Não é que o hip-hop seja ciência desconhecida no bairro, onde as crianças o ouvem na rua, nos telemóveis, nos computadores, e até o trauteiam. Mas, na Quinta do Lavrado, no Vale de Chelas, junto à velha Curraleira, alguns aprendem agora a dançá-lo. É que, daqui a uns dias, o palco deles será maior do que esta sala comunitária criada pela Associação Geração com Futuro: crianças e jovens do bairro preparam-se para dançar no Festival Iminente, que acontece a 14 e 15 de outubro, no Terreiro do Paço.

Gonçalo Cabral foi escolhido para estes workshops do Projeto Bairros, do Festival Iminente. Foto: Rita Ansone

“Mais suave, mais suave.” No meio da revolução cultural e social que o hip-hop representa desde a sua fundação, que se diz ter acontecido nos anos 1970 nos arredores de Nova Iorque, nem toda a passada tem que carregar o peso dessa história. E, quando pede que tenham mais suavidade no passo, é isso que Gonçalo Cabral está a tentar ensinar aos pequenos alunos.

Tem 33 anos, é bailarino profissional desde os 19, mas também ator e modelo – talvez o conheça também do programa “Got Talent Portugal”, onde participou.

Este é um dos vários workshops que o Festival Iminente tem levado a cinco bairros de Lisboa, através do Projeto Bairros. Na Quinta do Loureiro (Vale de Alcântara), no PER 11, no PER 7 (Alta de Lisboa), no bairro do Rego (Avenidas Novas) e na Quinta do Lavrado (Vale de Chelas), artistas conceituados e emergentes juntam-se a crianças e jovens para uma partilha inédita de experiências e de transformação real, através da arte.

Esta foi a vez de Gonçalo.

Vídeo e fotos: Rita Ansone

O regresso de Gonçalo às Olaias

O número de caras entusiasmadas a chegar acompanhadas pelos pais não abranda, nem mesmo após o início da aula. Tudo por mais uma hora com o professor Gonçalo Cabral.

Carla Alves, da Geração com Futuro. Foto: Rita Ansone

Carla Alves, da associação Geração com Futuro, estava certa quando falava do impacto que cada um destes workshops poderia ter na vida destas crianças e jovens. Em 2022, a propósito da apresentação do Projeto Bairros, lembrava como “certas artes são desconhecidas nestes territórios”.

“Não é só terem conhecimento, é dar a oportunidade de experimentarem. Eu acho que quem organizou isto nem imaginou o impacto que ia ter nestes miúdos.”

CARLA ALVES, GERAÇÃO COM FUTURO

Agora, Gonçalo faz parte desta transformação. “O que me foi comunicado é que eu fui escolhido pelas pessoas. Fiquei super feliz pelo convite e nem quis saber de mais nada. Curiosamente, cheguei a morar aqui perto há cerca de seis anos. Então, fiquei super feliz em voltar à zona”, diz o bailarino.

Nascido no Seixal e criado no Barreiro, durante a infância e adolescência, Gonçalo e André (o seu irmão gémeo) sempre se contagiaram um ao outro e na dança não foi diferente: “O meu irmão começou antes de mim a ter aulas de hip-hop e, quando eu fui ver uma atuação dele, até gostei disto”.

Foi então que, aos 16 anos, Gonçalo começou a dar os primeiros passos na pista das danças urbanas. Seguiram-se campeonatos regionais e nacionais, até que, três anos depois, transformou mesmo a dança em profissão com participações em publicidades e ficção.

Fotos: Rita Ansone

Faltava ainda uma experiência neste currículo: ensinar jovens aprendizes, alguns já com conhecimentos na modalidade, outros à espera de dar o primeiro passo.

“A minha expectativa era que só aqueles miúdos que já tinham tido aulas é que iriam curtir, mas a minha expectativa foi mais que superada: todos eles se divertem. Às vezes, podemo-nos aborrecer com a correria da rotina e por isso é que isto de dar aulas a estes miúdos,  conhecê-los e aprender com eles, me tem dado tanto gozo.”

GONÇALO CABRAL

Assim que as músicas de hip-hop começam a ecoar pela sala, Gonçalo comanda os corpos dos presentes e o tempo teima em apressar-se, por infelicidade dos alunos e do professor. “Mesmo quando o nosso tempo acaba, eu tento sempre esticar mais e ficar mais tempo com eles, porque para mim é super cativante ver o brilho e a energia que eles trazem para as aulas”, diz.

Fotos: Rita Ansone

Chegar ao grande palco que será o Iminente é importante, mas todas as horas que compõem a jornada até lá chegar valem tanto ou mais. “Eu penso no resultado final como um give back (retorno). Eu vim aqui ensinar, mas também vim aprender. A entrega, a energia, o amor que eles transmitem nas performances é aquilo que eu pretendo que possam transmitir para o bairro também.”

O Festival Iminente, com a edição Iminente Takeover, acontece nos dias 14 e 15 de outubro, no Terreiro do Paço, com entrada livre. Consulte aqui o cartaz.
A Mensagem é parceiro oficial.


Tomás Delfim

A paixão pelo jornalismo aflorou apenas durante a própria licenciatura em jornalismo, mas, como se costuma dizer, mais vale tarde que nunca. Entrou para a Mensagem com a missão de praticar o jornalismo que lhe proporciona uma maior realização pessoal e profissional: contar histórias de pessoas e da sua cidade. Mas, para ele, “o jornalista é apenas o mensageiro das histórias que as pessoas têm a contar.” More by Tomás Delfim


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