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A processar…
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A transformação de uma pequena lixeira urbana num recanto verde de lazer e descanso é fruto daquilo a que se chama hoje urbanismo tático levado a cabo pelos moradores. E é bem simples de explicar: num dia, estes decidiram alterar pelas suas próprias mãos o destino, escrito há vários anos, deste canto do bairro de ruas com nomes de cidades inglesas.

Para contar esta história, temos de nos perder antes um pouco nas ruas caóticas de Arroios, subir uma das sete colinas e sentarmo-nos nas escadas da Rua Cidade Manchester. A recompensa deste esforço está na sombra das grandes tílias que, durante muito tempo, cresceram em direção ao céu.

Há uns anos, Carlos Sacramento, ali morador desde sempre, apercebeu-se que deixou de conhecer os vizinhos. Então, fez o que qualquer pessoa deve fazer quando perde algo importante: cartazes que procuram. Nestes, lia-se “Procura-se Vizinhos da Rua Cidade de Manchester”. Felizmente, os vizinhos queriam encontrar-se, tendo isto resultado no grupo de vizinhos mais cool de Arroios. Reuniram-se no Facebook, um mero meio para passar do virtual ao real e dar corpo às palavras e ideias que os unem.

Como a Mensagem já contou, nesta “Social Street” – conceito que germinou em Itália, mas que não é mais do que um regresso às ruas como elas eram –, depois de encontrados os vizinhos que se perderam por uns tempos, a rua passou a respirar com outro fôlego: as caras têm nome, as caldeiras das árvores foram ajardinadas, e, junto a uma das árvores, surgiu a ManchesterBooks (biblioteca) e a Caixa Solidária, onde aparecem sempre coisas de que alguém precisa. A maior conquista talvez tenha sido, no entanto, as crianças poderem correr como se estivessem no campo.

De Manchester a Liverpool, um Jardim de Várias Mãos

Embora as duas ruas se confundam pela semelhança, temos de descer para a Rua Cidade Liverpool. É aqui que se passa a nossa história. A rua-irmã veio em socorro da vizinha Alessandra Fischer para revitalizar o canto de 4 m2, onde ela, desgostosa, via o lixo ininterruptamente a crescer.

A resposta: um Jardim de Várias Mãos. E assim foi. As diferentes mãos vizinhas operaram diversos ofícios de extrema importância: transporte de materiais, ideias – “mais para aqui, mais para ali”. A comida e água chegaram de várias casas. E algo fulcral, num sábado escaldante, os incentivos dos que estavam de passagem.

O dia terminou bem mais produtivo do que se anunciara. Além do jardim, havia onde sentar e também o que ler. O espaço público anteriormente ocupado por lixo é agora um ponto de encontro agradável à vista. As abelhas e borboletas foram as primeiras a aparecer, confirmando ser este o caminho a percorrer.

A forma como as pessoas se relacionam com o espaço também já mudou. De manhã, temos crianças encavalitadas no banco. O responsável pela rega tem o regalo de ser quem ouve um pai dizer em língua irmã: “chicos, aquí la gente cuida de las plantas”. Quem sabe não aparece ainda a vizinha parisiense, que viveu a maior parte da vida em Nova Iorque, para contar histórias com o belo ritmo próprio dos nova-iorquinos.

Olhar para as flores faz os transeuntes sorrir! Pudera, o lixo finalmente foi-se. Uns levam livros para que alguém os reponha, há quem só folheie as revistas. Deste canto multicultural com muitos propósitos, também se recupera as forças, após subir a escadaria. 

Regar as flores é uma das tarefas dos vizinhos da Rua Cidade de Liverpool, que querem manter o canto conquistado florido. Foto: Rita Ansone

Acima de tudo, também ali passa a ser possível encontrar os vizinhos que se perderam uns dos outros. A responsabilidade, Carlos deixa-a clara: “O importante é o que as pessoas da Liverpool farão depois, são os laços que impedirão o desmazelo.” Diz-se, pelas escadas, que querem fazer bastante, mesmo com o entra e sai de gente que, a cada dia 30, se muda, mudando a rua. Valha-nos a vizinha lisboeta, sempre vigilante à janela.

Urbanismo tático e ruas sociais: a cidade a quem a vive

Esta forma de intervir, pensando e reconfigurando um espaço público, com vista a torná-lo mais para pessoas é designada urbanismo tático. Os cidadãos, ao empregarem este conceito e ao contribuírem para a melhoria das cidades, não estão a substituir – nem pretendem – a responsabilidade e poder locais. Estão, sim, a acelerar o processo, quiçá a fomentar uma ação mais definitiva para responder a problemas que as cidades enfrentam.

Tudo neste canto da Rua Cidade de Liverpool comunica e gera comportamento. Além dos elementos vegetais e culturais que marcam uma posição e uma vontade, o tapete de relva reutilizado, através da cor, delimita um local. É de assumir que aquilo que está na rua é temporário, especialmente quando colocado pelos cidadãos. Na rua de cima, foram-se as flores. “Podemos ter flores, mas não muito bonitas. Acabam por ser levadas”, diz Carlos ao recordar as sardinheiras oferecidas pela Junta de Freguesia.

Cá em baixo, a efemeridade ainda só se fez notar nos livros requisitados sem retorno. Por vezes, as prateleiras ficam vazias. A pergunta impõe-se: será que os livros voltarão? Sim, vão aparecendo, e agora CDs também. O misterioso livro “Jogo da Vida”, escrito por Luís Soares, aparece quase todos os dias – por vezes uma cópia, outras vezes duas -, sempre pela calada da noite, esgotando em poucas horas.

Além das escadas, prédios pitorescos e frondosas tílias, estas ruas estiveram durante longos anos unidas, sem competição, em algo de grande importância para os lisboetas: os Santos Populares. Um ano numa, um ano noutra. Que bom era ter a festa à porta, longe da confusão dos outros bairros. A tradição, que durou até aos anos 1990, parece agora querer regressar, com uma mensagem clara para a cidade: também pode ter uma Social Street e mudar a sua morada.


A Câmara Municipal de Lisboa disponibiliza um serviço de recolha de lixo volumoso. Se tem lixo volumoso em casa, agende com a autarquia o dia e a hora para recolher esse mesmo lixo, através do 808 20 32 32 ou da aplicação “Na Minha Rua”.


*Leonardo Rodrigues é aluno de Ciências de Comunicação, na Universidade Nova, e também autor do projeto Lisboa Quase Verde. É autor do blog Leonismos.com

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2 Comentários

  1. Parabéns aos voluntários. O voluntariado faz muitas vezes mais bem aos voluntários do que aos beneficiados: cria uma satisfação inconsciente, … Os voluntariados locais, nacionais e globais podem ser estimulados pelos políticos locais, em colaboração com políticos nacionais e com a ONU.

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