Por volta das seis horas daquela tarde de junho, véspera de Santo António, quem passava pelo Miradouro de Santa Catarina era atraído pelo som do set tocado pelo DJ Lucas. O Adamastor estava rodeado de gente vinda de várias partes do mundo. O dia quente pedia uma bebida gelada e aqueles sons diversos com vista sobre a cidade em festa pediam que se ficasse ali, a ouvir.
O sol já se punha quando Johanna pegou na guitarra, se aproximou do microfone e tocou duas canções suas naquela que foi a primeira atuação da 7° edição das Wako Kungo Sessions.


Johanna Baget é francesa e está a viver em Lisboa há nove meses, para onde veio através do programa Erasmus para praticar o português. Canta e toca guitarra há alguns anos e não esperava encontrar músicos tão bons em Lisboa nem ser tão bem acolhida pelos portugueses. Nos últimos meses, teve a oportunidade de atuar em muitos lugares diferentes e sentir de perto a energia da cidade.

Descobriu as Wako Kungo Sessions através de amigos músicos que tinham tocado em sessões anteriores e não tardou a surgir um convite para atuar. A abrir a noite, acompanhada pela banda da Wako Kungo, não podia estar mais feliz. “É incrível a rapidez com que aprenderam a tocar as minhas músicas”, diz, sem poupar elogios à banda residente.
Entre gritos tribais de “Wako Wako Wako Kungo Kungo Kungo”, Mistah Isaac entra em palco para apresentar mais dois músicos: a brasileira Carol Ramalho e o francês Samy.
Wako Kungo ou um novo renascimento
Mistah Isaac é o nome artístico de Isaac Inácio, 35 anos, nascido em Angola e a viver em Portugal há 24 anos. Criador e mentor do projeto Wako Kungo, Isaac sempre sentiu a necessidade de fazer um trabalho que ajudasse outras pessoas. Tendo como uma das suas referências Lourenço de Médici, para o artista, o Renascimento foi um período bonito da história, mas que dizimou muitos africanos e asiáticos. “Chegou a hora de criar um novo Renascimento”, considera Mistah Isaac.
E isto não está desligado, para Isaac, da pandemia de COVID-19, que compara às epidemias do século XVI. “Agora o artista tem a obrigação de criar e refletir os tempos que vivemos e pintar o mundo outra vez, com cores diferentes”, diz Isaac, que cresceu numa casa onde a música era presença constante, tanto em Angola como em Portugal. A mãe ouvia Nina Simone, Lucky Dube e Bob Marley, os tios eram músicos e os irmãos também.




As Wako Kungo Sessions nasceram da ideia de criar uma plataforma onde músicos independentes e alternativos que não têm a oportunidade de estar em grandes palcos, nem em grandes editoras, possam mostrar o seu trabalho. É um espaço completamente seguro e livre de preconceitos. Basta ter vontade de criar e de partilhar a criação.
Wako significa louco e em Angola existe uma cidade que se chama Uaco Cungo, na província do Cuanza Sul. “É muito verde, muito bonita e sobretudo com muita história”, conta Mistah Isaac.
Neste momento, do projeto fazem parte cinco elementos. Além de Isaac, o criador, mentor e host das sessões, compõem a equipa Rita Diaza, diretora de operações, que impressionou na edição deste ano do Got Talent, Rubén Andrade, fotógrafo e videografo e Célio Cardoso, diretor musical. As sessões acontecem de 15 em 15 dias, sempre em locais diferentes e com um leque de artistas o mais variado possível.

Toda a curadoria artística é feita por Mistah Isaac e se, no início do projeto, era o Wako Kungo que procurava e convidava os artistas, atualmente a equipa já recebe pedidos de músicos que querem participar nos eventos. Os artistas que não fazem parte do cartaz podem sempre esperar pelo fim das atuações programadas para participar na jam session.
O inglês é o novo latim e para a Wako Kungo é uma ferramenta imprescindível. “Lisboa já não é a Lisboa antiga, onde a gente tinha que se comunicar na língua de Camões ou então ninguém entendia”, afirma Isaac.
Lisboa sempre foi uma miscigenação de culturas. “Já foi dos mouros, dos portugueses… Lisboa é de toda a gente”, diz Isaac, para quem o aglomerado e a sinergia de artistas faz todo o sentido numa cidade que respira e vive da arte que nela existe.
O idealizador do projeto tem como objetivo fazer uma Wako Kungo Session na Fundação Calouste Gulbenkian, mas o seu maior sonho é levar o evento a Uaco Cungo, em Angola.
Foi de lá que veio Célio Cardoso, para estudar arquitetura em Portugal, mas acabou por trocar as réguas e os esquadros pela guitarra. Após ter assistido a um concerto do rapper brasileiro, Gabriel, O Pensador, no Rock In Rio Lisboa, onde este disse “Nós somos os únicos que podemos ir atrás dos nossos sonhos e ninguém vai fazê-lo por nós”, caiu-lhe a ficha e a vida de Célio mudou.
No princípio houve alguma resistência por parte da família em aceitar a mudança de planos, mas hoje Célio é feliz a fazer e a viver do que gosta.
Entrou no projeto Wako Kungo sem sequer imaginar que acabaria como diretor musical. Foi convidado por Isaac para a primeira sessão de Wako Kungo e acabou por integrar a equipa do projeto. “São sempre experiências novas”, diz Célio.
A grande festa das nações

Carol Ramalho, que Mistah Isaac acabou de apresentar em palco, uns parágrafos acima, vive em Lisboa há quatro meses, é brasileira, e, além de cantora, é professora de canto. Gosta de Lisboa, do clima, do ambiente cosmopolita, da diversidade cultural. “Para mim Lisboa é uma grande festa das nações, eu amo essa multiculturalidade da cidade”, diz Carol.
As Wako Kungo Sessions são descritas pela cantora como uma extensão do que Lisboa representa para ela: uma oportunidade de conhecer diversos artistas vindos de lugares tão distintos. Para Carol, o projeto tem a grande virtude de integrar pessoas que provavelmente não se conheceriam em nenhuma outra situação a não ser nas Wako Kungo.
Samy é amigo de Carol e seu companheiro de palco, formaram uma dupla no palco da Wako Kungi. Samy é francês e vive em Lisboa há oito meses. Veio para Portugal a convite de um amigo para fazer parte de um projeto musical. Soube que haveria uma sessão da Wako Kungo na noite anterior e interessou-se de imediato pelo projeto.

Assim como Carol, A’mosi Just A Label, já não é caloiro na Wako Kungo, e como sempre brindou o público com uma atuação cheia de emoções. A’mosi, artista angolano, está a viver em Portugal há quase um ano. Teve alguns concertos adiados em 2020 e em 2021 veio para Portugal para os concretizar, foram surgindo novas oportunidades e o artista foi-se estabelecendo no país que visita pelo menos uma vez por ano, desde 2010. Lisboa é a segunda casa de A’mosi Just A Label, nome artístico de Nkanga Jack Tanzi.
Entre covers e originais, Junn T entrou em palco e cantou de forma descontraída e leve e no fim convidou a sua amiga inglesa Kiara para juntos interpretarem a música “Best Part”, de Daniel Caeser e HER.
Junn T está a viver em Portugal há seis meses, é francês e descobriu o país em 2021. Ficou deslumbrado com a beleza e indignado com o facto de nunca lhe terem falado sobre Portugal. Primeiro conheceu Albufeira e depois passou uma semana em Lisboa, que acabou por roubar-lhe o coração e o fez querer voltar.
Junn T adora o conceito das Wako Kungo Sessions, viu uma das sessões através das stories do Instagram de um amigo e perguntou-lhe o que era. Por coincidência foi a um evento na Costa da Caparica com esse amigo, e encontraram-se com Mistah Isaac que acabou por convidá-lo para atuar na Wako Kungo, depois de tê-lo ouvido cantar.



Nitry foi outra das estreantes no palco das Wako Kungo Sessions. E fez o público vibrar, cantar e dançar. A rapper cabo-verdiana vive em Portugal há quatro anos. Veio de Cabo Verde para estudar no Alentejo e três anos depois mudou-se para Lisboa, onde vive. Nunca tinha ouvido falar da Wako Kungo, mas por sugestão de um amigo deu uma vista de olhos na página de Instagram do projeto e acabou a subir ao palco. E fazer sucesso.
A última atuação da noite foi de Rita Diaza, cantora e diretora de operações do projeto. Encerradas as atuações, abriu-se a jam session, onde o público pôde cantar e improvisar com a Wako Band.
As Wako Kungo Sessions são uma oportunidade para artistas emergentes darem a conhecer o seu trabalho a públicos com gostos distintos e criarem uma rede de contactos. Nunca se sabe o que pode surgir dali, talvez uma nova colaboração musical ou até uma atuação noutros palcos.

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* Apaixonada por jornalismo desde os 12 anos, Charline Vaz Lopes cresceu entre Lisboa, cidade que a viu nascer e Bissau, capital do seu país de origem. Aos 23 anos, divide-se entre a música e o amor pela comunicação. Estudou Ciências da Comunicação na Universidade Católica Portuguesa de Braga e está a estagiar na Mensagem de Lisboa. Este artigo foi editado por Catarina Pires.
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