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O que terá a dizer um ilustrador, um homem das artes, sobre o design do espaço que serve de ponto de partida e chegada de vários autocarros em Sete Rios? Escolheria ele pôr no lugar de uma parede cinzenta uma ilustração provocadora? E uma escritora? Quanta literatura cabe numa zona que é dos autocarros? E será que uma banda emergente do Seixal pode ditar que, daqui em diante, os terminais sejam também hubs para grupos musicais emergentes na cidade?
Lançámos a Nuno Saraiva (ilustrador), a Ana Bárbara Pedrosa (escritora e cronista na Mensagem) e aos Sogranora (banda do Seixal) o desafio de repensarem os terminais rodoviários de Lisboa, depois de a EMEL ter começado a auscultar os lisboetas.
A empresa de mobilidade da cidade quer ouvir os utilizadores dos cinco principais terminais rodoviários de Lisboa – Sete Rios, Campo Grande, Oriente, Pontinha e Colégio Militar. A auscultação integra o projeto RESTART, através do qual a empresa pretende desenhar a modernização destes terminais, para que se tornem interfaces multimodais – espaços que liguem diferentes tipos de transportes – e zonas mais confortáveis e… cool.
Depois de um processo participativo, será apresentada uma proposta do plano de intervenção, até ao final do ano.
O projeto foi anunciado em 2020 e é financiado em mais 860 mil euros pelo fundo Connecting Europe Facility (CEF) da União Europeia. A coordenação é da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa e a implementação está a cargo da EMEL.
A Mensagem associa-se à iniciativa com uma série de artigos apoiados pela EMEL. Depois de termos contado a história do terminal de Sete Rios, temporário há 18 anos, de ouvirmos o que querem as várias pessoas que passam por estes terminais todos os dias, e de termos dado voz aos motoristas, inquilinos regulares destes espaços, desafiamos três artistas a repensar os terminais rodoviários de Lisboa.
Normalmente infraestruturas frias e cinzentas, na cabeça deles um terminal pode mesmo ser um lugar fértil para fazer valer a sua arte.
Sete Rios de varinas nas paredes e… um jogo de tabuleiro

Nuno Saraiva
Lisboeta empedernido, colaborou praticamente em toda a imprensa nacional. Cartunista político, o seu traço é o traço de Lisboa, é o autor das imagens das Festas de Lisboa de 2014 a 2017, criador dos troféus das marchas, e há 10 dos seus murais nas paredes da cidade. O seu livro Tudo isto é Fado! ganhou o prémio do Festival internacional de BD Amadora. Dá aulas na Lisbon School of Design e na Ar.Co. São dele todos os desenhos na homepage da Mensagem.
Se há coisa que falta ao terminal rodoviário que Nuno Saraiva melhor conhece é “charme”, diz.
“Às vezes, há sítios em que estamos a ser aldrabados, mas onde gostamos de estar, porque são bonitos. É como alguns restaurantes. De repente, percebemos: ‘Espera aí! Estou rodeado de plástico num restaurante vegetariano'”. Então, era por aqui mesmo que o ilustrador começava a revolução em Sete Rios: uma nova cara – e mais funcional, “porque a sinalética não é boa”.




Se tem ideias sobre como poderiam ser utilizados estes terminais, pode enviar as suas sugestões através dos sites http://umaideia.pt/ ou www.emel.pt/pt/.
Torniquetes e estantes de livros no Campo Grande

Ana Bárbara Pedrosa
Veio para Lisboa estudar Literatura em 2012. Daqui só saiu para o Brasil, onde, à portuguesa, teve saudades dia e noite. Regressada, escreveu Lisboa, chão sagrado e a cidade foi a diva onde se perderam personagens. Anos depois, numa casa em Benfica, foi ao Médio Oriente e escreveu Palavra do Senhor. No mesmo sítio, meteu a cabeça em Vizela e escreveu Amor estragado. Para os de cá, tem sotaque minhoto; para os de lá, engravatado.
“Volta e meia, viver em Lisboa dá cabo da cabeça. Temos ciclovias para todo o lado, mas alguém se esqueceu de que temos de estacionar as bicicletas. Por isso, podíamos começar por aí. O investimento é mínimo, o benefício é grande. Era um pequeno espaço abrigado da chuva, com aloquetes com código decidido na hora. Encontram-se em qualquer lado, até no meu ginásio há. A partir daí, seguia-se viagem de formas que não exigissem mexer tanto os quadríceps.
Imaginemo-nos, então: mesmo em frente ao Alvalade XXI, onde a bola de Cristiano Ronaldo tocou pela primeira vez nas redes, ali estaríamos a cumprir o dia-a-dia. De um lado, há autocarros que vão para Almada, para o Dafundo, para Alfragide ou Torres Novas. Agora, quem vem de Torres Novas mal se amanha, tem de ter um bilhete para a porta de Lisboa, mas para lá entrar precisa de outro para o metro ou autocarro.
A coisa resolve-se com relativa facilidade: a porta pertence à casa, Lisboa faz parte de Lisboa, basta mudar-se um torniquete. Chegados ali, os que quiserem sair no Campo Grande vão às suas vidas; os que seguem para a Estrela ou o Cais do Sodré ou eu sei lá, devem poder subir as escadas para o metro sem terem de sair da plataforma. Para isso, acrescenta-se um torniquete à entrada da paragem de autocarros.
Isto resolverá a parte economicista, e gente como eu tem horror a números. Não é que importem pouco. Aliás, quem os tem parcos dirá que são o que importa mais. Mas, resolvida esta parte, facilitando-se a mobilidade, avancemos para o paraíso chamado biblioteca.
Um dia, perguntaram-me num festival literário se Borges mentia quando dizia que o seu paraíso era essa maravilha cheia de papel velho. Eu, que já vivi num paraíso tropical, disse que não: em nenhum lugar se é tão feliz como num desses que nos permite estar em todos. E bem sei como os livros estão caros, bem sei que são um luxo para tanta gente. Mas a cabeça continua a precisar de músculo, os escritores continuam a precisar de carne, os editores continuam a ter estômago. E nem toda a gente acha piada a cobrir as paredes de casa de prateleiras e romances.
Assim, uma plataforma intermodal que pensasse além do imediatismo, que fosse além das suas funções, podia ter bibliotecas abertas para consumo imediato. Os transportes públicos são os lugares ideais para ler. É a diferença entre deitar o tempo fora ou usá-lo como coisa operante na vida. Por isso, a coisa seria fácil: um investimento transversal em livros que ajudaria a edição a respirar e estantes abertas para quem quisesse meter lá dentro a cabeça.
Pegar, andar e ler, eis o sonho.
E, para isso, convinha que houvesse uma curadoria para que não se gastasse o espaço com chagas feitas em papel ou almas deste ou daquele derramadas em páginas ao sol.
O metro fica lá em cima. O autocarro fica cá em baixo. Eu, que já li em andamento, não recomendo: o passo fica mais lento, a cabeça encontra um galo. Ao longo dos corredores por onde passa tanta gente, defendo um espaço para as editoras e o Ministério da Cultura fazerem o seu caminho – cartazes, capas de livros, biografias, sinopses, caracterização de personagens, o desenho de um castelo.
Eu só teria uma exigência: metade autores vivos, outra metade mortos. No conteúdo, podíamos ter mortos-vivos à vontade. Ao lado de Tolstói, Javier Marías. Ao lado de Tolkien, J. K. Rowling.
Num mundo de tanta pressa, talvez um olho escapasse, talvez se lesse o resumo: este fez isto e aquilo, esta escreveu aquilo e isto e a outra é a dona dos horcruxes. Em todo o tempo inútil da viagem, tínhamos a utilidade em potência. Sem obrigar ninguém, só lá entra quem quiser.”
Se tem ideias sobre como poderiam ser utilizados estes terminais, pode enviar as suas sugestões através dos sites http://umaideia.pt/ ou www.emel.pt/pt/.
Mini-concertos para os que esperam,
oportunidade para bandas emergentes

Sogranora
Ricardo, Tomás e Vasco têm pouco mais de 20 anos de idade e estão unidos pela música – que a dada altura ocupou o lugar da Biologia e do Design, profissões que achavam que seriam as deles. São do Seixal e, numa música, eternizaram o que sentem como jovens que rumam frequentemente dos subúrbios para o centro de Lisboa: “semi-lisboetas”, assim se intitulam.
Lisboa não é casa, mas já foi várias vezes palco dos sonhos destes três jovens.
Ricardo, o vocalista, começou por estudar design na FAUL. Ia todos os dias do Seixal para a Ajuda, em três transportes diferentes. “Não sei se estive perto, na estação do metro, será que sou digno de S. Sebastião”, cantou e contou este martírio do transbordo, na canção que mais os lançou. Acabaria por desistir do curso e ingressar em música, na ETIC, no Cais do Sodré. Agora que acabou o curso, já não vai tanto para Lisboa.
O mesmo não se pode dizer de Tomás, o guitarrista, e de Vasco, o baterista. Tomás entrou em Biologia em Lisboa, e acabou agora a formação no Hot Club, com Vasco. A música veio para ficar e, por isso, está atualmente num curso relacionado com técnica de som, na Escola Superior de Música (em Benfica). Vai uma ou duas vezes por semana a Lisboa.
“Passamos é a sair mais vezes em Lisboa”, conta Vasco. Quando ia para o Hot Club, apanhava o comboio da Fertagus, desde o Fogueteiro até Campolide, onde apanhava um autocarro que o deixava em Alcântara. Andou também na ETIC com o Ricardo e decidiu que o transtorno da viagem compensava a transição da vida boémia para a capital.
Mas porque moram no Seixal e já várias vezes partiram com destino a cidades como o Porto, os terminais rodoviários de Lisboa já foram ponto de passagem para os membros desta banda.
“Acho que nunca tinha pensado nisso.” Nisso de os terminais estarem bem ou mal preparados, confessa Tomás. Puxámos pela memória deles: já apanharam autocarros para viagens de longo curso em Sete Rios – a mais prática para eles, por ter paragem da Fertagus; mas também noutros terminais, como o do Oriente. Tudo “depende do preço dos bilhetes também”, riem.
O hábito já os fez bons orientadores por Sete Rios, mas confessam que, ao início, pode ser um espaço confuso, para compreender a ligação entre diferentes transportes – do comboio para o terminal de autocarros, sobretudo. Até porque, ao contrário da sensação que têm com a do Oriente, parece que, em Sete Rios, os utilizadores têm de abandonar uma estação para ir para outra, quando fazem a passagem entre transportes. Enquanto a do Oriente parece ter os transportes integrados num único espaço.
Mas nem por isso o caminho é mais simples no Oriente – Ricardo nem sabia onde era o terminal de autocarros. E Tomás e Vasco lembram que nem sempre é fácil encontrar a linha e o autocarro certo. “Talvez devesse haver um ecrã com indicações mais específicas”. À semelhança do que deveria mudar em todas as estações, de comboio e de metro também, acrescentam: “Para a esquerda, vai-se para uma rua; para a direita, para outra. Mas eu não sei o nome das ruas, por isso, acabo por escolher qualquer saída e depois tentar orientar-me. Talvez uma imagem, para percebermos se é ali que queremos sair”.
O design também conta – até porque estávamos na presença de um quase-designer: a estação de Sete Rios, diz Vasco, tem uns azulejos no chão que mais parece um ginásio; a do Oriente “sempre é mais agradável, não sei bem explicar porquê”.
Mas o que eles inovariam mesmo era o que acontece no tempo de espera. Habitualmente, tempo passado no telemóvel, a comer qualquer coisa, “a ir ao Lidl de Sete Rios”. Estes jovens têm outras ambições?
“Porque não haver uma altura do ano (verão, por exemplo) em que bandas emergentes montariam showcases em determinados terminais ou noutra zona dos interfaces, para serem ouvidas ao vivo, enquanto esperam?” Mas não só. Estes mini-concertos poderiam ser gravados em tempo real e passados dentro dos metros, comboios e autocarros. “Assim, quem estivesse a gostar, se calhar saía na paragem onde o concerto está a acontecer para o ver ao vivo”. Na pior das hipóteses, segue-se caminho, mas a música e o nome dessa banda já correu mais ouvidos. É uma oportunidade para os artistas também – lisboetas, nada lisboetas ou “semi-lisboetas”, como os Sogranora.
Em termos práticos, propõem ainda direitos para os instrumentistas: espaços para guardar ou pousar os instrumentos nas zonas de espera. A solução para tanto músico por aí que viaja sem saber onde pousar uma guitarra cansada.
No fim, não há letra nem música que faça jus a este ensaio, mas se houvesse eles já lhe teriam dado um nome: “Terminal Onírico”. “Por ser o terminal de sonho, com tudo o que desejaríamos, sem limites para a imaginação.”
* Este trabalho faz parte de um série de reportagens a serem desenvolvidas no âmbito do Projeto Restart em conjunto – e com o apoio – da EMEL. Os artigos que saem na Mensagem não têm qualquer controlo editorial da EMEL – e o objetivo é esclarecer os leitores num tema que diz muito à cidade.
J. L. Borges must have been turning in his grave because of this association to the tropics.
His family moved and stayed in Geneva, where he attended the public high school Collège Calvin, from 1914 to 1918. Then, they lived an itinerant life through Italian Switzerland, northern Italy, before setting in the Balearic Islands; he lived in Barcelone (a city he despised) and Madrid, he only returned to Buenos Aires when he was 22. He chose to spend his last times and is buried where he spent such a critical and formative period of his life, in Geneva.
Above all that, he was obsessed with the south of Argentina and “la Pampa”, which is not by far and any means, tropical, starting with the very city of Buenos Aires (where winters are chillier than in Lisbon: the average lowest temperature for the coldest month, July, in Buenos Aires is 7,4ºC, whereas in Lisbon, for the coldest month, January, it is 8,3ºC).