Foto: Rita Ansone.

Uns dias no Brasil e, apesar do sol, do sal, do calor dos amigos, parentes e da brisa tépida do mar do Recife, apesar dos clarins dos blocos de carnaval que já se ouve nas ladeiras de Olinda, Lisboa mandou me chamar. 

E eu vim.

Lisboa, a minha casa, não uma segunda casa, mas uma casa tão casa como são o Recife e Olinda, a Lisboa onde vivo com meus dois filhos, onde tenho um trabalho, um teto, um lar.

Foi assim, de longe, que Lisboa mandou me chamar e eu vim.

Vim para abraçar os vizinhos do quiosque de Alvalade, o Zé, a Susana, a Rita, a Maria e o Tiago, que adiaram a confraternização do Natal para o Dia de Reis só porque o vizinho brasileiro estava do outro lado do Atlântico.

Uns queridos.

Vim para rever os conhecidos do balcão do Jacaré Paguá, parabenizar o Paulinho metido na indefectível malha verde do Sporting pela vitória no derby e também para assistir, na noite da virada, ao festival pirotécnico organizado pelo diletante Celestino no teto do prédio onde vive na Estados Unidos.

Mandou me chamar, Lisboa, então eu vim.

Vim para apertar a mão de Mr. Khan, o bengali da mercearia no rés-do-chão do prédio e ouvir as novas do Sul da Ásia, enquanto ele pesa batatas, cebolas e bananas.

Também para me atualizar das fofocas do bairro com a simpática peixeira do supermercado e sua língua tão afiada quanto a lâmina que escala o robalo.

Para apostar nas boas notícias no jornal diário e renovar a fé na lotaria na tabacaria Santo António, a mais antiga do bairro.

E também para sentar na cadeira do senhor Joaquim, o histórico engraxador da Avenida da Igreja, para uma conversa que lustra a alma e os sapatos.

Vim para os livros nas livrarias mais antigas do mundo e nas mais novas, da Piena onde leio os italianos que tanto gosto e para renovar as estantes nos alfarrábios da Ulmeiro em Benfica ou na Castro e Silva, a nova belezura da Almirante Reis.

Vim ainda para o abraço de quem gosto e também gosta de mim e me esquenta as costelas nas noites frias do inverno de Lisboa.

A Lisboa que mandou me chamar.

Foto: Inês Leote

Vim para os bolos rei e rainha, as azevinhas, a rabanada, os torrões, as broas e as barrigas de freira e todos os pecados da gastronomia conventual e profana que só Lisboa serve à mesa. 

Para o leitão com a maçã na boca do Pina Manique, que o vizinho Nuno jura, sem piscar os olhos por trás das armações vermelhas dos óculos, ser o melhor de Lisboa.

Vamos a isto.

Vim para o cozido à portuguesa no Pirilampo preparado pelo senhor João, o mais antigo cozinheiro de Lisboa. 

Para o bitoque da Pérola do Ceira, o lombo à Tico-Tico, e da perdiz estufada do Sem Nome, dos brasileiros Juliana e André, pais do coleguinha do meu mais novo na Eugénio dos Santos.

Vim para a poncha com a sandes num bolo do caco na pastelaria madeirense no outro lado da rua, e o abatanado com brigadeiro e bem-casado na doceria dos compatriotas ao pé de casa.

Calorias que entram para saírem nas corridas diárias no Campo Grande, pois foi para cuidar bem de mim que Lisboa mandou me chamar.

Mandou me chamar para dizer que 2025 será um ano melhor. Lisboa sabe, reconhece, a relação é firme, duradoura, mas um dia já foi mais harmônica entre a cidade que historicamente soube acolher a todos e os que recentemente decidiram fazer dela a sua casa.

Lisboa sabe, é preciso menos rosto na parede e mais sorriso no rosto, menos tendas e mais tectos, menos carro a atropelar a paz nas ruas, menos pessoas a pedir e mais a dar. 

Sim, Lisboa, 2025 promete sim, promete mudanças e mereces tê-las, para seguir benformosa e de todos, como nas histórias que a Mensagem conta, feitas de gente com mãos fortes e o coração bom, gente que um dia também ouviu Lisboa chamar e veio para ajudar a construir uma grande e fraterna cidade.

É por isso, Lisboa, que quando mandaste me chamar não pensei duas vezes e vim. 

Para em 2025 ver a mudança acontecer para melhor.

Para todos nós, lisboetas.


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Álvaro Filho

Jornalista e escritor brasileiro, 51 anos, há seis em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.

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