Naquela manhã, Elisabete teve uma ideia: agarrou um lenço de papel e pousou-o atrás da cama. Chovia lá fora e esperavam a visita de um técnico da Gebalis (empresa que gere a habitação social em Lisboa), lá em casa, depois das queixas sobre a humidade que assola o prédio, no Bairro da Boavista, freguesia de Benfica. Quando o técnico passou para o quarto, Elisabete deu-lhe o lenço para as mãos: Está a ver o que se passa? Escorria água do lenço.

Mas isto só é novidade para quem não dorme ali. Isto e também como a humidade está a pôr a saúde dos moradores em risco.

A única coisa que ele disse foi ‘Ah, pois.’ E as respostas para o problema? Nada. Elisabete de Sousa chegou ao bairro da Boavista há 33 anos, realojada do desmantelado Casal Ventoso, no Vale de Alcântara. Vive num dos quatro lotes municipais, na Rua das Acácias, numa casa de betão, que lhe prometeram ser melhor do que o velho bairro de autoconstrução de onde veio. Mas a história que conta hoje é bem diferente daquela que esperou contar.

Há anos que os moradores esperam ver os prédios reabilitados. E é fácil adivinhar porque anseiam eles a mudança.

Elisabete veio realojada do desmantelado Casal Ventoso, no vale de Alcântara. Foto: Inês Leote

Quem vê os prédios de fora, consegue ter ideia do que se passa lá dentro. Entre rachas que atravessam paredes inteiras e os tijolos que se veem pretos atrás da tinta, percebe-se que ali reina a humidade e até o bolor. Dentro dos prédios, há paredes pretas e rodapés que, de tão podres, estão inchados e partidos.

E não é só um problema de paisagem: há meses que os moradores tentam dar conta da situação crítica em que vive ‘Toni’, o marido de Elisabete, a tratar um cancro e com a saúde ainda mais em risco por viver debaixo destas condições, acusam os relatórios médicos. E que Isabel tem de dar banho à filha a partir de uma bacia que enche na cozinha, por falta de água quente na casa de banho.

Isabel tem que dar banho à neta a partir da cozinha. Vídeo: Inês Leote

Todos os moradores recebem a mesma resposta, não importa quantas vezes chamem lá os técnicos: o que se vê nas paredes trata-se de condensação, o resto é esperar para ver. E quem aqui dorme responde de forma amargurada: “Mas nós somos elefantes? Aqui só há pessoas, gatos, cães e periquitos”, atira Elisabete.

Estes lotes, como tantos outros no bairro e espalhados pela cidade, estão a cargo da Gebalis. Mas as queixas de abandono repetem-se. Os moradores contam que a solução que lhes é apresentada é mandar fazer, pedir aos inquilinos que limpem as paredes com lixívia e pintem por cima – logo ficará resolvido, acreditam. Ora, não fica. Elisabete diz ter pintado as paredes em novembro e pode ver-se o estado delas em abril.

Aquilo que vemos no prédio dela contrasta com os números: o Bairro da Boavista é apresentado pela autarquia como “um dos bairros municipais com mais investimento da Câmara Municipal de Lisboa”, diz a vereadora da habitação Filipa Roseta.

Mas, então, porque não chega este dinheiro às casas de Elisabete, ‘Toni’ e Isabel?

O lote em que mora Elisabete é um dos primeiros construídos no bairro, nos anos 1970. Quem os construiu foi a Embaixada dos EUA para alojar a Guarda Nacional Republicana (GNR). Mais tarde, passaram para a CML. Quer isto dizer que, embora a renda seja paga à CML, não foi a autarquia quem investiu na construção.

Onde está o aclamado investimento?

“Toni! Chega cá, Toni!” Elisabete grita da sala para a cozinha para chamar o marido. “Sabe… ele está muito magrinho, tem vergonha de aparecer. Por isso é que se foi esconder na cozinha.”

A manhã estava quente, cerca de 22 graus Celsius na rua, mas Victor apareceu de robe e gorro na cabeça. A postura curvada e a lenta cadência dos passos mostravam o quão debilitado a doença já o tinha deixado, sem que esta tivesse de ser anunciada. Victor, ou Toni, como foi apresentado, tem cancro nos pulmões e dorme num quarto onde as paredes estão forradas de bolor, de cima a baixo – ainda que os médicos atestem o risco que é para ele.

Victor está aconselhado pelos médicos a não viver numa casa com tanta humidade. Foto: Inês Leote

“A gente pode morrer aqui à vontade que ninguém quer saber de nós. Acha que isto é maneira de deixar uma pessoa viver? Estou todo estragado. O que é que eu posso durar? Se calhar mais um ano, se der. Só queria estar bem e sossegado. Nós não estamos a pedir uma vivenda com piscina, só pedimos uma casa digna.”

Victor, morador de 71 anos

Elisabete tem 65 anos, o marido conta 71 e os filhos que lá moram trabalham todo o dia, por isso, contam consigo próprios para dar conta do recado. “A gente já não tem força para andar a limpar as paredes e a pintar isto sozinhos.” Victor ainda pintou tudo no ano passado, incluindo o teto da casa de banho – de preto, para atrasar mais aquele confronto com a realidade que já vem negra. Pelo menos, assim não se iriam notar as nódoas da humidade.

Filipa Roseta, vereadora da habitação da CML

Em entrevista à Mensagem, a vereadora da habitação, Filipa Roseta, afirma que este é um dos bairros com mais investimento camarário nos últimos anos. Desde o início do mandato deste executivo na CML (final de 2021), já foram investidos aproximadamente 600 mil euros para obras de reabilitação no bairro da Boavista, ao qual ainda esperam acrescentar mais 450 mil durante este ano, segundo nota enviada pelo executivo. Mas a prioridade do investimento tem sido sobretudo empreendimentos novos no bairro.

As razões para esta estratégia de investimento são várias, aponta: há uma urgência em realojar os moradores das ditas barracas que inundaram nas cheias de dezembro de 2022, e a Estratégia Local de Habitação de 2019 não permitia, até à semana passada, que a CML fosse buscar fundos ao PRR – Plano de Recuperação e Resiliência – para a reabilitação dos bairros municipais.

A CML diz que a prioridade dos investimentos tem sido na construção nova – mais do que na reabilitação. Foto: Inês Leote

Obras a cargo dos moradores

Victor já não consegue sair à rua, tem medo que as pernas lhe falhem e o façam cair no chão, por isso, passa os dias a ouvir os pássaros dentro de casa. Em 12 gaiolas, deu para contar 21 aves. Senta-se no banco que está encostado à parede e fica ali a cuidar e a falar com eles. Nas noites que passa em claro por causa das dores, é para ali que vai. Está na companhia dos pássaros enquanto o resto da casa dorme.

“Eles sentem a falta do Toni quando ele não está cá. Ele esteve uns dias internado no hospital e a cada dia que passava, morria um pássaro.” Elisabete e os filhos já sabem cuidar dos animais também, mas ninguém o faz melhor do que o Victor.

Por falta de forças, Victor passa os dias na mesma casa onde não lhe é medicamente recomendado estar. Foto: Inês Leote

É como a história entre a Gebalis e o Bairro da Boavista: nem todos sabem tratar dele e quem melhor o tem feito são os próprios inquilinos, dizem.

“Quando nos entregaram a casa, abria uma janela e caía a outra. Mas para quem vinha de uma barraca no Casal Ventoso onde nem água ou casa de banho tínhamos, isto parecia-nos tudo perfeito.” Elisabete já tinha quatro dos cinco filhos quando se mudou para esta casa.  Mas a habitação, com menos de dez anos, já dava os primeiros sinais de degradação. “Quando nos mudámos e mandei abrir a água, foi uma senhora que morava no 3.º andar quem chamou os bombeiros. Os canos estavam todos rotos e a água já ia na entrada do prédio. Deram-nos uma casa podre.”

A sorte bateu-lhes à porta quando saiu o 13 no Totobola ao Victor, em dezembro de 2009. Com esse dinheiro, arranjaram a casa: pintura nova, janelas novas, chão novo e cozinha nova. Pouco a pouco, iam compondo a habitação, enquanto pagavam a renda à Gebalis.

Elisabete conta como a luta é antiga, desde a altura em que, por causa de umas obras na casa de cima, o chão ter-se-á soltado e partido. A resposta que recebeu da Gebalis dizia que não podiam fazer nada porque o chão não era “de origem” e, até hoje, continuam a faltar oito azulejos no chão da casa.

A moradora já nem sabe o que mais dizer no posto da Gebalis, ali no bairro. “Esta casa não leva uma obra a sério há tanto tempo como o de que os prédios são feitos, tenho a certeza.” E Elisabete tem razão. O Presidente da Gebalis confirmou que não houve quaisquer obras naqueles lotes desde 1970, o ano em que foram construídos.

Elisabete tem guardada toda a correspondência dos últimos anos para tentar viver com melhores condições. Foto: Inês Leote

Há três meses que está sem campainha, o que nem parece grave no meio de todas as outras complicações.

Para acrescentar à lista, ainda há o problema da sobrelotação: a casa é um T3 e, em tempos, já tiveram de caber lá sete pessoas. Hoje são cinco: Elisabete, o marido, os dois filhos e a neta. Ora, a conta não permite que se distribuam quartos para todos. “A minha filha tem uma menina de nove anos que dorme com ela na cama. É mãe solteira. Se ela quiser refazer a vida dela, não pode, porque não vai deitar um estranho na cama com a filha. A resposta das Gebalis é meter uma cama ao lado, para deitar a menina. Mas onde? Não há ali espaço nem para pôr mais uma cadeira.”

Pediram para serem realojados noutra casa. Um T4 para os cinco, com duas casas de banho – é que Elisabete também está doente, diz ter tuberculose intestinal (que acrescenta à diabetes) e precisa de uma casa de banho que possa estar sempre disponível. 

Apresentou toda esta lista de razões numa carta enviada à vereadora da CML, Filipa Roseta. A resposta, enviada pelo gabinete da vereadora no passado dia 14 de fevereiro, foi direta:

Indeferir o pedido de transferência, em virtude dos fundamentos apresentados não se enquadrarem no âmbito do previsto no art.° 19.° do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional (RGPH) e no art.° 16.° – A da Lei 81/2014, republicada. Com efeito, os motivos alegados de sobreocupação, problemas de edificado e problemas de saúde não se enquadram nos requisitos legais para a transferência de habitação, nos termos do exposto na alínea a) e c) do n.° 5, do art.° 16.°- A, da Lei supracitada e na alínea a) do n.° 1, do art.° 19.° do RGPH.

Mas a lei dita precisamente que a situação de saúde de Victor é razão suficiente para a transferência.

No Artigo 16.º-A da Lei n.º 81/2014, sobre o “Novo regime do arrendamento apoiado para habitação”, é dito que:
5 – A transferência do agregado para outra habitação a pedido do arrendatário pode ser concedida, com base em:
a) Motivos de saúde ou mobilidade reduzida, incompatíveis com as condições da habitação;
c) Desadequação da tipologia atribuída face à evolução do agregado ou degradação da habitação por responsabilidade não imputável ao arrendatário.
in Diário da República

Após a resposta, Elisabete tratou de arranjar um atestado que comprovasse que o marido não podia viver naquelas condições, onde se lia: “Para os devidos efeitos declaro que Victor Manuel Bonifácio De Sousa, sofre de patologia respiratória grave (neoplasia do pulmão) que beneficia de um ambiente com baixa humidade.”

Dias depois, recebeu uma nova chamada da Gebalis: continuam sem ter razões para ser transferidos.

A alínea c) do mesmo artigo diz respeito a duas coisas: tipologia atribuída e degradação da habitação. Quanto à tipologia atribuída, nas regras da empresa, um T3 é adequado a um agregado familiar de cinco pessoas. Mas a alínea também diz que a transferência pode ser atribuída caso haja “degradação da habitação por responsabilidade não imputável ao arrendatário” – e é aqui que as águas se dividem: uma vistoria, feita em março de 2021, concluiu que a culpa da humidade era a condensação causada pela elevada produção de vapor de água no interior das casas, que não têm a ventilação adequada. A mesma vistoria também concluiu que não havia infiltrações na casa. 

“Com os nossos problemas de saúde, como é que nos deixam viver assim?”, questiona Elisabete.

Ainda assim, perante a insistência, foi-lhes oferecida uma casa num outro bairro, o da Ameixoeira, mas que a família recusou, por receio de perder apoio numa fase crítica das suas vidas: “Vou agora, com esta idade, mudar-me para um bairro onde não conheço ninguém? Sei que aqui, se precisar de sair de casa, posso pedir à vizinha que me fique de olho no marido.”

Depois da entrevista da Mensagem à vereadora, na passada sexta-feira, Filipa Roseta prometeu tratar deste caso e, passados uns minutos, Elisabete recebia uma chamada da Gebalis com a notícia de que a vida da família iria mudar: seriam realojados no bairro.

Há 40 anos que estes inquilinos pagam renda à CML e dizem não ver quaisquer obras, apesar de estar estipulado em Diário da República que têm de receber obras de manutenção a cada oito anos.

Na casa da vizinha Gilda, as caixas dos estores estão coladas a fita-cola, de tão degradadas. “Nem me pergunte quando foi a última vez que a Gebalis fez aqui obras. Estou sempre a perguntar onde estão as obras de oito em oito anos, nunca tive resposta. Eles não fazem obras de manutenção, esperam que as coisas corram mal. O quadro de eletricidade, ali no rés de chão, explodiu há uns tempos. As portas da caixa bateram com o estrondo. Felizmente ninguém se magoou, ainda. Eles querem que os senhorios cumpram as regras deles, mas nem eles as cumprem como senhorios destas casas”, acusa.

Um banho que começa na cozinha

A alguns metros de Elisabete, no lote B, mora Isabel com a filha e a neta, no último andar do prédio. Está cá desde os 12 anos, quando a casa foi entregue aos pais. Isabel diz que só não tem a casa em pior estado porque é viciada em limpezas, brinca. Mesmo assim, não há esforço que esconda as nódoas de humidade nas paredes, pintadas de branco ainda no ano passado.

O armário do quarto, encostado à parede, é mudado todos os anos. “Este tem menos de seis meses. A roupa vai para o lixo, porque de tanto bolor que ganha não dá para lavar.” No mesmo quarto, a cama, com arrumação por baixo, passa o dia de estrado ao alto para que o ar circule na roupa.

Na divisão do lado estava um desumidificador, mas nem isso é suficiente. Quando o liga, passa o tempo a espreitar para dentro do quarto com medo que vaze, tal é a rapidez com que o depósito enche.

Nem os desumificadores nas divisões têm resolvido o problema de Isabel. Foto: Inês Leote

E não é só de humidade que se fala nesta casa. Isabel tem de dar banho à neta, de três anos, num alguidar na cozinha. A água quente desde setembro que não chega à casa de banho. A solução é encher este alguidar e dar-lhe banho com a ajuda de um copo. 

Os únicos banhos de água quente são tomados nos dias em que Isabel tem hidroginástica nas piscinas do bairro, à segunda e à quarta-feira. Nos outros dias, é a rotina de alguidar que já se sabe. Para lavar o cabelo, põe-se de joelhos com a cabeça esticada para dentro do duche e lava-o com a água fria. “E as respostas que recebo? Dizem-me sempre que tenho de esperar que cá venha o técnico. Mas nunca cá pôs os pés. Nós é que fazemos tudo nestas casas. Desde os 12 anos que não os vejo aqui.”

A água quente só corre na cozinha, por isso, não há outra forma de tomar banho senão com um alguidar. Foto: Inês Leote

Numa reunião com a Câmara Municipal de Lisboa (CML), Isabel diz ter convidado o presidente Carlos Moedas para ir tomar banho lá a casa. “Eu sei que não é uma coisa muito bonita de se dizer, mas eu é que sei o que me custa ver a menina a tremer de frio cada vez que toma banho.”

Os casos perdidos – uma chamada entre a vereadora e a Gebalis

Filipa Roseta é a vereadora da CML com os pelouros da habitação e desenvolvimento local. Confrontada perante a falta de condições de habitabilidade denunciada no bairro, disse perceber a “impaciência dos moradores”, mas diz ter mais urgências em mãos.

“A verdade é que nós temos 66 bairros e 23 mil fogos a nosso cargo. Temos bairros em situações muito dramáticas e piores, infelizmente. Portanto, as prioridades têm a ver com o grau de degradação dos próprios edifícios. Na maior parte dos edifícios da Câmara, destes 23 mil, construídos há 30 ou 40 anos, nenhum teve obras de manutenção.”

Filipa Roseta, vereadora da Habitação na CML

Reforça que, num ano e meio de trabalho que já conta com o pelouro da Habitação, não dá para socorrer tudo e enumera a lista de obras que já foram feitas nesse tempo para realojar moradores com necessidades mais urgentes, tanto no bairro da Boavista, como noutros bairros municipais.

Chegou, então, a altura de questionar sobre os casos destes moradores. Perante a história do casal, ele doente oncológico, a vereadora julgou que tinha de haver algum equívoco, perante a falta de um solução. “Eu vou falar com as senhoras da Gebalis, porque normalmente confio no que elas fazem.” Aí, os telefones começaram a tocar nos gabinetes da empresa que gere a habitação municipal.

Ouça aqui parte da conversa com a vereadora Filipa Roseta

Começaram por afirmar que a única queixa que tinham registada do bairro era um pedido de substituição de banheira por um poliban – que estava concluído. Apresentamos, então, a carta da Gebalis, dirigida a Elisabete no dia 14 de fevereiro – já mencionada em cima. Entretanto, lá encontraram o processo.

Mas agora os moradores apenas alegavam sobrelotação, não havia nenhuma menção que dissesse respeito à doença do senhor Victor, justificou a Gebalis.

Foi uma questão de minutos até retrocederem e encontrarem os papéis que davam conta da história de Victor. “Mas porque é que isso nunca foi a GABIP?”, questiona a vereadora. Um GABIP é uma estrutura municipal para discutir os processos nos bairros e zonas de intervenção prioritária da cidade. Neste caso, Filipa Roseta referia-se às reuniões neste sistema, com os parceiros – a Associação de Moradores, a Junta de Freguesia e a Santa Casa da Misericórdia. Nestas reuniões são apresentados casos excecionais para serem decididos em conjunto por todos. O caso de Elisabete e do Victor deveria ter sido um deles.

Houve então uma falha, sem culpados assumidos.

À Mensagem, a vereadora prometeu que ela própria iria analisar os papéis, falar com a família e visitar a casa.

Bastaram uns minutos de entrevista para que a vereação tivesse feito avançar dois dos casos mais problemáticos no bairro. Foto: Inês Leote

Depois, vem o caso de Isabel, do lote B: mais telefones a tocar e papéis a serem remexidos. Desta vez, anunciaram estar já prevista uma visita à casa da moradora dentro de dias, para ver depois o que se seguia. Mas não demorou tanto: horas depois da entrevista à vereadora, não só Elisabete tinha recebido uma chamada para lhe anunciarem o realojamento no bairro, como Isabel recebia a visita de dois técnicos a avisá-la de que dentro de dias iriam começar com obras nos canos e, em breve, terá água quente na casa de banho.

No espaço de três horas, os dois casos que foram apresentados na entrevista avançaram para a resolução. A questão que fica é: porque é que não avançaram antes?

18 edifícios prometidos para requalificação

“Eles estão fartos de nos dizer que temos razão. Mas a razão não nos chega nem nos arranja as casas. Só queremos que eles cumpram as promessas que fazem.” Gilda Caldeira tem 67 anos e está cansada de lutar para que as obras sejam feitas naqueles lotes. Foi presidente da Associação de Moradores do Bairro da Boavista durante 11 anos e hoje, reformada do cargo, continua a ser a voz que mais se ouve.

Gilda tem feito tudo ao seu alcance para pôr as deficiências do bairro a nu. Foto: Inês Leote

Gilda é presença frequente nas reuniões de Câmara, aproveita todas as oportunidades legais que lhe estão ao alcance para falar deste problema e pedir soluções. Então, na reunião descentralizada da CML do passado dia 15 de março, Gilda Caldeira voltou a falar das promessas que têm vindo a ser feitas aos moradores. A CML acena perante as promessas de que é acusada de fazer e não cumprir.

“O meu partido é o Benfica, e sempre será. Pouco me interessa de que partido é quem se senta na cadeira do presidente da Câmara. Mas se prometem, têm de cumprir”, remata Gilda.

Num visita ao bairro em maio do ano passado, onde Filipa Roseta esteve presente, ficou prometido aos moradores que estes lotes de que falamos seriam os próximos a ser reabilitados e desde aí que nada aconteceu. Filipa Roseta confirmou, em entrevista à Mensagem, que as obras iriam avançar no ano que vem, em 2024. E a Gebalis adiantou que será logo no primeiro semestre, numa obra que deverá custar 1 milhão e 350 mil de euros. A intervenção nestes lotes integram uma ação maior onde se prevê a reabilitação de 18 edifícios e terá um custo total de 4, 2 milhões de euros até 2026, diz a Gebalis.

Apesar de terem anunciado um reforço de 85 milhões de euros para o fundo da Gebalis no mês passado, só há dias a CML conseguiu garantir que esse valor seria acrescentado ao fundo para investir em bairros como este, explica a vereadora. Acumulando com os 42 milhões anteriores, a empresa vai ficar com 127 milhões para a reabilitação dos prédios antigos e para a construção de novos. Um valor que se prevê que seja dividido por todos os bairros municipais, consoante as necessidades.

Foto: Inês Leote

*Ana Narciso tem 22 anos, vem de Rio Maior, mas vive em Lisboa desde os 18. Foi pela paixão de contar histórias que escolheu licenciar-se em Jornalismo. Durante três anos, escreveu para o jornal da faculdade e passou muitas horas na rádio. É estagiária na Mensagem de Lisboa – este texto foi editado por Catarina Reis.


O jornalismo que a Mensagem de Lisboa faz une comunidades,
conta histórias que ninguém conta e muda vidas.
Dantes pagava-se com publicidade,
mas isso agora é terreno das grandes plataformas.
Se gosta do que fazemos e acha que é importante,
se quer fazer parte desta comunidade cada vez maior,
apoie-nos com a sua contribuição:

Ana Narciso tem 23 anos, vem de Rio Maior, mas vive em Lisboa desde os 18. Foi pelas histórias por contar que escolheu licenciar-se em Jornalismo. Durante o curso passou muitas horas na rádio e no jornal,...

Entre na conversa

9 Comentários

  1. Os meus parabéns quer à Ana Narciso, pelo excelente trabalho, mas também à Catarina, que recentemente tive oportunidade de conhecer pessoalmente, numa sessão sobre jornalismo no feminino, no auditório do jornal Público. Este artigo é bem demonstrativo da importância do bom jornalismo. Faz-me sentir contente por contribuir para que a vossa mensagem nunca se apague!
    Cumprimentos,

    Alexandre Correia

  2. Entretanto no Campo Grande, junto ao estádio do Sporting, vai nascer uma nova urbanização. Lisboa vai ter um novo bairro. Nem é preciso olhar à escala global, basta olhar para a nossa própria cidade onde uns vão ter tanto e uns comtinuam há anos com tão pouco. Um dos países que paga os mais altos impostos da Europa para não se cumprir em nada do que é prometido, a menos que tenhas um parente na política, aí terás todas as tuas dívidas perdoadas, fora as ajudas de custo e afins…

  3. Isso é uma pena os que precisam de ajuda nunca são ajudados,, os que não precisam é que sempre vêm ajudas, tenho quatro filhos vivo no quarto com eles, três meninas e um menino e vivo numa situação quase igual ao do senhor é muito triste tudo isso, viver num lugar que quando não é pequeno prá uma família e coberto de bolor ou pela umidade,, o governo poderia nos dar um pouco mais de atenção principalmente prá aqueles (as)que não trabalham ou são doentes,, sem palavras á acrescentar só quero bem prá mim e prá todos….

  4. Situação identica no bairro do Armador, humidade nos tectos e paredes, água a escorrer pelas paredes abaixo, rodapés cheios de bolor, mobiliário a detiorar com o bolor, portas de entrada no edificio completamente rebentadas, caixas de correio vandalizadas e são feitas reclamações mensais no gabinete de atendimento da Gebalis sem qualquer resposta da parte da mesma, é a vida de quem vive em bairros sociais, o desprezo das hierarquias

  5. Isto sim é jornalismo. Parabéns Ana Narciso e Inês Leote! Continuem com o bom trabalho.

  6. Em todo o bairro existem casas em situação degradante. A Gebalis recolhe as reclamações mas deve deitá-las para o lixo porque a resposta raramente chega. A minha casa tem uma racha entre a casa e o anexo, que tive de fazer para podermos viver 5 adultos numa casa com 2 quartos minúsculos. A racha está cada vez maior e em risco de ruir todo o anexo. As paredes estão negras com a humidade. Os canos rebentam constantemente e tiveram de improvisar um cano de plástico que passa pela parede exterior da casa, para passar a água para a casa ao lado. A casa de banho tem os canos rotos e em baixo nas sala chove com num dia de inverno chuvoso. Levei as fotos à Gebalis que as ignorou completamente dizendo que não tinha uma casa alternativa para me dar.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *