Samim Seerat
Photo: D.R.

Os dias e as noites passavam, e estávamos a habituar-nos a viver no CPR – o Centro de Apoio aos Refugiados – e também com os outros imigrantes. A nossa intimidade e amizade com os outros imigrantes aumentava a cada dia que passava e a cada noite todos os imigrantes jantavam juntos na mesma sala. Tornei-me amigo de um refugiado afegão chamado Atiq Kakar que conseguiu emigrar do Afeganistão para Portugal sozinho.

Atiq e eu costumávamos ir às compras juntos e à noite cozinhávamos todos juntos e comíamos todos à volta da mesma mesa e devo dizer que Atiq tornou-se como um membro da família para nós. Ajudou-nos muito quando o nosso filho nasceu e não nos deixou sozinhos em tempos difíceis. Estar-lhe-emos sempre gratos.

É espantosa a rapidez com que o tempo passa. Lembro-me de quando estávamos no Afeganistão, e nunca pensámos que um dia tivéssemos de deixar o nosso país e nos tornaríamos imigrantes, ou que passaríamos algum tempo num centro de refugiados debaixo do mesmo teto com pessoas diferentes. Não sabíamos como o destino nos levaria a lugares onde nunca imaginámos estar.

Samim e Roya Seerat com os filhos e o amigo Atiq Kakar, que se tornou família.

O CPR era o local exacto onde o nosso destino nos trazia. Um lugar onde chorámos e sentimos saudades da nossa família, pátria e amigos e também um lugar onde nos rimos.

O tempo passava e num dos últimos dias do ano 2021, o CPR organizou uma festa de Natal para as crianças – um dos funcionários fez de Pai Natal. Todas as crianças e a minha filha Sama ficaram muito felizes por ver o Pai Natal, decoraram a árvore de Natal e fizeram outros preparativos natalícios. A Sama tinha visto o Pai Natal e a árvore na televisão (desenhos animados), mas não na vida real.

Sama ficou feliz com as surpresas e foi tudo muito interessante para ela. Naquele momento, vi sorrisos nos rostos de todas as crianças. Lembrei-me das crianças do Afeganistão que estão privadas de todas estas alegrias e desejei que um dia pudéssemos ver todas as crianças do meu país com paz e tão alegres.

Roya e eu ficámos felizes por todas as crianças de lá que puderam refugiar-se num lugar mais seguro. Hoje, um ano depois, lembro-me de cada refugiado que estava naquele centro, especialmente os afegãos, que tinham histórias amargas sobre os seus últimos dias em Cabul. Tal como eu e Roya, os pais e mães que tinham salvo o futuro dos seus filhos podiam finalmente respirar de alívio em Portugal.

Temos boas memórias de todos os refugiados durante os quatro meses em que estivemos naquele centro e gostaria de agradecer à equipa do CPR pela sua cooperação durante esse tempo. Certa vez ouvimos um concerto de músicos afegãos e foi muito interessante.

Após 4 meses, era o momento de mudarmos para a casa que nos estava destinada.  Não sabíamos onde seria, apenas nos disseram que era na zona de Torres Vedras, e concordámos em mudar. 

Fiquei preocupado com a nova vida nesse lugar novo para nós, mas disseram-me que o governo português nos apoiaria onde quer que estivéssemos durante mais de um ano. Depois disso, todo o apoio do governo seria interrompido e toda a responsabilidade passaria a ser nossa.

Mas ainda faltava muito tempo. Chegou a data da nossa chegada à nova casa, a 7 de Março de 2022. Mudámo-nos para Torres Vedras com a nossa pequena família. Era um abrigo onde íamos construir uma nova vida do zero, longe da nossa querida família e amigos.

Mas sentimo-nos bem e felizes. Tivemos a sorte de o Alto Comissariado para as Migrações e a Câmara Municipal de Torres Vedras nos terem fornecido uma casa para recomeçarmos. Era realmente uma casa bonita e bem mobilada, com todo o equipamento.

Com o passar do tempo, habituámo-nos lentamente à nova casa e à nova zona e ambiente. É importante dizer que a região de Torres Vedras tem um clima excelente e as pessoas são amáveis e de bom coração.

Sama, flha de Samim e Roya, na nova escola em Torres Vedras.

A nossa filha Sama entrou num infantário com a cooperação do Município de Torres Vedras, e, como não conhecemos bem a língua portuguesa, esforcei-me muito para encontrar aulas de línguas e também para encontrar um emprego. No entanto nem uma nem outra foram fáceis.

Ainda não consegui encontrar um emprego estável.

Vivemos em Portugal há um ano… E é preciso dizer que por vezes enfrentamos problemas ou dificuldades de adaptação a um novo país… O maior problema talvez seja o emprego, é uma grande preocupação, pois preciso de um emprego permanente porque, nos próximos meses, deixaremos de ter apoio governamental.

Já passaram vários meses. A Sama entrou na escola este ano e eu iniciei um curso de língua portuguesa – quase ao fim de um ano. Fazemos o nosso melhor para, com o passar do tempo, nos habituarmos gradualmente a viver neste país e ultrapassarmos os problemas.

Descrevo a minha migração como “amarga e inesquecível”. Ser imigrante e refugiado é realmente muito difícil.

A história da minha viagem de Cabul a Lisboa termina aqui, mas a história do Afeganistão, a sua guerra, pobreza e fanatismo não. As nossas famílias e amigos ainda estão presos sob a opressão dos Talibãs e são vítimas deles. Cabul e outras províncias continuam a testemunhar diariamente explosões e ataques terroristas e todos os dias são mortas pessoas. As raparigas são privadas de educação e as mulheres são privadas dos seus direitos. 

O Afeganistão tornou-se um abrigo seguro para os terroristas e o mundo tem permanecido em silêncio sobre o assunto. 

Como imigrante, refugiado e afegão, peço também que o mundo não esqueça o Afeganistão.

Durante os 4 meses que passámos no Centro Português para os Refugiados (CPR), uma das funcionárias do centro, Alana Moreira, que sabia como tínhamos conseguido chegar a Portugal e sobre o meu trabalho em Cabul [na área da comunicação social], pediu-me para me encontrar com Catarina Carvalho e disse que eu deveria contar-lhe sobre a minha viagem de Cabul a Lisboa.

Catarina Carvalho é a fundadora deste jornal digital lisboeta A Mensagem. Quando conheci a Catarina e lhe contei toda a história da minha chegada, ela ficou muito interessada e pediu-me para escrever todas as histórias e aventuras da minha viagem para publicar no jornal. Aceitei a oferta dela e comecei a escrever sobre a minha viagem neste período de um ano, com a cooperação da equipa deles.

Gostaria de agradecer a Alana por me ter apresentado a Catarina, e também gostaria de agradecer à Catarina por me ter dado a oportunidade de escrever. Eles, na Mensagem, e os seus leitores apoiaram-nos muito durante este ano, especialmente durante o nascimento do nosso filho Ahmad Zaeim – que acaba de completar o seu primeiro aniversário. Apreciamos muito e agradeço também à equipa da Mensagem.

Estamos gratos a Alá por nos ter dado a oportunidade de viver num lugar pacífico e eu e também em nome da minha família, gostaríamos de agradecer ao Bruno Maçães, à Catarina Carvalho, à Alana Moreira, aos membros da equipa da ACM e à Câmara Municipal de Torres Vedras, especialmente à Inês, à Cláudia e à Rita que ajudaram e cooperaram connosco durante este tempo e também ao meu amigo brasileiro, o Ivan César Leite que nos apoiou durante um ano.

Ao mesmo tempo, estamos satisfeitos e agradecemos o apoio do governo português e apreciamos todos os seus esforços.

Desejo a todos os queridos leitores desta história sucesso e felicidade nas suas vidas.

No final, desejamos à nossa pátria que estes dias sombrios passem em breve e que a verdadeira paz volte ao Afeganistão.

Obrigado Portugal e obrigado A Mensagem!

Os nossos melhores votos,

Ahmad Samim Seerat

Email: samimseerat@gmail.com

Uma versão anterior deste texto foi publicada em janeiro de 2023


* Samim Seerat é refugiado afegão em Lisboa, onde chegou em novembro de 2021 com a mulher e a filha. Foi pai, novamente, no dia 7 de janeiro. Em Cabul trabalhava como executivo de media no grupo MOBY detentor da Tolo News. É também fundador de uma start up chamada Paiwast Health Services. Escreve na Mensagem sobre a sua experiência em Portugal todos os meses.

Entre na conversa

2 Comentários

  1. Obrigada pelo testemunho, tão importante para manter na memória das pessoas as dificuldades que o Afeganistão e os afegãos estão a passar, e como necessitam da solidariedade de todo o mundo. Tudo de bom para si e para a sua família.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *