Se ainda não sabem, incautos corações, fiquem a saber: 14 de fevereiro, ao contrário de Portugal e em boa parte do mundo, não é Dia dos Namorados no Brasil. Lá, na soalheira terra famosa pela sedução, pelo ardor da paixão e da pele, pelos beijos que sabem a fruta tropical, a romântica data celebra-se a 12 de junho, na véspera do dia dedicado ao mais lisboeta de todos os santos, Santo António.

Portanto, mais do que um Valentine’s day, no Brasil celebra-se o António’s day.

Nada contra São Valentim nem necessariamente a favor de Santo António, é bom que se diga. Embora não haja nenhuma justificativa oficial e religiosa a respeito – talvez haja uma comercial, pois sempre há – o mais lógico é que o Dia dos Namorados no Brasil não ocorra em fevereiro simplesmente porque em fevereiro no Brasil é… Carnaval.

Para um coração brasileiro em Portugal, o Dia dos Namorados vem em dobro. Foto: Disney Reprodução/Divulgação

E no Brasil, se ainda não sabem, incautos corações, fiquem a saber, o Carnaval é justamente a época do ano quando os casais, em comum acordo e para o bem da relação, dão um tempo no namoro.

No batuque do samba, nos clarins do frevo e por entre os abadás e aê-aê-aês do axé, os pombinhos entram em stand by afetivo e acionam os modos ninguém é de ninguém e não existe pecado do lado de baixo do Equador durante o tríduo momesco -, que normalmente estende-se para muito além dos três dias – para aí sim, só depois da folia, exaustos, saciados, felizes e mais apaixonados do que nunca, reatarem a relação.

E o amor que resiste ao stand by do Carnaval, se ainda não sabem, incautos corações, fiquem a saber, é um amor de cem séculos.

O anacronismo do Dia dos Namorados entre os dois países para nós, imigrantes brasileiros e brasileiras em terras lusas, provoca uma situação curiosa. Pois, assim como os aniversariantes de dezembro não abrem mão de receber os presentes de aniversário e de Natal – e com toda razão -, e como o tímido e invernal Carnaval em Portugal não convida ao stand by afetivo, os casais brasileiros em Portugal costumam celebrar o Dia dos Namorados tanto em São Valentim quanto em Santo António.

É o amor em dose dupla, incautos corações, em dose dupla.

Até porque as celebrações não se encerram em si mesmas, não se restringem à penumbra do restaurante, à trémula chama da vela acesa sobre a mesa, ao cheek to cheek com um fado ao fundo, nem ao leito forrado de pétalas de rosa, aos óleos aromáticos e a expectativa de se entrar em órbita e constatar, lá de cima, baby, what a wonderful world!

Não, não, não, o Dia dos Namorados também celebra-se nas redes sociais, onde as fotografias de casais em beijos explícitos e calorosas declarações de amor escorrem em cascata pelas timelines e, convenhamos, nenhum casal quer nem merece passar o Valentine’s day e o António’s day em brancas postagens.

É claro que em tempos de crise e de inflação em dois dígitos o bis da celebração pode causar alguns embaraços orçamentários, mas não se deixem levar por esses pormenores mesquinhos, não, nunca, never, jamais!

Peça uns euritos aos pais, aos amigos, às amigas, peça ao banco, isso mesmo, recorra a um empréstimo ao banco, mas não passe a data em branco, pois não há juros do Euribor que valham as juras de amor. 

Se ainda não sabem, incautos corações, fiquem a saber, não tem amor que resista à imensa solidão de uma timeline sem post.

Aos brasileiros e brasileiras em Portugal, o Dia dos Namorados em dois tempos pode ser um constrangimento justamente para quem… não tem com quem celebrar. A solteirice por opção, por si só, não costuma acarretar grandes problemas aos donos e donas de um coração vadio, afinal, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

A solteirice voluntária pode até ser encarada como uma filosofia de vida, o budismo das dê-erres, o veganismo de não se dar satisfação àquele chato por onde vai, o reiki das sextas eternamente livres para curtir com os brothers e c’azamigas

Nesse dia específico, é tiro e queda, é como na canção do Roberto: meu amor, quando tudo em volta está deserto, o rapaz e a rapariga podem até dizer a si mesmo que está tudo bem, está tudo certo.

Certo como dois e dois são cinco.

Pois, se ainda não sabem, incautos corações, fiquem a saber, se não há feng shui que dê jeito à desarrumação de um celibatário coração num único Dia dos Namorados, imaginem em dois?

Durante 364 dias num ano, o celibatário e a celibatária por livre arbítrio vive dias de paz, suave na nave, feliz no chafariz, de boa na lagoa, com a inabalável fé de ter tomado a decisão correta, até o Dia dos Namorados chegar para perturbar o chakra do sujeito e da sujeita.

Como a minha vida é um facebook aberto, não devo mentir, será exatamente o meu caso neste Dia dos Namorados. Olhando aqui na agenda, o único compromisso anotado no dia 14 de fevereiro é ir ao dentista, logo cedo, às nove da manhã.

A doutora não sabe e nunca saberá, mas neste dia será o meu date platónico, uma companhia zelosa pelo meu sorriso e por quem, em troca, passarei uma hora boquiaberto, enquanto a minha solidão é anestesiada pela agulha da injeção num quadrante específico da boca.

Não é muito, mas é o que tem para hoje.

Pois se ainda não sabem, incautos corações, fiquem a saber, que a coisa que um coração solitário mais deseja ouvir num Dia dos Namorados é uma outra voz, serena, a garantir:

Fique tranquilo, que não vai doer nada.


Álvaro Filho

Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.

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