Marco Silva estava vestido à civil naquele dia, na paragem de autocarro. Mesmo em frente à esquadra da Polícia de Segurança Pública (PSP) onde exerce como agente principal, em Caxias, Oeiras. Sabia que, dentro de momentos, um autocarro chegaria cheio de jovens vindos da escola e que isso iria criar uma azáfama naquela esquadra.
Mas o cenário foi estranhado por um senhor que o testemunhou. “Já vão todos para a esquadra”, terá rezingado, como quem adivinha que alguma coisa aquele grupo teve de aprontar para ir parar ao lugar onde os polícias interrogam e prendam pessoas.
O que aquele homem não sabia é que a esquadra de polícia número 84 é como nenhuma outra no país.
Aqui, agentes da PSP sentam-se para ajudar os jovens do bairro Francisco Sá Carneiro a estudar, a brincar… e a transformar preconceitos.




É que a relação entre as comunidades dos bairros sociais e da polícia há muitos anos que serve manchetes que são sempre más notícias, acusando-se uns aos outros de não compreenderem as suas naturezas e contextos, e tantas vezes posta no centro do debate sobre o racismo em Portugal.
Este foi o mote para Ana Santos, psicocriminóloga de formação, entrar pela esquadra de Caxias com uma ideia que começou por parecer megalómana para todos à sua volta: trazer os jovens do bairro para esta esquadra e mudar o histórico desta relação.

O “sim” parecia difícil, mas chegou.
O projeto chama-se Gira no Bairro, da associação Mundos de Papel, financiado pelo Programa Escolhas, do Alto Comissariado para as Migrações. E nasce precisamente de um encontro entre uma psicocriminóloga e uma equipa de polícias.
Aos poucos, as salas que serviam os agentes tornaram-se lugares de convívio, estudo e apoio para as crianças e jovens do bairro. Há mesas para estudar, sofás, computadores e material para brincar.
De vez em quando, lá saem para ajudar os agentes em operações de trânsito, com as suas fardas em miniatura – foi, aliás, com elas, que foram recebidos pelo Papa Francisco nas ruas de Lisboa, na semana passada, durante a celebração da Jornada Mundial da Juventude. E todos se questionaram: quem eram aqueles pequenos polícias?
O agente principal Marco Silva e o agente André Monteiro são polícias desde que tiveram idade para o ser. Migraram de Coimbra para Oeiras e dizem já conhecer bem este território, onde sempre viveram com os fantasmas deste atrito com a comunidade. Estavam era longe de imaginar que, aos dias de operações de trânsito e na esquadra a atender queixas, se juntariam um batalhão de jovens de um bairro social que se tornariam um dos seus maiores projetos de vida – a nível profissional e pessoal.

Tratam-se pelo primeiro nome e abraçam-se como a família que sempre sonharam ser, desmistificando a ideia de que uma farda afasta. Para este grupo de jovens, os agentes são apenas o Marco e o André, com quem aprendem sobre segurança, com quem brincam, tratam a horta e com quem constroem sonhos: graças a eles, o Ronaldo, de 15 anos, vai poder finalmente treinar num clube de futebol. Por isso é que, para ele, Ana Santos, a coordenadora do projeto, “significa amor”.
Com os jovens, também as famílias mudaram a relação com a polícia.
Mas não foi só a comunidade que começou a vê-los de forma diferente: os agentes Marco e André já não são os mesmos quando olham para o bairro.
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Esta reportagem faz parte da “Mensagem Rádio”, um programa que passa quinzenalmente na RDP África (do grupo RTP), à terça e sexta-feira, e em permanência: no site da Mensagem, em rdpafrica.rtp.pt e no Spotify.
Produção: Catarina Reis (Mensagem de Lisboa) e Isabel Leonor (RDP África)
Voz e edição: Catarina Reis

Catarina Reis
Nascida no Porto, Valongo, em 1995, foi adotada por Lisboa para estagiar no jornal Público. Um ano depois, entrou na redação do Diário de Notícias, onde escreveu sobretudo na área da Educação, na qual encheu o papel e o site de notícias todos os dias. No DN, investigou sobre o antigo Casal Ventoso e valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020. Ajudou a fundar a Mensagem de Lisboa, onde é repórter e editora.
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