Imagem do Campo da Feiteira, retirada da BD assinada por Ferreira Fernandes e Nuno Saraiva, sobre a história deste espaço

O primeiro jogo internacional de futebol realizado em Portugal está marcado na memória da freguesia de Benfica. E bem visíve. Edis One e Pariz One, dois artistas urbanos, pintaram um mural no túnel debaixo dos prédios que davam para o antigo Campo da Feiteira, o primeiro campo do Sport Lisboa e Benfica.

Lembre a história aqui já contada sobre este campo:

O mesmo campo que, a 21 de maio de 1911, foi palco do primeiro jogo de sempre do que se poderá considerar a primeira seleção nacional de futebol. Tantas estreias num só lugar. Os adversários eram franceses, estudantes do Stade Bordelais Université Club.

De artistas rebeldes e protegidos dos vizinhos

A história por detrás do convite por parte da Junta de Freguesia aos dois artistas para pintarem este mural mostra como “primeiro se estranha e depois se entranha”. Quando Edis One e Pariz One se mudaram para o novo atelier, na rua José dos Santos Pereira, em Benfica, começaram a usar a parede exterior como rascunho. Pintavam-na de várias maneiras, experimentavam técnicas, limpavam-na e voltavam a pintar.

No início, os moradores e os jovens do bairro estranharam, não gostaram. Mas, com o tempo, começaram a valorizar e até a proteger o muro. “Ninguém podia aproximar-se da parede, os velhotes faziam de guarda”, recorda Pariz One.

Os artistas Edis One e Pariz One têm deixado a marca deles pela cidade. Aqui no campos do Calhariz, desenhado por eles. Foto: site Hoopers

A vizinhança começou a enviar e-mails de agradecimento à Junta de Freguesia de Benfica por estarem a reabilitar uma parede. Aliás, “quando a parede estava vazia, as pessoas queixavam-se”, ri-se o artista que tem no currículo vários trabalhos de arte urbana espalhados por todo o mundo.

A Junta percebeu que os artistas, sem o saberem bem, estavam a dar vida ao bairro. E quis juntar o útil ao agradável: dar uma nova luz, um nova cor, ao túnel da Rua Emília das Neves e ao mesmo tempo homenagear o futebol nacional, uma vez que ali tinha sido o campo do Feiteira.

Os dois artistas aceitaram. E vieram “dar cor a um sítio que era escuro e sujo”, diz Pariz One.

O ponto de partida para o mural foi uma “fotografia a preto e branco da equipa, de um tamanho de um selo”, o que dificultou a criação da imagem final. “Era difícil percebermos quem eram os jogadores e tivemos de fazer uma pesquisa individual.”

De que equipa falamos, afinal?

O onze inicial escolhido pela Associação de Futebol de Lisboa em 1911 para disputar o jogo com a equipa francesa do Stade Bordelais, de Bordéus. Foto: Inês Leote

Do onze inicial da seleção nacional, agora imortalizado no túnel, constavam nomes históricos do futebol português: Cosme Damião (fundador do Benfica), os irmãos Stromp (fundadores do Sporting) e Artur José Pereira (fundador do Belenenses).

Aém destes, também estiveram em campo António Rosa Rodrigues e João Bentes, do Sporting, Carlos Sobral, Merik Barley, Eduardo Pinto Bastos e William Sissener, do CIF (Club Internacional de Foot-Ball), e Henrique Costa, do Benfica.

Da pesquisa que os artistas fizeram resultou uma dúvida: afinal, de que cor eram os equipamentos? “Encontrámos informação que nos dizia que eram roxos e outra que apontava para o vermelho”, explica Pariz One.

Mas Pariz One e Edis One optaram pelo original: a preto e branco, como consta da fotografia. “Assim, protegemos a história”, diz o artista.

“Foi também engraçado percebermos que o primeiro jogo da seleção foi com um conjunto de jogadores escolhidos pelo Associação de Futebol de Lisboa e que jogaram contra um clube de estudantes, o que foi um pouco de improviso”, conta Pariz One. O clube era o Stade Bordelais, de França.

O certo é que nesse dia se fez história: Portugal jogava o seu primeiro jogo internacional e saiu vitorioso: ganhou por 5-1.

Pariz One ficou contente com o cuidado que a Junta passou a ter com aquele lugar. “Agora, há sempre iluminação no túnel e as pessoas podem passar em segurança.” Este impacto positivo é algo que acontece com frequência depois de intervenções artísticas, lembra. “O poder local acaba por melhorar o sítio intervencionado por nós: ou passa a ser limpo mais vezes, ou fica com iluminação, acontece sempre alguma coisa.”

Os dois artistas já tinham feito uma intervenção urbana no campo de jogos do Calhariz, em Benfica, em 2021, num projecto chamado “Cara ou Coroa”, que visava promover o fair play e a igualdade de género e foi apoiada pela Junta e dinamizada pelo coletivo Hoopers.

O Campo da Feiteira

Embora os terrenos do antigo Campo da Feiteira estejam urbanizados e a bola já não role por lá, têm um lugar na história do Sport Lisboa e Benfica (SLB).

Em 1906 era fundado o Grupo Sport de Benfica (GSB) que tinha como modalidades principais o ciclismo e o atletismo e foram feitas várias provas na Quinta da Feiteira, cedida pelo proprietário. Um ano depois o GSB adquiriu o espaço e começou a usá-lo também para jogos de futebol. Dois anos depois o clube mudou o nome para Sport Lisboa e Benfica, em homenagem ao sítio onde passou a jogar.

A 22 de maio de 1911, um dia após o jogo da seleção, o campo foi também palco dos encontros entre o Stade Bordelais Université Club, o CIF e o SLB. A estreia da seleção nacional no Campo da Feiteira fez capa do jornal Os Sports Ilustrados que a definiu como o “assunto palpitante da semana”.


* Daniela Oliveira nasceu no Porto, há 22 anos, mas a vontade de viver em Lisboa falou mais alto e há um ano mudou-se para a capital. Descobrir Lisboa e contar as suas histórias sempre foi um sonho. Estuda Ciências da Comunicação na Católica e está a fazer um estágio na Mensagem de Lisboa. Este artigo foi editado por Catarina Pires.

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1 Comentário

  1. .. .achei muito lindo , muito interessante e inovadoras todas as 💡
    ideias.
    Obrigado por estas transformações que
    dão vida NOVA à nossa
    cidade👏👏👏👏

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