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As mãos calejadas e as unhas partidas de Agnelo Alves denunciam o seu ofício. O cabo-verdiano de 40 anos é calceteiro em Lisboa. Foi ele, aliás, o responsável por calcetar os 32 brasões de províncias portuguesas – as do continente, ilhas e as antigas “ultramarinas”, nas ex-colónias, pondo fim, no jardim da Praça do Império, em Belém, às polémicas recentes.
O desenho das colónias, sinais do passado colonial português, causaram polémica, e estiveram para ser apagadas do novo projeto. Acabaram feitas em pedra, no chão. E, ironicamente ou não, por um cabo-verdiano, que, há 16 anos em Lisboa, vê nos brasões motivo de orgulho, apenas porque eternizam a arte dele num dos cartões postais da cidade.

“Cada um deles exigiu quatro dias de trabalho”, revela o calceteiro. Quatro dias e cerca de duas mil pedras, esculpidas e encaixadas uma a uma por Agnelo em cada desenho, disposto em cerca de dois metros quadrados de área.
Considerados por uns símbolos de um Portugal fascista e por outros registos importantes do passado português, há cerca de dois anos os brasões entraram em polémica, quando se soube que os buxos que os desenhavam iam ser retirados do projeto de qualificação do jardim. Acabaram por ficar, depois de uma petição com mais de 13 mil assinaturas e um dirimir de razões feito por Simonetta Luz Afonso, que tinha sido a presidente do júri que escolhera o projeto sem os brazões.
Na inauguração do novo jardim, os brasões estão lá, não mais sob a forma de arbustos de buxo, mas desenhados em pedra nos passeios. A permanência, porém, não encerrou toda a polémica – iniciada na gestão de Fernando Medina na CML. Marcou presença na inauguração comandada pelo sucessor, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas.
“O resultado ficou tão bonito”, disse Carlos Moedas, esquivando-se como podia das repetidas perguntas dos jornalistas sobre a velha contenda. “Não quero entrar em fricção com o passado nem com os meus antecessores. Acho que o resultado final é único, um presente não só para os turistas, mas para os lisboetas”, afirmou.

A polémica dos brasões não abandonou a cena
Se a polémica acompanhou Carlos Moedas e Marcelo Rebelo de Sousa – o Presidente também marcou presença na inauguração -, terá passado ao largo do calceteiro Agnelo Alves, alheio ao caloroso debate entre jornalistas e autoridades (sendo que, provavelmente, por ser funcionário da CML, isso também sera motivo para se abster de comentar).
“Realmente, não ouvi nada a esse respeito”, confessa, posando sobre o brasão de Cabo Verde – o seu país, e uma das 32 armas que desenhou no passeio com as próprias mãos.
O trabalho de Agnelo rendeu elogios de Moedas e Marcelo, que interromperam o passeio pelos novo Jardim do Império para congratular o autor das obras.
“Um artista!”, resumiu Moedas. “Palmas para ele!”, solicitou Marcelo, prontamente atendido pela entourage que seguiu a dupla na promenade de cerca de meia-hora pelo passeio.

Se os desenhos são o reconhecimento da habilidade do calceteiro, necessariamente não trazem significado específico ao artista. “Sei pouco de História. Vejo as caravelas, acho-as bonitas, mas não sei bem o que cada parte dos desenhos representa”, reconhece Agnelo, apontando para o barco no puzzle de pedra do seu país natal.
Com o brasão de Cabo Verde, Agnelo elege o emblema de Évora como um dos mais bonitos entre os 32 que esculpiu. E vai para Aveiro o título de desenho que mais esforços exigiu do calceteiro.


Jardineiros que achavam os brasões polémicos… mas por outro motivo
Igualmente responsáveis por tirar do papel o novo Jardim do Império, os jardineiros da Câmara de Lisboa também não tinham ouvido falar na polémica envolvendo os brasões. “Não sei nada disso de serem contra os brasões”, resumiu um deles, protegido pela sombra dos famosos ciprestes que ajudou a preservar durante a reformulação do espaço.
Para os jardineiros, os brasões eram até polémicos, mas por um outro motivo: “Davam um trabalho dos diabos para tratar”, recorda Carlos Leão, um dos responsáveis pela equipa de jardineiros. “Antes, era preciso quatro pessoas para cuidar de cada um deles”, conta Carlos. “Às vezes, havia quarenta profissionais a trabalharem ao mesmo tempo no jardim.”
A decisão de transformar os brasões de buxo em desenhos no passeio foi um alívio para os jardineiros, dispensados agora da rega e poda dos novos brasões de pedra. Em compensação, a ideia representou uma diminuição drástica na equipa comandada por Carlos, dos quarenta jardineiros para onze profissionais.
Carlos Leão foi um dos jardineiros escolhidos para posar ao lado de Moedas e Marcelo no descerrar da placa inaugural do novo jardim. Os demais acompanharam a cerimônia à distância, reunidos ao pé da nova horta que surgiu num dos cantos da praça, ocupando uma área com cerca de 150 metros quadrados.

A horta já se anunciou como nova polémica. E já é possível observar o florescer em pequenos lotes das mudas de alcachofra, figueiras, açucenas, carvalhos, marmelos e até de videiras – além de outra dezena de espécies.
Entre elas, obviamente não poderia faltar, a alface, um símbolo local.



Esta escolha de uma horta foi explicada por Cristina Castelo Branco, a arquiteta paisagista cuja empresa foi responsável pelo projeto vencedor ACB – Arquitetura Paisagista, com inspiração nos jardins medievais, como o da Quinta das Lágrimas, em Coimbra, com canteiros de legumes e flores.
“Entre lírios e rosas, alfaces e couves”, dizia a arquiteta paisagista, referindo-se aos jardins daquela época numa reportagem da Mensagem.
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Destino dos produtos da horta depende dos patos

“Quem vai tomar conta da horta são os jardineiros”, garante Rui Simão, responsável por gerir a operação de jardinagem na Câmara, apontando para a equipa uniformizada de alaranjado a circular pelo jardim. Sobre o futuro dos produtos da horta, porém, a dúvida segue em aberto. “Ainda não se sabe ao certo, mas haveremos de dar um bom destino. Temos muita experiência em administrar hortas urbanas”, garante Rui.
Os jardineiros da nova horta do novo Jardim do Império são mais céticos: “se o patos descobrirem as sementes…”, antevê um dos profissionais a caminho do almoço, sobre o risco do novo equipamento virar refeição dos ilustres moradores do espelho d’água do jardim.

Álvaro Filho
Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.
*texto alterado para conter indicação de que Agnelo é funcionário da CML.
Os padrões das antigas colónias fazem parte da história de Portugal
e não tem nada de problemático a sua existência fazem parte de um passado em que os portugueses descobriram e deram novos mundos ao mundo , o passado é a nossa memória e sem passado não há presente e futuro.
Até que enfim,ouve alguém que não deixou apagar da nossa história,os brasões do jardim da Praça do Império, parabéns a quem não deixou apagar pedaços da nossa história e ter coragem de mandar meter mãos á obra.
Um desejo entre muitos para a Praça: por favor, tenham a coragem de eliminar os 2 centros comerciais. Será muito difícil indemnizar os proprietários? É que ficam tão feios! E são tão desnecessários. O espaço libertado seria tão útil para o jardim. A histórica capela respirava. E ficava tanta gente feliz.
O alface… Até às alfaces mudam de género com esta gente.
Não é por retirar alguns símbolos que a história do país vai desaparecer. As pessoas vão -se e a história fica. É ridiculo pensar o contrario.
Cara D. Maria Helena Pinto e Neto, o problema não é retirar pontualmente um símbolo ou outro. O problema, que a senhora ainda não percebeu ou não quer perceber, é o ataque à nossa história que nos últimos anos tem existido da parte de uma certa esquerda cada vez mais influente na política e imprensa do nosso país. Para eles, todos os símbolos que vangloriam a nossa história são alvos a abater. Ceder aqui ou ali é sinal de fraqueza que eles cheiram e começam imediatamente a cercar e a apontar os próximos alvos, ou ainda não percebeu Cara D. Maria Helena? Esta purga ideológica típica da esquerda é um dos grandes cancros da nossa sociedade que se instalou no nosso país, influencia pelos movimentos de esquerda americanos essencialmente.
É tudo uma questão de ideologia cara. E a senhora tem que escolher o lado em que quer estar: se o lado da censura ou o lado da preservação. E perceba uma coisa: ceder a esta censura é ceder aos radicais porque certamente não é o cidadão comum que se sente “incomodado” com os brasões.
Boas ainda bem que se volta a falar sobre o que está bem ou mal neste país, parecia adormecido no bem estar do mesmo.