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Soube recentemente que uma loja de tecidos na Rua do Ouro foi classificada como “histórica”. Não me espanta: só realmente as pessoas históricas é que hoje não compram no pronto-a-vestir; mas já houve um tempo em que o comércio à disposição na capital era parco e monótono, pelo que, para não andarem todas de igual, as raparigas da minha geração preferiam comprar as fazendas e mandar fazer saias e vestidos às modistas com modelos copiados de revistas francesas.
Foi uma verdadeira alegria quando a abertura à Europa virou o comércio lisboeta de alto a baixo. Ainda assim, houve coisas boas que se perderam na nova dimensão, e entre elas, sem dúvida alguma, a relação de confiança e proximidade entre vendedor e cliente.
Passei boa parte da minha infância a ver a minha mãe apanhar o metro para a Baixa, sempre uns dias antes de as aulas começarem (nesse tempo era em inícios de Outubro), para escolher roupa e sapatos para os meus irmãos que, como rapazes típicos da época, detestavam ir às compras.
E os comerciantes, que eram sempre os mesmos e que já a conheciam (Rosicler, Old England, Sapataria Ratinho…), mostravam-lhe as novidades e deixavam-na trazer para casa canadianas, camisolas, calças e calções de vários tamanhos, sabendo que no dia seguinte, depois de os meninos terem provado as fatiotas, tudo o que não lhes servisse seria devolvido, pagando-se apenas aquilo com que se ficara (e nem era preciso trazer as etiquetas, porque não havia código de barras e não se equacionavam aldrabices).
A minha mãe era, há que dizê-lo, uma mulher bonita e, numa dessas vezes, vindo ela com dois sacos incrivelmente pesados cheios de casacos e sapatos, um senhor mais atrevido chegou ao pé dela e perguntou, tentando a sua sorte:
– Posso ajudá-la a levar as suas compras para o meu carro?
Ela pensou duas vezes, claro; mas estava mesmo carregada e, por isso, respondeu-lhe:
– Para o seu carro, não; mas para o meu táxi agradecia muito.
Acto contínuo passou-lhe os sacos para a mão, começando a caminhar à frente dele a toda a velocidade em direcção ao Rossio, onde ficava efectivamente a praça de táxis. Segundo nos contou depois, não ia mesmo nada preocupada com o engatatão das dúzias, até porque sabia desde o princípio como despachá-lo: abrir o porta-moedas e dar-lhe uma moedinha como gorjeta quando já tivesse os sacos e o rabo dentro do táxi…
Medo tinha era de que o tipo se raspasse sozinho com a mercadoria, obrigando-a a pagar uma carrada de roupa que nem sequer tinha sido provada…

Maria do Rosário Pedreira
Nasceu em Lisboa e nunca pensou viver noutra cidade. É editora, tendo-se especializado na descoberta de novos autores portugueses. Escreve poesia, ficção, crónica e literatura infanto-juvenil, estando traduzida em várias línguas. Tem um blogue sobre livros e edição e é letrista de fado.
A mãe e a besta
Nasci em Lisboa – e nunca vivi nem desejei viver noutro lugar; e, tal como tenho muitas vezes saudades da infância, também sinto a falta das coisas que Lisboa me dava em pequena e que, com o tempo, desapareceram. Bem sei que, à vista da maioria dos países da Europa, continuamos a ter uma das…
Obrigada. Dantes era assim. Não em Lisboa mas em Santarém na Casa Ribeiro, no meu caso e mais tarde em Lisboa também, na Bambi, na Lanalgo, no Grandela e os lanches esplêndidos na Confeitaria Nacional.Ao balcão da Casa das Camisas na Praça da Figueira, ganhei os meus primeiros cem escudos diários a fazer embrulhos nas férias do Natal. A loja era de um tio que vendia veludo importados da Alemanha em exclusividade e os lenços de assoar embrulhados em papel transparente e barulhento, as meias, as camisas, obviamente que na altura, eram presentes muito bem estimados e recebidos com alegria.
Saborosa descrição, com autenticidade e mestria.
Lisboa era uma cidade – e talvez ainda seja – de engatatões, de forjadores de piropos e assobios, atrevidos que lançavam o isco, principalmente às mulheres mais bonitas e vistosas. O desfecho desta passagem, ora trazida pela memória da Autora, podia ter sido bem pior, se pensarmos que há gente que se aproveita para ficar com os bens do alheio.
Do “pobre” engatatão só lhe gabo a apreciação: sendo a Maria do Rosário parecida com a mãe, esta só podia ser bonita. Que não me seja assacado este dito como um piropo.
Gostei e revi-me apesar de ter 73 anos, lembro-me de ir com o meu pai comprar os sapatos na “ratinho”, somos três irmãs e vínhamos todas vaidosas, depois fui lá comprar sapatos para a minha filha…
As lojas de tecidos eram muitas, já adolescente escolher as fazendas de xadrez, no Paris em Lisboa para mandar fazer os kilts.
Os tempos mudaram mas ainda gosto ir á Baixa fazer compras e comer um gelado na Amorino ou um lanche na Confeitaria Nacional.
Os lanches depois das compras na Suíça eram uma delicia. São recordações que ficam, mas gosto dos tempos de