
Era costume ficarem à porta das salas de teatro. Era assim, até ao passado dia 13 de junho. Lisboa enchia-se de arraiais, para cumprir um dos mais antigos rituais da cidade: a celebração de Santo António. Pequenos palcos improvisados nas ruas de Lisboa. E moradores que viraram marchantes coloridos e afinados. Mas enquanto a festa invadia as ruas, um grupo de bailarinos e coreógrafos foi convidado a ocupar um teatro, o do Bairro Alto, mesmo no centro da cidade.
Ao fenómeno, Piny chamou “OU.kupa”. Ela que é bailarina, coreógrafa e investigadora, que sabe que ainda há uma narrativa dominante na cidade e no país sobre as danças de rua e clubbing – daqui o “OU”, de alternativa. E que questiona porque temos que dançar apenas e sempre nos sítios que nasceram para este destino. “Os clubes estão vazios o dia inteiro. Os teatros muitas vezes também. Porque não estamos a usar estes espaços da cidade?”
Do hip-hop, ao krump, kuduro e afrohouse, Piny convidou a criação artística de rua a ocupar o teatro, depois de o teatro lhe ter lançado o desafio. Traz com ela tantos outros bailarinos e coreógrafos que já viram a identidade da sua arte ameaçada pela ausência nos espaços institucionais da cidade.

Como Lúcia “Baronesa” (nome artístico), 35 anos, para quem os primeiros movimentos começaram no bairro da Cruz Vermelha, onde nasceu. Na freguesia do Lumiar, onde tantos daqueles que moram em bairros sempre se sentiram longe das instituições da cidade. Ela que se rendeu à capoeira e, a certa altura, junta a roda aos chamados “power moves” do hip-hop. Fez babysitting e limpezas na escola de dança para poder sobreviver desta arte, mas sentiu-se obrigada a migrar para se formar tal como queria.
É que as danças de rua ainda “estão por reconhecer”. Acontecem em vários espaços informais da cidade, tiveram moradas em clubes como o Mercado, ali junto do miradouro de São Pedro de Alcântara, mais tarde, o Mini-Mercado, mas também as estações de metro. E, claro, a rua, qualquer rua. Porque “a dança existe no corpo de quem a leva”.
Falamos de estilos que “acontecem sobretudo nas áreas mais periféricas” da área metropolitana, “porque é há a maior comunidade afrodescendente, que tem um processo de identificação muito grande com as letras da música de contestação”, como é o hip-hop, explica Piny.
Mapear a dança numa cidade, num país ou no tempo não é tarefa estanque. Num grande painel pousado no Teatro do Bairro Alto, Piny mostra estes mapas em construção, onde nomes de bailarinos e coreógrafos de referência e os seus lugares estão retificados com autocolantes. E onde percebemos que nenhum estilo de dança vive sem o outro.
E que a capoeira de Lúcia pode estar no hip-hop dela também.
“O Festival Ocupa é realmente uma celebração de poder sentir que eu não tenho que me desconstruir, que estou em Portugal, na minha casa, e que não preciso de escolher uma outra língua para as pessoas poderem entender.”
O ciclo de espetáculos, conversas e a exposição dos mapas está em cena até 25 de junho, no Teatro do Bairro Alto.
🎧 Ouça aqui a reportagem completa:
Esta reportagem faz parte da “Mensagem Rádio”, um programa que passa quinzenalmente na RDP África (do grupo RTP), à terça e sexta-feira, e em permanência: no site da Mensagem, em rdpafrica.rtp.pt e no Spotify.
Produção: Catarina Reis (Mensagem de Lisboa) e Isabel Leonor (RDP África)
Voz e edição: Catarina Reis

Catarina Reis
Nascida no Porto, Valongo, em 1995, foi adotada por Lisboa para estagiar no jornal Público. Um ano depois, entrou na redação do Diário de Notícias, onde escreveu sobretudo na área da Educação, na qual encheu o papel e o site de notícias todos os dias. No DN, investigou sobre o antigo Casal Ventoso e valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020. Ajudou a fundar a Mensagem de Lisboa, onde é repórter e editora.
✉ catarina.reis@amensagem.pt

O jornalismo que a Mensagem de Lisboa faz une comunidades,
conta histórias que ninguém conta e muda vidas.
Dantes pagava-se com publicidade,
mas isso agora é terreno das grandes plataformas.
Se gosta do que fazemos e acha que é importante,
se quer fazer parte desta comunidade cada vez maior,
apoie-nos com a sua contribuição: