António Alexandre ainda se lembra das filas que se formaram em frente à FCULresta, nos primeiros dias de março de 2021. Viviam-se tempos de máscaras e de gel desinfetante e ali só entrava um de cada vez. Mas foram muitos os que perceberam o potencial da primeira floresta Miyawaki a nascer em Lisboa, pelas mãos de David Avelar e de António Alexandre, os dois da Horta FCUL.

Florestas Miyawaki, um conceito criado pelo botânico japonês Akira Miyawaki, propondo a plantação de espécies nativas em grande densidade. E assim nascem verdadeiras florestas em tempo recorde (20, 30 anos), com a biodiversidade a fervilhar em contexto urbano.

Foi isso mesmo que aconteceu em Lisboa, no campus da Faculdade de Ciências, quando a comunidade se juntou num relvado para desbravar terreno, lançando as sementes daquela que virá a ser, num futuro próximo (mas não tão próximo), uma verdadeira floresta.

Dois anos depois, aquilo que começou por ser uma experiência inédita ganhou raízes. Os vizinhos do parque da Bela Vista e do Areeiro sujaram as mãos para verem nascer no seu bairro uma floresta. E há cada vez mais cidades, e escolas, a pedir ajuda para as criar.

A comunidade pôs mãos à obra para criar a FCULresta. Foto: FCUL

Trilhando terreno desconhecido

Para António e David, a ideia começara a germinar em 2020, quando o mundo da Internet os arrastou até às florestas Miyawaki, já a disseminar-se por toda a Europa, com exemplos de sucesso na Holanda e no Reino Unido.

Ao tomarem conhecimento da sua existência, perceberam que talvez não fosse difícil trazê-las para Lisboa. “Na verdade, esta metodologia não tinha nada assim de tão inacreditável, visto que somos biólogos e temos experiência na parte da permacultura, das hortas…”, diz António.

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A FCULresta nasceu inspirada por experiências no estrangeiro. Foto: Rita Ansone

Mas era território desconhecido, e eles sabiam-no. Nada disto havia sido testado em Portugal, onde as condições climatéricas diferem bastante daquelas que se encontram na Holanda ou no Reino Unido.

Nem isso os demoveu. A equipa da Horta FCUL, com a ajuda da comunidade da faculdade e dos parceiros 1planet4all e da organização sem fins lucrativos VIDA, pôs mãos à obra.

Primeiro, escolheram um lugar, um desses relvados esquecidos no campus da faculdade. Depois, estudaram-no: a exposição solar do terreno, o tipo de solo, as inclinações… A partir daí, desenharam aquela que seria a floresta, com os seus acessos, os charcos e as valas.

Finalmente, chegou a altura de se partir para o terreno, plantando-se as espécies em secções. Para isso, é preciso conhecer bem cada secção, plantando-se o conjunto mais adequado de espécies em cada área – ao colocar-se estas plantas nos seus vários estratos, criam-se bolsas de humidade muito rapidamente no espaço.

Aqui, na FCULresta, optou-se por se reduzir o número de plantas por metro quadrado geralmente usado nas florestas Miyawaki, já que as pessoas não estão habituadas a plantações tão densas.

No final, cobriu-se o solo com manta morta para se promover a retenção da humidade e lançaram-se bombas de sementes. A FCULresta estava criada. Agora, era preciso mantê-la.

António Alexandre
A FCULresta celebra em março dois anos. Fotos: Rita Ansone

Manter um espaço vivo

O objetivo a longo-prazo é que este espaço seja autossustentável, mas nos primeiros tempos é preciso uma manutenção semanal que implica a gestão entre a interação humana e o processo natural.

É que, por um lado, não se quer influenciar o solo da plantação, mas, por outro, também não se pretende que surjam plantas exóticas e invasoras a competir com as nativas.

Por isso, há que podar algumas plantas para se libertar os acessos, e pensar em replantações para se tornar o espaço ainda mais diverso.

A rega também é fundamental no início, “porque as raízes das plantas estão superficiais”.

Com o tempo, passam a fazer-se regas mais intensas (de uma hora) mas mais espaçadas (uma ou duas vezes por semana), para depois diminuir-se lentamente, até não ser mais necessária, graças às bolsas de humidade criadas.

António resume o processo:

“Sabemos que, quando as plantas são bebés, temos de lhes dar carinho, mas a ideia é não as mimar demasiado, porque elas são essencialmente espécies selvagens que estariam no meio do mato de Portugal e aí não teriam uma intervenção humana, aí algumas iriam viver, outras iriam morrer”.

Quando as plantas começam a crescer, é possível espaçar-se mais essa manutenção, mas há que ter com cuidado com as ervas daninhas, especialmente na primavera e no verão, quando podem crescer ao ponto de se sobreporem às plantas existentes.

75% de sobrevivência das espécies, dezenas de milhares de litros de água poupados

Dois anos depois, qual é então o resultado desta manutenção?

A última monitorização (são feitas de seis em seis meses) indicava uma percentagem de 75% de sobrevivência das espécies plantadas. E há plantas, como as murtas, que estão a crescer ao fim de dois anos.

“Há mais e mais plantas, e cada vez se vê melhor a capacidade de se tornarem resilientes, o que é ótimo, porque não temos de estar sempre a intervir no espaço”, descreve António.

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A FCULresta tem sensores para medir a humidade do solo. Foto: Rita Ansone

E foram muitas as sementes de carvalho que finalmente conseguiram germinar.

Tem-se também verificado a fixação de plantas que não foram plantadas, o que é normal, diz António. “Temos feito o controlo das plantas exóticas, mas isso também é natural que apareçam, por isso é uma gestão”.

Mas não é só a biodiversidade que aqui fervilha. A verdade é que aqui também se poupa muita água.

As contas ainda não estão realmente feitas, mas António consegue estimar: “Geralmente a pressão que sai de um sistema de rega é cerca de um litro por segundo e num relvado há vários aspersores”. Em florestas como esta, ao longo do tempo, rega-se 1/5 ou até mesmo 1/10 do que se rega num relvado.

Somando tudo, poderão ser dezenas de milhares de litros ou até mesmo centenas… de água potável poupados.

Lisboa das florestas comunitárias

A FCULresta lançou a semente. E David e António começaram logo a receber pedidos de ajuda para que se plantassem mais florestas Miyawaki.

Hoje, há florestas Miyawaki na escola Alfredo Reis Silveira, no Seixal, no Instituto dos Púpilos do Exército, em São Domingos de Benfica, e ainda nos Estaleiros Navais de Lisboa (Lisnave), em Setúbal.

E graças à Urbem, uma coletiva social, implementaram-se estas florestas no parque da Bela Vista e no Areeiro. Foram experiências particularmente importantes para António, que contactou com toda a comunidade.

Essa é, pois, uma das premissas das florestas Miyawaki, e que faz delas modelos mais económicos: o envolvimento comunitário, que tem também facilitado a relação, por vezes turbulenta, entre município e munícipes.

“Há por vezes alguma dificuldade por parte dos municípios em relacionar-se com as pessoas e fazer com que os espaços verdes funcionem”, explica o cientista. No Areeiro e no Parque da Bela Vista, a comunidade juntou-se para dar vida a uma ideia. “No Areeiro, há muitas pessoas que vêm do Interior, onde tinham terras, e vêm para aqui e não as têm”.

A criação de uma floresta Miyawaki permitiu o regresso às raízes, ao contacto com uma natureza que elas pensavam não encontrar mais em Lisboa.

Levar a floresta à escola

Mais recentemente, a dupla tem estado a trabalhar com várias escolas de Sintra, e desenvolveu um guia para a criação de florestas Miyawaki em contexto escolar, permitindo que as florestas se tornem em verdadeiras salas de aula, onde se poderá aprender “Biologia, Ecologia, ou até mesmo Matemática, Português, Filosofia…”.

Para António, o potencial que tantos veem nestas florestas é esse mesmo: a de serem um espaço de aprendizagem. E algumas dessas aprendizagens podem ser bem simples, como aprender a esperar.

“Por muito que o crescimento destes espaços seja mais rápido do que o tradicional, quando eu for mais velho, muitas das plantas ainda não estarão na sua fase mais adulta”, diz António. “É importante nós desbloquearmos esta necessidade de termos a satisfação instantânea, é preciso criar essa ligação com o futuro”.

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A FCULresta hoje. Foto: Rita Ansone

António espera que estas aprendizagens possam mudar a cidade dele, e a forma como os lisboetas interagem com a natureza.

“Acho que estes espaços têm um papel para a formação dos nossos cidadãos e, quem sabe, para termos uma sociedade mais verde no futuro”, conclui.


Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 27 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

ana.cunha@amensagem.pt


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2 Comentários

  1. Ótima informação, muito positiva. Que bom! Há que dar mais valor a estas iniciativas comunitárias apoiadas por profissionais universitários. Bravo!

  2. Quero só dizer que adoro o vosso “Jornal” Continuem !
    Não conhecia , foi uma descoberta fantastica.
    Obrigada

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