Só porque Liberdade era nome de bairro e de clube – o Liberdade Atlético Clube – é que gritar por ela, nos anos 60, quando a equipa de basquetebol chegou à primeira divisão não era ato seguido de represália pelo regime da altura. “Liberdade! Liberdade! Liberdade!”. Constantino Vidal, de 80 anos, lembra como este era bem desejado pela população nacional, mas só ele e os outros moradores do Bairro da Liberdade, em Campolide, adeptos do clube da zona, é que tinham carta branca para a aclamar alto. Portugal vivia uma ditadura.

No bairro que já pareceu “uma aldeia”, para onde migraram famílias vindas de zonas rurais já desde o final do século XIX e, depois, vindas do desmantelado Casal Ventoso, e onde a água canalizada só chegou à maioria das casas depois da década de 1960, a revolução acontecia todos os dias à porta. Ora para que a água chegasse a todos, ora para que as casas fossem estruturalmente melhores. Ou até para que a fama do Casal Ventoso, conhecido em tempos como o “hipermercado da droga” não migrasse para ali.

Mas migrou.

“Eu faço parte do problema”, desabafa Carlos Alexandre, 52 anos. Ele que fala de uma geração realmente à rasca, com famílias destruturadas, um contexto de pobreza e de isolamento do resto da cidade muito acentuado, que aprendeu a virar o jogo da pior forma: através da venda e compra de droga.

“Sempre foi: aqueles ali em baixo? Que se lixem”, lamenta o homem que hoje é um dos maiores impulsionadores da vida social e cultural o bairro.

O Bairro da Liberdade, em Campolide, antes e hoje. Fotos: Arquivo CML

“Talvez por isso”, pela fraqueza que se sentia no bairro, aponta Constantino, este tivesse sido morada para vizinhos se uniram e pensarem o momento de libertação do país da ditadura.

A atual sede do Liberdade Atlético Clube. Foto: Arquivo CML

E que melhor lugar do que um que levava o nome da Liberdade?

Por aqui, contam-se histórias de como um grupo de vizinhos e atletas do Liberdade Atlético Clube se terão unido para pensar um dos momentos preparatórios da Revolução dos Cravos: o que ficou conhecido como Intentona de Beja. Constantino lembra as reuniões sentados na sede do clube, lideradas pelo antifascista na clandestinidade Manuel Serra.

🎧 Ouça aqui a reportagem completa:

Esta reportagem faz parte da “Mensagem Rádio”, um programa que passa quinzenalmente na RDP África (do grupo RTP), à terça e sexta-feira, e em permanência: no site da Mensagem, em rdpafrica.rtp.pt e no Spotify.

Produção: Catarina Reis (Mensagem de Lisboa) e Isabel Leonor (RDP África)
Voz e edição: Catarina Reis


Catarina Reis

Nascida no Porto, Valongo, em 1995, foi adotada por Lisboa para estagiar no jornal Público. Um ano depois, entrou na redação do Diário de Notícias, onde escreveu sobretudo na área da Educação, na qual encheu o papel e o site de notícias todos os dias. No DN, investigou sobre o antigo Casal Ventoso e valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020. Ajudou a fundar a Mensagem de Lisboa, onde é repórter e editora.

catarina.reis@amensagem.pt


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