Foi como arrumar uma casa, que era Lisboa, num exercício de colocar tudo em gavetas – cada uma, um bairro. Foi a isso que se comprometeu o Programa Especial de Realojamento (PER), em 1993, nascido como o maior programa público de habitação alguma vez concretizado no país desde que Portugal abriu portas à democracia. O “tudo” era o calcanhar de Aquiles da urbanização lisboeta: as milhares de casas de autoconstrução, denominadas “barracas”, que existiam na época, morada de inúmeras famílias vindas dos PALOP ou dos meios mais rurais do país.
Mas não se arrumam pessoas em gavetas e este foi um dos maiores erros do PER, diz Isabel Guerra, investigadora em sociologia urbana e políticas de habitação. “Não há preocupação social sobre as pessoas, as suas formas de vida e a forma de encarar o espaço.”
Resultado? Décadas depois, Iara Varela, 18 anos, ainda luta por um lugar de comunidade e menos de solidão no próprio bairro: o PER 7.
O PER 7 é, para ela, “BQG” (bi-qui-gi), sigla para “Bairro da Quinta Grande”, de onde a família veio realojada. Ela nunca conheceu aquele velho bairro, mas é com a memória dele que se identifica, com a ideia de uma comunidade entretanto perdida nos imensos prédios onde foram todos realojados. “O espírito de comunidade ficou enfraquecido.”
Cada conquista de um espaço representa uma luta dos moradores. Até a conquista de uma garagem – todas elas fechadas, com tijolos, à população, e agora a serem conquistadas para criar um espaço de encontro… e de música – como já contou o tio de Iara, Nuno Barbosa mediador comunitário no PER 7.
“Estamos a construir a nossa comunidade outra vez e o nosso espaço”, conta a jovem de 18 anos. Um lugar onde Iara, jogadora de futebol, possa fintar a bola a alguém antes de um golo; e onde não tenha de esperar por um elevador atrasado para um simples “olá”.
A Mensagem lança o último de três episódios da 3.ª temporada da série documental “Cidades para quem?”, dedicada aos 30 anos desde o PER. Uma série criada no ano passado e que escrutina como o planeamento urbano (ou a falta dele) na Área Metropolitana de Lisboa influencia a vida de milhares que nela vivem e trabalham.
Conheça aqui as histórias desta temporada.
Assista a todos os episódios desta 3.ª temporada:

Catarina Reis
Nascida no Porto, Valongo, em 1995, foi adotada por Lisboa para estagiar no jornal Público. Um ano depois, entrou na redação do Diário de Notícias, onde escreveu sobretudo na área da Educação, na qual encheu o papel e o site de notícias todos os dias. No DN, investigou sobre o antigo Casal Ventoso e valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020. Ajudou a fundar a Mensagem de Lisboa, onde é repórter e editora.
✉ catarina.reis@amensagem.pt

Inês Leote
Nasceu em Lisboa, mas regressou ao Algarve aos seis dias de idade e só se deu à cidade que a apaixona 18 anos depois para estudar. Agora tem 23, gosta de fotografar pessoas e emoções e as ruas são o seu conforto, principalmente as da Lisboa que sempre quis sua. Não vê a fotografia sem a palavra e não se vê sem as duas. É fotojornalista e responsável pelas redes sociais na Mensagem.

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