comunidade escolar, ou por razões de programa, ou por razões de currículo, e até por razões daquilo que são as saídas no futuro, que  já não são as saídas do passado.  

Marcelo sendo Marcelo: anfitrião na feira literária que criou para receber os leitores em casa, nos jardins do Palácio de Belém. Foto: Líbia Florentino.

Some-se a esses fatores o problema da habitação…

Sim, porque os pais e parentes dos estudantes têm de morar em algum sítio e, em muitos casos, mudaram de sítio. Durante muito tempo só era possível inscrever o aluno na escola próxima do sítio onde estava a residir. E esse fator, em Lisboa, tornou-se em muitos casos uma impossibilidade. Houve que se flexibilizar. A invasão do centro de Lisboa por novos moradores fez com que houvesse uma mudança de casa de muitas famílias. Normalmente os mais idosos, mas em muitos casos também famílias com filhos ou com netos. Isto é um desafio. É fundamental permitir que se possa inscrever numa escola quem, verdadeiramente, não vai ter condições para, nessa escolha, pôr em primeiro lugar o local da residência.

Um problema que se estende também ao ensino universitário.

A habitação é um problema, a habitação para os alunos universitários ou de politécnicos é um grande problema. A subida das rendas, a subida daquilo que é pago para a habitação, até da própria  vida em comum, já está a dar origem à inevitabilidade da construção de residências, mas não basta.

O panorama é outro, é mais exigente e obriga da parte do Estado e da parte do poder local um apoio maior, para acompanhar a subida vertiginosa dos preços. Um apoio que tem de ser muito mais considerável, pois apesar da subida dos apoios sociais para pagar renda, às vezes só dá para um quarto, um quarto reduzido ao mínimo e partilhado com mais de um, dois, três, quatro. 

Marcelo acredita que é preciso um esforço do Estado e do poder local para que a história da habitação em Lisboa tenha um final feliz. Foto: Líbia Florentino.

Se o professor Marcelo fosse escrever um livro sobre o tema habitação, como seria?  

Seria sobre a necessidade de Lisboa continuar a ser uma cidade jovem.

Se Lisboa quer ser jovem, precisa ter jovens vivendo cá. Se Lisboa quer, portanto, sobreviver ao futuro, tem de encontrar uma fórmula de fixar as crianças, os jovens e as famílias o mais rápido possível.

Porque os estrangeiros não param, porque Lisboa é cada vez mais sedutora, porque passa a palavra e vem o amigo do amigo do amigo do amigo, e os jovens vão para a periferia, cada vez mais longe. As comunidades estrangeiras mudam os gostos, a tradição local, pois em Lisboa havia padarias, mas não croissanterias. Mesmo aqui, em Belém, por exemplo. Agora há uma série delas. Isso é influência da fixação francesa aqui e é bom. Tudo isso é bom, tudo isso é fundamental, desde que se não perca a juventude aqui.

E esse livro teria um final feliz?

Tem de ser feliz. Aqueles que têm responsabilidades públicas sabem e devem saber que estão condenados a fazer todos os demais felizes. Podem não conseguir fazer isso, demorar tempo, e a felicidade pode ser pequena ou parcial. Mas há de haver o mínimo de felicidade que se constrói e que justifica estar-se na política. Senão, quem fica muito infeliz é aquele que sente que não pôde realizar aquilo que devia realizar.

Foi por isso que vetou o diploma da habitação?

No fundo, foi dizer o seguinte: aquilo que se espera é muito mais do que isto. Pode haver um voto a seguir, porque o Parlamento tem esse direito de dizer, de dizer “mas isto é o que nós podemos fazer neste momento para já, e já é muito”. Mas é um problema de consciência. Sei que pelas condições financeiras e económicas, há aqui passos importantes. Agora, dar um bocadinho a mais era mais importante ainda. 

Uma das preocupações de Marcelo tem sido a incapacidade de Lisboa em reter seus jovens. Foto: Líbia Florentino.

Álvaro Filho

Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.

alvaro@amensagem.pt

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1 Comentário

  1. Fixar jovens como? A proibir a circulação no centro e com estacionamento só para residentes em que ninguém nos pode visitar sem ser multado quem quer viver nesta Cidade? Lisboa já era, só para Turistas, de fugir…

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