Elétrico 15E autocarro Alcantara Santo Amaro Calvario
Photo: Inês Leote

Portugal está a envelhecer, Lisboa está a envelhecer. Os últimos Censos 2021 comprovam-no: a percentagem de população do país com mais de 65 anos é de 23,5%, enquanto a de jovens (considerados todos até aos 14 anos) é de 12,9%. Então, como podem as cidades enfrentar esta realidade, munindo-se de estratégias para se tornarem mais amigas dos idosos? Parte da resposta pode estar num robot?

O robot ARI já está a ser estudado em Barcelona, mas junta-se a um conjunto de medidas – não tão tecnológicas – para ajudar a envelhecer melhor na cidade. O caminho passa por prestigiar mais a figura de cuidador, pelo cohousing e… pela juventude. Quem o diz é Ester Quintana, diretora de Serviços Sociais na Área do Envelhecimento no Instituto Municipal de Serviços Sociais de Barcelona (IMSS).

O Simpósio acontece a 15 de fevereiro no Cinema São Jorge

A cidade dela está ao lado de Lisboa e Porto como exemplos em debate no IV simpósio InterAções, que acontece esta quarta-feira, dia 15, no Cinema São Jorge, organizado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no âmbito do seu projeto Lisboa Cidade de Todas as Idades. Uma oportunidade para discutir o envelhecimento nas grandes cidades.

A programação inclui conversas sobre fenómenos de exclusão, desigualdades sociais, o impacto da regeneração urbana, isolamento e solidão não-desejada, e serão ainda abordados os desafios à operacionalização de projetos na área da longevidade e do envelhecimento.

Antes de as portas do simpósio abrirem, falamos com Ester Quintana, para saber que estratégias tem Barcelona para enfrentar o envelhecimento.

Que estratégia tem adotado Barcelona para enfrentar o envelhecimento na cidade?

Ester Quintana, de Barcelona. Foto: DR

Barcelona atravessa um conjunto de desafios, como a maioria das cidades europeias: é uma cidade que está a sofrer um processo de envelhecimento que tem consequências importantes a nível social, educativo, cultural.

É uma transformação demográfica sem precedentes. Neste momento, 21% da população em Barcelona é idosa. Em 2040/2050, talvez falemos de 40% de pessoas idosas, sobretudo pessoas muito idosas, com mais de 85 anos…

É uma mudança fora de série, nunca vista. As famílias passam a ter quatro gerações: o neto, o pai, o avô, o bisavô. E por isso Barcelona tem vindo a trabalhar uma estratégia, não a curto-prazo, mas a longo-prazo, para lidar com o envelhecimento.

É preciso fazer um exercício de perspetiva: pensar nas necessidades do futuro para determinar o que é preciso fazer já. Alguns dos eixos em que temos vindo a trabalhar passam por implementar políticas de juventude, redesenhar a cidade, melhorar o sistema de cuidados das pessoas idosas, tornando-o mais sustentável com recurso à tecnologia.

E de que forma se melhora o sistema de cuidados? Quais são os principais problemas?

Em Espanha, temos muitas mulheres da América-Latina a cuidar dos nossos idosos. Os jovens que estão a estudar para ser cuidadores acabam por nunca exercer por causa dos salários baixos, das condições muito duras, da falta de prestígio social. Isto é um problema que temos agora mas no futuro será um problema ainda maior.

Estamos a trabalhar para prestigiar as profissões de cuidados, melhorando as condições laborais e salariais e incentivando também que haja mais homens na profissão. Se não o fizermos já, não haverá pessoas para cuidar dos nossos idosos, a não ser que haja uma vaga de imigração. Temos de fazê-lo pouco a pouco, com campanhas de sensibilização para prestigiar estas profissões. Trata-se de uma transformação importante de caráter cultural. 

A nossa aposta também passa pela inovação social, devemos repensar os nossos serviços. Aqui em Barcelona temos serviços que não comunicam. A teleassistência, o serviço ao domicílio, as ajudas técnicas nas casas, são serviços que não se organizam uns com os outros e muitas vezes duplicam-se. Se os coordenarmos e integrarmos, acabamos por não precisar de tantos sistemas nem de recursos humanos, e temos menos custos.

E em termos tecnológicos? De que é que estamos a falar?

O sistema de cuidados requer muita mão-de-obra e pressupõe custos salariais muito altos. Por isso, estamos a desenvolver um processo de reflexão de forma a introduzir elementos tecnológicos neste sistema, que possam torná-lo sustentável.

Recorrendo à tecnologia, o dinheiro despendido com os cuidados será o mesmo que tem sido nos últimos anos. Usamos a tecnologia para o exército e para a guerra, temos de usá-la também ao serviço dos nossos idosos. Estamos a falar de robótica, por exemplo.

Neste momento, estamos a trabalhar com um robot que se chama ARI para perceber que nível de aceitação é que recebe dos mais velhos. Este robot está programado com sensores para detetar os sinais vitais da pessoa.

Para além disso, pode estabelecer uma conversa, pode recordar que tempo faz naquele dia, recordá-la que é hora de comer, de tomar um medicamento, de que é o dia de um familiar a visitar, pode pedir para ligar à teleassistência… e tem uma parte de Alexia também: pode pôr música, dizer o que se passa no mundo.

É importante perceber que o setor dos cuidados vai ser um setor económico relevante, em crescimento. É um tema a ter em conta e por isso que é preciso prestigiar o setor dos cuidados e preparar-nos para que realmente as pessoas que queiram trabalhar sejam também as melhores.

Ester Quintana lembra que parte da solução para os problemas ligados ao envelhecimento está em prestigiar mais a figura de cuidador. Foto: Unsplash

Há mais cidades a apostar neste tipo de modelos?

Nós já plantámos as primeiras sementes mas há países que já estão mais avançados: o Japão está muito mais à frente do ponto de vista tecnológico.

Na Holanda e na Alemanha, há cidades com modelos interessantes de organização, mas todas as cidades europeias estão conscientes do que se avizinha em relação ao envelhecimento da população.

Na Holanda, o modelo Buurtzorg conceptualizou um sistema de atendimento ao domicílio muito interessante. Berlim também tem centros de dia com muitos serviços de proximidade. Em Espanha, temos partilhado experiências com Bilbao, Madrid, Vitoria…

Em geral, todas as cidades estão a preparar-se.

Por que é que as políticas de juventude são aqui importantes? E em que tipo de políticas têm investido?

Se não trabalharmos com os jovens, também não conseguimos responder às necessidades dos mais velhos. Precisamos de uma sociedade equilibrada. Precisamos de políticas para a juventude de forma a garantir que há pessoas jovens a viver e a criar raízes em Barcelona.

Esta é a única forma de compensar: queremos que os jovens tenham a possibilidade de viver, de se formar e de trabalhar em Barcelona. Queremos que sejam cidadãos sensíveis, e que acolham os mais velhos na cidade.

É por isso importante que os mais jovens tenham acesso à habitação e que se lute contra a gentrificação. Precisamos que seja fácil para um jovem autonomizar-se em Barcelona, facilitando o acesso ao mercado de trabalho.

Estamos também preocupados em captar talentos de outros sítios para que venham viver em Barcelona. A ideia é evitar que a nossa pirâmide populacional seja tão invertida. Queremos uma pirâmide mais quadrada e não tão triangular.

Queremos que estes jovens tenham filhos, que tenham acesso a infantários e escolas para que possam ficar em Barcelona e para que possam desenhar o seu projeto de vida. Numa altura em que pensamos no envelhecimento, nunca estivemos tão conscientes da importância dos jovens na cidade.

Em termos urbanísticos, como podemos tornar uma cidade mais amiga dos idosos?

Há que pensar no uso da cidade pelos mais idosos, e isso não pode ser só feito pelos técnicos municipais, temos de repensar a cidade com os mais velhos. Barcelona faz parte das cidades amigas das pessoas idosas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e temos feito diagnósticos para as oito dimensões da vida urbana das pessoas idosas. Desde 2009 que temos olhado para a cidade nesse sentido.

Oito domínios da vida urbana segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS):

  • Comunidade e cuidados de saúde;
  • Transportes;
  • Habitação;
  • Participação Social;
  • Espaços exteriores e edifícios;
  • Respeito e Inclusão Social;
  • Participação Cívica e Emprego;
  • Comunicação e Informação;

Estamos a desenvolver uma técnica interessante: são as “marchas exploratórias“, uma técnica que temos aplicado aos nossos bairros.

Durante uma manhã, cerca de 12 pessoas idosas acompanham um grupo de 5 ou 6 técnicos sobretudo da área do urbanismo e fazem um circuito pelos jardins, vias públicas, transportes. Os mais velhos vão assim indicando onde falta um banco, um ponto de luz, um corrimão, uma paragem de autocarro, uma rampa para cadeira de rodas…

É uma técnica que se tem feito sistematicamente nos bairros onde se deteta um maior envelhecimento e é um bom exercício porque as pessoas idosas são capazes de ver coisas que os técnicos não conseguem ver. É preciso entender o quão importante é pôr alguns elementos em determinados pontos, e que os mais velhos participem nessa transformação.

Barcelona sofreu uma grande transformação urbanística nos anos 1990, com a ideia de se abrir ao mar, mas a vida quotidiana tem de se adaptar às necessidades dos mais velhos, por isso temos de ir revendo, metro a metro, a cidade.

Em Barcelona, incentiva-se a participação dos mais velhos na cidade. Foto: Inês Leote

Como é que tem corrido esta questão da participação? Há adesão?

Nós temos uma rede de órgãos de participação muito estruturada nos bairros, nos nossos distritos e na cidade. Temos centros desportivos, bibliotecas, centros para idosos, centros de dia… os utilizadores destes espaços fazem parte de órgãos de participação.

Há sempre uma pessoa mais velha a ir ao conselho de distritos e há uma ou duas pessoas idosas a irem ao conselho da cidade. Esta estrutura de órgãos de participação faz com que contemos com os mais velhos quando precisamos de implementar novos serviços ou para pedir alguma opinião.

Mas a participação dos mais velhos ainda é muito básica, tal como a dos jovens. Os jovens de hoje serão os mais velhos de amanhã por isso têm de habituar-se a participar e a levar as suas ideias para a sua comunidade. A participação é um tema-chave.

Para além disso, é importante que as pessoas comecem a tomar consciência sobre como querem envelhecer, como querem ser cuidadas. Pessoas entre os 50-70 devem pensar nisso, é uma forma de nos ajudar a enfrentar o envelhecimento. Estas pessoas estão no momento oportuno para pensar se a casa delas está adaptada para envelhecerem ali, ou se terão de mudar…

Também há quem não queira envelhecer em casa, mas em grupo ou em família. Há que favorecer e lutar contra as barreiras jurídicas e legislativas para os projetos de cohousing ou de coliving senior e promover as iniciativas para os cuidados de forma comunitária e de grupo.

Esses projetos de cohousing e coliving senior já começam a surgir?

Temos muitos idosos que propõem projetos cohousing em Barcelona, mas Barcelona é uma cidade muito densa, e os metros quadrados disponíveis são muito caros e por isso acabam por se instalar fora de Barcelona. Muitas pessoas estão a fazer projetos fora da cidade e também é importante que possamos apoiá-las. É uma maneira de auto-organização e devemos promovê-la e facilitá-la.


Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 27 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

ana.cunha@amensagem.pt

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2 Comentários

  1. Existe uma necessidade urgente de formação creditada para os cuidadores de pessoas idosas e criação de uma ” carreira” como existem para os auxiliares de educação. Todos os cuidadores quer em Erpi, Apoio Domiciliário, Centro de Dia ou outro tipo de resposta carecem de formação com um nível de escolaridade básica exigida.

  2. Lisboa quase que excomungou os lisboetas idosos, atirando-os para fora da cidade onde viveram toda a sua vida, para dar lugar ao AL. Os últimos 15 anos os autarcas viveram simplesmente para o turismo e desterrando para fora da polis, aqueles que sempre amaram a sua cidade…

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